Desde 24 de fevereiro de 2022, a Rússia designava o conflito na Ucrânia como “operação militar especial”. Mais de dois anos depois, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, anunciou esta sexta-feira que o país está agora em “estado de guerra”. E justificou o motivo, numa conferência de imprensa: “Começou como operação militar especial, mas quando o Ocidente coletivo se tornou um participante ao lado da Ucrânia, tornou-se uma guerra para nós”.

Assim, o responsável da presidência russa relaciona o termo “guerra” com a participação do Ocidente no conflito, numa altura em que alguns líderes europeus, em particular o Presidente francês, Emmanuel Macron, admitem enviar tropas dos respetivos países para a Ucrânia. Nas suas declarações, citado pela Reuters, Dmitry Peskov indicou que “todos” têm de “entender” que a Rússia está num conflito — e isso obriga a uma “mobilização interna”.

Esta alteração de termo para a Rússia não está relacionada, prossegue Dmitry Peskov, com nenhuma “mudança legal”. “Esta é uma operação militar especial de jure. Mas de facto, para nós, converteu-se numa guerra quando uma aliança se formou e o Ocidente coletivo se tornou um participante ao lado da Ucrânia”, insistiu o porta-voz do Kremlin.

Esta sexta-feira, o porta-voz do Kremlin insistiu igualmente na tese de que a Rússia “não pode aceitar a existência de um Estado nas suas fronteiras que tem como intenção de tomar a Crimeia e as novas regiões com todos os meios necessários”. Isto significa que a Rússia continua a reiterar que fará de tudo para manter as províncias de Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporíjia, ainda que não ocupe a totalidade daquelas regiões.

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O que significa esta em mudança de termo?

Para o Presidente francês, não há dúvidas de que a mudança da designação mostra que o Kremlin assume abertamente que quer conquistar outros territórios na Ucrânia, não se ficando apenas pelo Donbass e pela Crimeia. “Ao usar este termo, aumenta a incerteza sobre os objetivos militares da Rússia”, assinalou Emmanuel Macron.

Na opinião da analista política Tatiana Stanovaya, a operação militar especial “tornou-se uma guerra há muito tempo”. No entanto, a especialista reconhece que agora existe uma mudança “psicológica”. “Tanto a população, como a elite serão questionadas de forma diferente do que durante a altura da operação militar especial”, realça num comentário na sua conta pessoal do Telegram.

Ou seja: esta designação, dá espaço de manobra para o Kremlin aumentar o esforço de guerra. Ao mesmo tempo, isso permite ao Presidente russo, Vladimir Putin, convencer a população de que, por exemplo, os fundos públicos têm de ser mobilizados para o conflito na Ucrânia; afinal, a Rússia está “em estado de guerra” e convém lutar contra a “aliança” firmada no Ocidente.

Para o analista russo Mark Galeotti, que já escreveu inúmeros livros sobre a política russa, esta alteração de termo manda uma mensagem à sociedade civil russa. “É uma obrigação do Kremlin para que todos os russos adotem uma mentalidade de tempo de guerra e entendam que agora não há meio termo”, escreveu na sua conta pessoal do X (antigo Twitter). E acrescenta: neste momento, ou se é um “patriota”, ou se é um “traidor” na Rússia.