A maioria PSD/CDS tem o discurso pronto para uma eventual saída da Grécia da zona euro e tem também uma lista de tudo aquilo que António Costa e um dos delfins, João Galamba, já disseram sobre o Governo Syriza. O PS também fez o seu trabalho de casa: os dirigentes do partido estão, nestes dias, a lembrar o que (também) disse António Costa, não só sobre as atuais negociações gregas, mas sobretudo sobre como é imprescindível negociar e procurar aliados na União Europeia.

“Não nos andaram a criticar por Maria Luís Albuquerque ter dito que temos os cofres cheios?”, é com uma pergunta que fonte da maioria responde ao assunto que, por estes dias, domina as preocupações dos principais agentes políticos. Se a Grécia sair da zona euro, que consequências isso terá para Portugal?

As contas da maioria são feitas a três níveis. Do ponto de vista das finanças públicas, o Governo conta com uma almofada que, no pior dos casos, durará até um ano. O programa de emissão de dívida começou a ser feito em 2013 e hoje é conhecido por aquilo a que Maria Luís Albuquerque chamou de “cofres cheios”, provocando a polémica. Essas declarações significam que o Estado tem um instrumento de política financeira para fazer face a uma perturbação viesse ela de onde viesse, explica fonte do Governo, acrescentando que o objetivo era tranquilizar os portugueses. Se na altura não foram bem percebidas, agora talvez sejam, acredita a maioria sobre aquilo que define como “uma muralha financeira” construída durante o ano de 2014.

A emissão de dívida esta quarta-feira, mesmo que a taxas mais altas, cimenta a ideia na maioria que acredita que os mercados estão totalmente abertos a Portugal e que o contágio do incumprimento da Grécia será “perfeitamente controlável”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Há cerca de quatro meses que as indicações dadas pela ministra das Finanças, depois de participar em cada reunião do Eurogrupo, apontam para o pior cenário, mas dentro da maioria o sentimento não é de pânico. “Nós nunca fomos pelo caminho da Grécia. Só houve semelhança entre Portugal e Grécia até 2011”, diz fonte da maioria, referindo-se ao anterior Governo de José Sócrates. A ideia foi sendo reforçada até pelo próprio primeiro-ministro que esta semana voltou a frisar que o Tesouro português está em condições de enfrentar turbulências pelo menos até ao final do ano. Esta quarta-feira acrescentou que “Portugal não será apanhado desprevenido”. E é neste discurso que se baseiam os membros da coligação PSD/CDS.

“O governo tem dito e bem que nós não estamos em processo de ajustamento, que não estamos em nenhum programa cautelar e repetimos que vamos sair do Procedimento de Défices Excessivos este ano. Isso significa dar aos mercados uma imagem e dizer que não estamos na mesma situação da Grécia”, frisa ao Observador o coordenador da bancada do PSD para as Finanças, Duarte Pacheco.

Um segundo nível: as consequências na economia. Aqui, as respostas são mais hesitantes. É difícil prever as reações micro, dizem. Mas há alguns (cinco) fatores a ter em conta. Uma eventual desvalorização do euro nas atuais circunstâncias (em que está 20% valorizado em relação ao dólar) é visto como uma possível boa notícia. Pode incentivar as exportações para fora da Europa e ter efeitos expansionistas. Já um eventual encarecimento do crédito para as empresas privadas é encarado como algo provável só num cenário de instabilidade financeira muito prolongada – o que a maioria não acredita, confiando em alguma turbulência, mas na capacidade de a UE recuperar da saída de um dos países a curto prazo.

Ainda no capítulo das consequências a nível económico: o stress financeiro na Grécia é grande mas o efeito de contágio em relação a Portugal é visto como diminuto (o Chipre é o principal afetado). Quarto fator: trocas comerciais, que são residuais entre Portugal e Grécia. Outros países como Macedónia, Albânia e Bulgária são os mais dependentes. Mais um fator a ter em conta: o de uma eventual contração do consumo – os portugueses assustados com algo inédito na história da União Europeia poderão recuar nos hábitos que estavam agora a retomar. Este ponto é essencial para as previsões de crescimento económico da maioria e do PS e é um dos assuntos que os dirigentes políticos mais evitam. “O Programa de Estabilidade [PE] é cauteloso”, lembra um social-democrata, defendendo que as previsões do documento são a quatro anos e que, portanto, não é preciso ir a correr corrigir o documento em caso de alguma perturbação com a saída da Grécia.

Sobre o facto de o PE ter como base uma descida das taxas de juro da dívida, Duarte Pacheco desdramatiza. “Neste momento temos ido ao mercado sobretudo para substituir dívida com juros mais elevados por outra com juros menores, se acontecer a queda da Grécia, pode adiar-se a ida aos mercados para o país não ser penalizado pelo aumento das taxas de juro”, responde, admitindo ainda que “a saída da Grécia do euro é uma situação nova e não se conhecem as ondas de choque que pode provocar”.

Ataque à oposição está pronto

O terceiro patamar é o político. A maioria tem uma lista das várias declarações do secretário-geral do PS, António Costa, e de dirigentes como João Galamba sobre o Governo grego do Syriza. Considera que Costa colou-se ao partido de Alexis Tsipras antecipando-se mesmo ao PCP quando dizia que a vitória do Syriza era “um sinal de mudança que dá força para seguir a mesma linha”. Galamba, por seu lado, chegou a dizer que “Grécia é Portugal porque representa a visão mais hiperbólica da resposta da austeridade expansionista à crise”. Em maio, em entrevista ao Observador veio dizer que o PS deve bater-se na Europa de “uma forma inteligente e não tonta como o Syriza”. Estava dado o mote para o distanciamento que agora PSD e CDS não deixarão passar em branco: “O que é que isso quer dizer? Isso é dizer nada”.

Se a maioria não tem deixado de vincar que a culpa do resgate em 2011 é do PS prepara-se rapidamente, em período de pré-campanha eleitoral para as legislativas do outono, para associar uma eventual futura governação do PS aquilo que considera ser um comportamento irresponsável do Governo do Syriza.

Na prática, perante um incumprimento da Grécia, Passos sublinhará as diferenças entre os esforços que os portugueses e os gregos tiveram que fazer. “Nós fizemos o nosso trabalho de casa”, disse esta quarta-feira aos jornalistas, ao comentar a eventual saída da Grécia do euro.

“Mas a demonstração da validade da nossa estratégia não depende do colapso da Grécia, temos esperança que haja acordo”, acrescenta fonte do Governo ao Observador.

PS: Cautela e caldos de galinha

Para já, o PS resguarda-se sobre o futuro da Grécia e passa para fora a ideia que um desaire dos gregos não será um problema eleitoral no sapato do partido, que começou por ver com bons olhos a eleição do Syriza. O problema dos gregos é europeu (não nacional), o impacto será para todos e não vai influenciar as propostas do PS, diz ao Observador o secretário nacional João Galamba.

O cenário da saída da Grécia do euro está em cima da mesa, mas não mexe com as proposta do PS, que se quer distanciar do radicalismo do Syriza.

“Esta situação não tem impacto nas nossas medidas, pode ter impacto no cenário base, mas não se sabe ainda como se vai desenvolver. Mas não é um impacto num programa de um partido. É um impacto num país e na zona euro. É uma ilusão pensar que há alguma coisa que um país pode fazer individualmente. À semelhança do passado, há uma única instituição que pode fazer reganhar a confiança que é o BCE”, responde o deputado.

António Costa acentuou a mensagem, na Convenção Nacional do partido, de que o PS é um partido “de contas certas”. Frase deixada para dentro e para fora, até porque o secretário-geral do partido ia para uma semana de périplo europeu e tem de convencer os parceiros de que o programa eleitoral que tem na mão baseia-se num cenário macroeconómico credível e que não põe em causa as metas acordadas com Bruxelas. Mas a Grécia pode ou não baralhar este programa?

Uma saída da Grécia da zona euro será um terramoto financeiro e económico cujas dimensões são desconhecidas e os socialistas, que falam desta possibilidade, fazem-no no entanto como contraponto daquilo que defende o Governo: “Uma desagregação da zona euro tem um impacto muito negativo. É uma posição perigosa achar que o risco está controlado”, defende Galamba.

Os socialistas começaram por ver uma eleição do Governo de Alexis Tsipras como uma boa notícia, o entusiasmo refreou e por agora a palavra de ordem é contenção. Depois do fim da semana, se verá. Contenção por um lado, contra as palavras de Passos Coelho por outro. Para o socialista, o facto de Passos Coelho ter dito que o país tinha uma salvaguarda financeira até ao final do ano é pôr uma guilhotina à frente do país: “Não é uma frase que inspire confiança. Quando se define um limite, transforma-se o país num alvo. Em vez de dar confiança, limita-a”, acredita. “O problema não se resolve com um programa nacional ou programa de um partido. Tem impacto num país e na zona euro. Quem desvaloriza esta questão está a ser irresponsável”, finaliza.

E Costa também disse isto

No Largo do Rato, por estes dias, lembra-se também o que o secretário-geral socialista tem dito sobre a condução grega das negociações (“estratégia tonta”, como afirmou na entrevista ao Observador, há um mês). Mas também sobre como vê que possam ser conduzidas negociações na UE: procurando aliados, ganhando apoios para mudar a maioria no Conselho e, consequentemente, a estratégia da Europa no combate à crise.

Costa, aliás, apareceu no combate interno pela liderança do PS distinguindo-se de Seguro num ponto que é sensível para os socialistas – dizendo que a renegociação da dívida (defendida, por exemplo, por Ferro Rodrigues) não era a única solução para o país. E fez, durante os últimos meses, uma ronda pelas capitais europeias com líderes socialistas no Governo, avaliando os passos que podem ser dados por Portugal caso venha a ser eleito primeiro-ministro. Mas com um objetivo claro, também acentuado na entrevista ao Observador:

Há aqui uma agenda europeia que temos que estabelecer: não podemos continuar a aceitar que esta moeda que é comum seja uma moeda que beneficia muito poucos e prejudica bastante quase todos os outros.

E no que é que isso é diferente do Syriza? Um secretário nacional ouvido esta manhã pelo Observador deixa-o claro: “O Syriza teve um mandato do povo grego para mudar a forma como a Grécia e a Europa encaram a crise, mas está a ser uma oportunidade perdida, porque para isso é preciso obter aliados e negociar – com antecedência e preparação. É isso que o líder do PS está a fazer”, argumenta.