As coisas estavam a correr de feição à Albânia. As Águias perderam quase por completo a capacidade de irem saindo de quando em vez com perigo para ações ofensivas que chegavam a criar situações de 3×3 diante de uma Croácia bem mais desequilibrada em termos coletivos do que nos últimos anos (ou do que no particular que fez com Portugal no Jamor, por exemplo) mas mantinham a vantagem mínima no marcador graças a um golo de Laçi ainda no quarto de hora inicial. Problema? Para aguentar esse resultado histórico era preciso ir mexendo na equipa perante o desgaste físico. Aos 72′, Sylvinho abdicou do médio e lançou Klaus Gjasula.

Gjasula e a arte de transformar improvável em não impossível (a crónica do Croácia-Albânia)

A fazer a estreia neste Europeu, depois de ter sido suplente não utilizado na derrota com a Itália, o médio do Darmstadt, que está de saída dos germânicos e ainda não assinou qualquer vínculo para a nova temporada, necessitou de pouco mais de 20 minutos para sair do papel de ator secundário, colocar a máscara de vilão e vestir a capa de herói – e, verdade seja dita, foi essa que ficou como capa deste autêntico filme que começou por ser um pesadelo mas virou para sonho com contornos dramáticos em Hamburgo no arranque da segunda jornada da fase de grupos deste Campeonato da Europa e no intitulado “grupo da morte”.

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À semelhança do que acontecera nos encontros anteriores em que tinha marcado com a Roménia (2016) e a Itália (2024), a Albânia foi a equipa que inaugurou o marcador na partida. À semelhança do que acontecera no encontro anterior com a Itália, fez o seu golo nos minutos iniciais da partida, “retardando” esse momento do primeiro para o 11.º minuto. A partir daí, tudo foi diferente. Por um lado, a Croácia conseguiu aquela que foi a sua reviravolta mais rápida em fases finais, superando a que tinha conseguido com os transalpinos no Mundial de 2002. Por outro, a Albânia marcou pela primeira vez dois golos numa só partida da fase final do Europeu. Nome em destaque para ambos os registos? Gjasula, que marcou na própria baliza o 2-1 para os croatas numa carambola após remate de Sucic mas foi à área contrária rematar rasteiro para o 2-2 no quinto e penúltimo minuto de descontos, deixando os adeptos albaneses em completa loucura com o feito.

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Com isso, o médio defensivo tornou-se o primeiro jogador da história dos Europeus a sair do banco para marcar um golo em cada uma das balizas, sendo que antes apenas um jogador tinha alcançado esse misto de “sorte e azar” (se é que existe no futebol). E não foi um jogador qualquer: Anton Ondrus, considerado um dos melhores líberos do futebol na década de 70 que fez quase toda a carreira no país antes de passar pela Bélgica, inaugurou o marcador a favor da Checoslováquia na meia-final de 1976 com a Holanda de Johan Cruyff e companhia, empatou com um autogolo que levou tudo para prolongamento e acabou a fazer a festa da qualificação com um triunfo por 3-1 antes da vitória na decisão por penáltis com a RDA.

No caso de Gjasula, é tudo menos provável que esse “feito” de marcar nas duas balizas contribua para que a Albânia se torne campeã europeia como aconteceu com a Checoslováquia em 1976 mas ficou pelo menos a garantia de que o médio defensivo é tudo menos um jogador acabado aos 34 anos, apesar de estar de saída dos alemães do Darmstadt. Aliás, foi em território germânico, onde cresceu após nascer em Tirana, que o jogador fez quase toda a carreira até aqui, passando por clubes como Freiburger, Bahlinger, Waldhof Mannheim, Duisburgo, Kickers Offenbach, Stuttgarter Kickers, Hallescher, Paderborn, Hamburgo e Darmstadt, tendo a oportunidade de jogar na Bundesliga duas épocas, no Paderborn e no Darmstadt.