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Quase uma semana e três demissões depois, Fernando Medina falou, por fim, sobre o caso que abalou a política nacional nos últimos dias de 2022. No átrio do Ministério da Economia, após uma conferência de balanço do ano que juntou três ministérios, foi sobre um quarto, o das Infraestruturas, que lavou as mãos. Em 20 minutos de perguntas e respostas aos jornalistas, Medina não deu só explicações. Foi da calma à irritação, não poupou a gestão da TAP, ameaçou com processos “jornalistas e comentadores” e garantiu que “aos que jogam de forma baixa” vai “responder com verdade e elevação”.

O escrutínio a Alexandra Reis que não existiu “a esse ponto”

Não foi o percurso profissional de Alexandra Reis que levou Fernando Medina a pedir a demissão da sua secretária de Estado, mas as circunstâncias da atribuição da indemnização, o que retirou “autoridade” à própria e ao Ministério das Finanças perante a relação com os cidadãos e o país. Essa foi uma das principais linhas argumentativas da defesa do ministro das Finanças perante as perguntas dos jornalistas, até porque Fernando Medina não poupou nos elogios às competências e à experiência de gestão de Alexandra Reis: falou no seu currículo “intocável”, que “não deve ser beliscado”, numa gestora “muito reconhecida”, com uma experiência “muito larga no setor privado”, assim como ao nível da gestão pública — e, particularmente, num dossiê complexo como o da TAP.

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Para Medina, não é incompatível que uma ex-administradora da TAP com as responsabilidades que Alexandra Reis teve, e que envolviam a companhia, tenha sido escolhida, meses mais tarde, para um cargo num ministério que tutela a companhia aérea. O percurso profissional na TAP, considera, não colocava em causa a legitimidade para mais tarde vir a tomar decisões com impacto direto na transportadora. Medina acredita que não há incompatibilidades e tinha confiança de que Alexandra Reis saberia distinguir os dois contextos. Uma espécie de ‘amigos amigos, negócios à parte’.

“Na vida profissional, as pessoas não precisam de ser amigas nem de se dar muito bem, têm de saber trabalhar em conjunto. Sempre acreditei no profissionalismo da secretária de Estado”, respondeu o ministro.

Mas, neste ponto, houve perguntas que Fernando Medina deixou por esclarecer. Desde logo como não escrutinou o passado de Alexandra Reis na TAP antes de a convidar para o Governo, de forma a perceber que lhe tinha sido atribuída uma indemnização de meio milhão de euros. O próprio ministro admite que não foi feita uma avaliação “a esse ponto”, reiterando que não sabia da indemnização paga à agora ex-secretária de Estado.

Segundo o Expresso, Alexandra Reis foi proposta pelo Governo para a NAV, que estava na tutela de Pedro Nuno Santos, apenas mês e meio depois de ter efetivamente saído da TAP, ou seja, no final de fevereiro deste ano. Nove meses depois, é conhecido o seu nome para a secretaria de Estado do Tesouro. Para Medina, tempo suficiente — e funções suficientemente distintas — para que não houvesse incompatibilidades. “Destaco que a secretária de Estado era presidente da NAV, uma posição já distante da que tinha ocupado na TAP, por isso essa avaliação [sobre o passado na transportadora] não foi feita”.

Compensação da TAP a Alexandra Reis fura o estatuto do gestor público, mas há dúvidas sobre quadro jurídico aplicado

O que fica por saber: Como pode ter Alexandra Reis sido escolhida como secretária de Estado do Tesouro, pasta em que tem de tomar decisões sobre a TAP, tendo, meses antes, sido gestora da companhia?

Quem sabia o quê e quem deveria saber

Fernando Medina já o tinha afirmado, em declarações escritas à RTP e à SIC, na passada quarta-feira. Mas esta sexta-feira disse-o de viva voz: “Não fui informado que essa indemnização tinha ocorrido”. Mas Medina não era ministro das Finanças a 4 de fevereiro de 2022, data em que a TAP informou a CMVM sobre a “renúncia” de Alexandra Reis.

Quem ocupava a pasta era João Leão. Que também já veio a público afirmar que não soube da indemnização. “Se me tivesse sido colocada a questão não teria estado de acordo”, afirmou esta quinta-feira ao Expresso. No Ministério das Finanças no poder na altura, o desconhecimento era geral. Também Miguel Cruz, então secretário de Estado do Tesouro — hoje presidente da Infraestruturas de Portugal — garantiu ao Observador que nunca falou com o administrador financeiro da TAP sobre as razões da saída de Alexandra Reis e “muito menos me foi referida a existência de compensação”.

Ex-secretário de Estado do Tesouro garante que nunca lhe foi referida compensação paga a gestora da TAP

Como o Observador já tinha avançado, Pedro Nuno Santos soube da saída de Alexandra Reis, mas não conhecia os contornos do acordo. Isso mesmo acabou por ser confirmado pelo próprio na sua nota de demissão. “No entanto, tendo o ministro tido agora conhecimento dos termos do acordo e perante as dúvidas, entretanto suscitadas, solicitou à TAP explicações em torno deste processo”, pode ler-se.

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Segundo o mesmo comunicado, quem tinha conhecimento sobre todos os contornos do processo era o então secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Hugo Mendes — que no atual Governo passou a ser secretário de Estado das Infraestrururas. “Como resultado desse processo, a TAP informou o Secretário de Estado das Infraestruturas de que os advogados tinham chegado a um acordo que acautelava os interesses da TAP”. E Hugo Mendes, “dentro da respetiva delegação de competências, não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução encontrada”. Nem terá visto a necessidade de partilhar a informação com o ministro.

O “discreto” Hugo Mendes é que foi informado do acordo de Alexandra Reis com TAP e não viu incompatibilidades

Fernando Medina tornou clara a sua posição sobre o caminho que tomou a corrente de informação. Questionado sobre se o Ministério deveria ter tido conhecimento de um cheque de 500 mil euros passado a uma administradora de uma empresa pública, respondeu: “Naturalmente que sim, devia ter tido”. Para o ministro, “não é obviamente adequado” que “haja decisões deste tipo de impacto e que não seja do conhecimento do Ministério das Finanças”.

O que fica por saber: Porque é que Hugo Mendes não comunicou os termos da saída de Alexandra Reis a Pedro Nuno Santos? Porque é que a TAP não comunicou os mesmos termos ao Ministério das Finanças?

À espera que a IGF aponte caminhos para que a situação não se repita

A pergunta foi endereçada a Medina, que não quis dar uma resposta taxativa de sim ou não: deve Alexandra Reis devolver o meio milhão que recebeu? O ministro das Finanças preferiu remeter uma decisão para a auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) ao pagamento da indemnização. É essa entidade que vai aferir a legalidade de todo o processo e fazer sugestões para uma eventual mudança de regras.

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Fernando Medina defende que se encontre um “quadro de equilíbrio” dentro de empresas públicas, como a TAP, para equilibrar uma necessidade de atrair “bons quadros e gestores”, mas sem colocar em causa a “proporcionalidade, relativamente ao país e às circunstâncias individuais de cada um”. É o próprio que expressa uma “manifesta incompreensão com a desproporcionalidade” entre os salários médios pagos aos portugueses e a indemnização atribuída numa empresa pública, intervencionada pelo Estado. Questões morais que quer ver refletidas na lei para que situações destas “deixem de acontecer no futuro”. Como? Remete sempre para as conclusões da IGF.

Há, paralelamente, uma análise mais técnica, sobre a legalidade do processo. “A IGF vai avaliar todas as matérias relativamente à matéria legalidade, como é que foi feito, de que forma, com que normas habilitantes, com que contornos, com que informações, com que órgãos, isso é matéria que eu deixo à IGF”.

Em causa está a legalidade da solução jurídica encontrada pelos advogados de ambas as partes, que contorna o que está previsto no estatuto do gestor público porque a agora ex-secretária de Estado não assinou qualquer contrato ao abrigo daquele estatuto, e porque, segundo a TAP, este regime não prevê a possibilidade de negociar um acordo de saída, tendo por isso recorrido ao Código das Sociedades Comerciais. A auditoria também vai estudar a adequação do valor atribuído. E responder à questão sobre quem deveria ter informado quem.

O que fica por saber: Considera Fernando Medina que Alexandra Reis deve devolver o valor da indemnização que lhe foi pago? Vai a lei ser alterada? Se o Ministério das Finanças não foi informado, quem o deveria ter informado? A TAP ou o Ministério das Infraestruturas?

Administração da TAP continua em funções? Só a IGF dirá

Uma das questões que Medina quer que a IGF responda é sobre as condições da continuidade da administração da TAP e da sua gestora, Christine Ourmières-Widener. Isso mesmo já tinha explicado o Observador.

É uma das dúvidas que paira: o que vai acontecer à administração da TAP, em particular à sua presidente executiva, Christine Ourmières-Widener, que tem estado em silêncio desde que estalou a polémica? No cargo há um ano e meio, Ourmières-Widener está agora numa situação mais fragilizada, pelo pagamento de uma indemnização de meio milhão por uma empresa intervencionada pelo Estado que viu esta semana renovada a condição de situação económica difícil para poder manter cortes nos salários e a suspensão de acordos de empresa. Mesmo atirando a batata quente para o Ministério das Infraestruturas, ao dizer que tinha conhecimento do valor fechado com Alexandra Reis.

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Aos jornalistas, a argumentação de Medina foi nesse sentido: o Governo vai aguardar pelos resultados da avaliação pedida à IGF para decidir sobre o futuro da empresa, o que implica a sua cúpula. “Finda essa auditoria por parte da Inspeção-geral das Finanças, o Governo tirará as suas conclusões, quer sobre o funcionamento da empresa, mas também sobre o quadro geral que deve ser alterado para evitar que estas situações se repitam”, defendeu Medina.

O que fica por saber: devem a administração e a gestão da TAP continuar em funções?

Sem responsabilidades na demissão de Pedro Nuno Santos

A pergunta apanhou o ministro das Finanças de surpresa. “Sente-se responsável pela demissão do ministro Pedro Nuno Santos?”, questionou um dos jornalistas. Tanto surpreendeu, que teve de ser repetida. Afinal, o ministro caiu após a demissão de uma secretária de Estado do ministério de Fernando Medina. Mas o ministro não vê o caso assim. “O problema foi a nomeação ou ter recebido a indemnização?”, devolveu.

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Ficava, assim, clara a visão de Medina. “Não me sinto responsável por isso”, sublinhou. Não sem antes deixar uma “palavra de reconhecimento ao ministro das Infraestruturas, pela qualidade do trabalho que pudemos desenvolver em conjunto. Foi trabalho muito importante, desempenhado com grande empenho”.

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Houve, ainda assim, um detalhe nas declarações de Medina que pode colocar em causa o agora ex-ministro. Na sua nota de demissão, Pedro Nuno Santos refere que “todo o processo foi acompanhado pelos serviços jurídicos da TAP e por uma sociedade de advogados externa à empresa, contratada para prestar assessoria nestes processos”. Medina não tem tantas certezas. “Não sei se [o departamento jurídico da TAP] participou no processo, perguntem”, notou, numa resposta relativa ao papel da sua mulher, Stéphanie Silva, enquanto diretora jurídica da TAP, mas que estava então em licença de maternidade, em todo o processo.

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O “sacrifício” de Stéphanie Silva e os processos contra quem “joga baixo”

Foram os últimos minutos do tempo que Medina concedeu aos jornalistas. E aqueles que o deixaram visivelmente irritado. A uma questão sobre o papel da sua mulher, Stéphanie Silva, no processo de Alexandra Reis, uma vez que era diretora do departamento jurídico da TAP, estando na altura em licença de maternidade, Medina não se limitou a esclarecer o que já tinha sido esclarecido. Ameaçou com processos quem insistisse na “mentira” e prometeu responder “com elevação” a quem “joga baixo”.

Uma das perguntas foi respondida logo no início da semana. Foi, aliás, a única das muitas questões enviadas à TAP a que a companhia aérea respondeu. Stéphanie Silva não recebeu qualquer indemnização quando saiu da TAP. Além de estar em licença de maternidade na altura da saída de Alexandra Reis, a mulher de Medina não chegou a voltar à empresa, tendo abandonado a TAP em março, na sequência da ida de Fernando Medina para o ministério das Finanças. Hoje, Stéphanie Silva é partner na sociedade de advogados DLA Piper ABBC, especializada em aviação e direito societário.

Stéphanie Silva terá estado, então, ausente de todo o processo Alexandra Reis. E foi isso que Fernando Medina não se cansou de afirmar no final das declarações. “A informação sobre a minha mulher ocupar essa posição, é falsa e já foi amplamente desmentida a jornalistas, comentadores e partidos políticos”, começou por dizer. Stéphanie Silva, acrescentou, “apresentou a sua renúncia à TAP com grande sacrifício da sua vida profissional numa escolha que os dois fizemos quando assumi a pasta das Finanças”, afirmou, ressalvando a “coragem e sacrifício próprio” de Stéphanie Silva.

Ela não estava na empresa, não negociou, não participou e nada teve que ver com esse processo”, salientou.

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A irritação do ministro foi crescendo. E as palavras acabaram por ganhar o tom de ameaça, perante uma suposta “campanha” que estará a ser montada para “atingir” o ministro através da sua mulher. “Às pessoas que jogam de forma baixa na vida pública, que mostram não ter caráter no ataque aos outros, às pessoas que utilizam de forma inqualificável os familiares, que não têm voz própria para se defender na vida pública, procuram denegrir as mulheres de políticos como se não tivessem vida própria quase 50 anos depois do 25 de abril, só respondo que não nos vão atingir. Vamos continuar a responder com verdade e elevação”.

E, porventura, com processos. “Os casos que tiver de colocar em tribunal colocarei em tribunal em defesa da própria honra”. O ministro asseverou que “não é assim que me vão derrotar e atingir, porque aos ataques vamos responder com elevação”. E se depois do desmentido que faço os senhores jornalistas continuarem a insistir na repetição de uma mentira, estão ao lado dos que estão a denegrir a nossa vida publica e democrática”. Após estas palavras, Fernando Medina abandonou o Ministério da Economia, rumo a um novo ano com uma secretária de Estado a menos e muitas questões por responder.

O que falta saber: Estando de licença de maternidade, seria possível Stéphanie Silva ter conhecimento da indemnização a Alexandra Reis?