Antes de entrar no Mercado de Benfica para fazer as compras de sábado, viu a comitiva do Livre passar, mas foi sobre o líder do partido que Maria Almeida quis falar. “Gosto do Rui Tavares, uma pessoa cordata, com bom senso e que consegue falar com toda a gente”. Diz que vai votar no Livre por várias razões: não gosta de maiorias absolutas, para si conta muito a pessoa que está à frente do partido e gosta das ideias progressistas, mesmo que considere algumas “menos realistas”. O tempo de Joacine não lhe agradou, mas isso são águas passadas e confia no cabeça de lista por Lisboa na próxima legislatura.

Se um voto à esquerda é bom, “é ainda melhor que votem no Livre”, assegurou Rui Tavares em declarações aos jornalistas à porta do mercado histórico da capital, apontando o partido enquanto “desencadeador de dinâmica de convergência e de marcar a agenda com temas novos”. A simpatia que Maria mostra pelo deputado único é comum a muitos vendedores e clientes do mercado que, ao sábado de manhã, está repleto de reformados e famílias com crianças. Rui Tavares interage com os mais velhos e com os mais novos, e encontra pontos de relação com quase toda a gente. Fala com uma vendedora de uma banca de peixe que o reconhece e que posa com um peixe na mão para as câmaras. É brasileira, de Minas Gerais, e ainda não vota em Portugal. O seu marido tem esse direito e ela garante que lhe vai entregar o panfleto do partido que “conhece e gosta”.

Uns minutos depois, o aglomerado de jornalistas, câmaras e militantes derruba uma caixa de feijão verde. Rui Tavares começa de imediato a apanhar os legumes do chão e não se inibe em brincar com a situação: “Isto é que é limpar Portugal”, afirma, numa referência ao slogan do Chega. Isabel está a fazer compras e recebe um panfleto, diz que “gosta muito de ouvir o político falar”. Conhece Rui Tavares e o partido para o qual contribuiu, há alguns anos, com uma assinatura na sua petição de criação. Não é filiada, mas tem apreço pelo trabalho que desenvolvem. “Acho que são importantes, mas o meu voto desta vez não vai ser no Livre. Vou fazer um voto útil“, admite, sem revelar onde vai colocar a cruz no boletim a 10 de março.

Questionado sobre se fica incomodado com os eleitores que dizem gostar do Livre, mas que admitiram votar noutro partido à esquerda, Tavares diz que o que importa é ver a esquerda a crescer. “As contas que é preciso fazer é entre os partidos que declararam publicamente com quem é que estão dispostos a negociar”, atira à Aliança Democrática (AD). E apela à união da esquerda, depois de nos últimos dias ter estado envolvido numa polémica após admitir dialogar com a direita democrática. “Votos roubados entre a esquerda ficam dentro da esquerda, mas por outro lado também não acrescentam” à direita. “A esquerda para ganhar estas eleições tem de convencer mais gente e essa mais gente é gente que está na dúvida entre a direita e a esquerda. É natural, não é só política, é aritmética também”, apontou.

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Livre esclarece que não admite coligação ou apoio a maioria de direita. “Seremos parte de uma oposição responsável e dialogante”

Depois de interagir com os populares, alguns que o abordaram, não tem dúvidas de que “cada vez mais gente conhece o Livre”. “Há dez anos quando fundámos o partido e viemos cá ao mercado as primeiras vezes era preciso explicar o que era o Livre e hoje muita gente já conhece, principalmente nos últimos dois anos com o trabalho realizado no Parlamento”, acrescenta.

O recado a Montenegro. “Não há exemplo de um centro direita que tenha dado a mão à extrema-direita e que não acabe com o braço devorado”

Mesmo “do outro lado da barricada”, mas “com uma boa dose de amizade”, Rui Tavares deixou uma mensagem à direita que considera ser a democrática e com a qual até já admitiu entendimentos sobre o novo aeroporto e a revisão da lei eleitoral. “Vão acorrer à sua própria destruição”, alerta. “Não há nenhum exemplo histórico nem recente de um centro direita que tenha dado a mão à extrema-direita e que não acabe com o braço devorado”, acrescenta.

 Ainda numa mensagem endereçada à Aliança Democrática, diz que “vemos uma direita cada vez mais radicalizada” sendo esta uma tendência em vários países da Europa. “O centro-direita e a direita tradicional têm que fazer uma escolha entre deixarem-se radicalizar, porque acham que aquele discurso agressivo e anti-esquerda e socialismo e anti tudo o que é público e coletivo funciona, ou evitar ser devorado pela extrema-direita”.

O porta-voz do Livre regressa a 2017, quando André Ventura era candidato por Loures e “disse das coisas mais racistas que tinham sido ditas na política portuguesa até então”. E recorda que “o CDS retirou-se da candidatura em Loures”, mas que “o PSD não”. “Luís Montenegro era nessa altura dirigente e líder da bancada parlamentar”, recorda. Critica o facto de o atual líder social-democrata afirmar que se tiver maioria relativa “irá tratar todos os partidos por igual”.

“Para não termos de estar o tempo todo com o credo na boca em relação ao que vai fazer Montenegro, a maneira mais segura de afastar extremistas do poder e de dar estabilidade ao nosso país é votar à esquerda”, apela. A caravana do Livre segue para o último esforço e última semana de campanha. Vai andar por Lisboa e seus arredores e por Setúbal, os dois círculos eleitorais onde o Livre tem maior esperança de eleger, segundo o porta-voz.

Sampaio da Nóvoa e Ana Gomes ao lado de Rui Tavares. “Os que passaram pelo autoritarismo “não eram mais estúpidos do que nós”

“A campanha não tem sido boa, mas nos últimos dias tem sido esclarecedora”, afirmou António Sampaio da Nóvoa, que participou esta tarde numa ação do Livre, em Algés. O antigo candidato presidencial considera que “certas forças decidiram recuperar e voltar a caminhos de grande retrocesso para o contrato social”. “Tornou-se mais claro onde estão as forças da moderação e do progresso e do diálogo e de uma alternativa progressista portuguesa e é preciso juntar essas forças”, apelou, após já ter participado na campanha da CDU.

“A minha presença aqui tem esse significado, como outros lugares em que já estive e em outros lugares que estarei”, garante. Sampaio da Nóvoa, que lamenta a falta de ideias construtivas para o futuro de Portugal e parabeniza Rui Tavares por ter proposto algumas dessas que faltam. Questionado sobre se está a recolher apoios à esquerda na atual campanha tendo em vista uma recandidatura presidencial, Sampaio da Nóvoa justificou a sua presença com a “necessidade de reforçar o campo democrático” e de “evitar radicalismos”. Aponta, sim, para o “sentido cívico” da sua presença, dizendo que tem “obrigação” de o fazer. Admite ainda que tem uma grande “proximidade na maneira de pensar” com Rui Tavares.

O antigo candidato presidencial revela que vai estar em outras ações de campanha de outros partidos, mas não quis anunciar quais. “Vou estar nos lugares em que entendo, nos movimentos, forças e iniciativas e pessoas que entendo que devo estar e em que terá significado estar”. “Esta é uma eleição para acrescentar, juntar e para reforçar esse conjunto de forças como alternativas progressistas na sociedade portuguesa, mas também com muita moderação e com muito diálogo democrático”, afirma Sampaio da Nóvoa.

Também questionado sobre se teria dissolvido o Parlamento enquanto Presidente da República, não deu uma resposta certa, mas deixou nas entrelinhas que “não devemos cair no imediatismo” e que é preciso uma “visão mais longa de futuro”. Criticou o permanente “comentário” e “decisão em cima da hora”. “Temos de fazer tudo o que pudermos, em todos os momentos, para termos estabilidade no nosso país”, apelou.

Ao cair da noite, Rui Tavares apresentou, ladeado por Ana Gomes e António Sampaio da Nóvoa, ambos antigos candidatos à Presidência da República, o seu novo livro de crónicas, dividido em duas partes. Num evento que não foi integrado na agenda da campanha oficial do Livre, falou-se do “farsismo” e dos perigos das forças populistas, tema da compilação de textos de opinião. “Falta-nos imaginação e achamos que quando os autoritarismos voltarem o realizador do filme vai mudar o filtro e fica tudo a preto e branco”, afirmou Rui Tavares, lembrando que nos anos 20 e 30, em países colhidos pelo fascismo havia “dias de sol radioso”. “Secalhar achamos que há uma certa irrealidade e que não se pode concretizar”, apontou.

Ana Gomes destacou que os que passaram pelo autoritarismo “não eram mais estúpidos do que nós” e atirou ao “vendedor da banha da cobra” do Chega. Olha para a “ideologia como antídoto essencial para combater o fascismo” e aponta ao dedo a quem “quer normalizar” o partido de André Ventura, afirmando que Passos Coelho foi à campanha da AD para “fazer isso”.

Já Sampaio da Nóvoa, que apresentou a parte “otimista” do livro de crónicas para “o futuro de Portugal”, destacou Rui Tavares como a pessoa com que mais se identifica atualmente no espaço público, pela sua “atitude de tolerância e diálogo, quando os outro só sabem construir muros”.

Artigo atualizado às 00:25