Zona euro deixou de ser irreversível

Antes da cimeira decisiva de líderes europeus de 12 de julho, o ministro alemão Wolfgang Schäuble conseguiu introduzir no documento preliminar dos ministros das Finanças uma referência a que fossem “disponibilizadas ao governo grego” negociações com vista a uma saída temporária da Grécia da zona euro. Sem qualquer fundamento nos tratados fundamentais da zona euro, a referência seria eliminada do documento final, mas “isto criou um precedente que poderá regressar para assombrar a zona euro”, escreve o ING.

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A confiança recíproca é um ativo crucial

Mark Cliffe, o analista do ING que elaborou o relatório, diz que “muitas vezes as negociações tiveram momentos de grande confronto e houve grandes mudanças de posição (em particular por parte do governo grego)”. “A confiança é essencial em qualquer transação financeira”, defende o analista. E porque Tsipras considerou que o terceiro resgate foi concedido por meio de “chantagem” podemos dizer que “o grau de confiança mútua continua a ser baixo”. “A esperança é que as eleições levem à criação de um governo que tenha maior vontade de aplicar o programa. O que está longe de estar garantido”, diz o ING.

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Os credores têm o controlo da negociação

O Syriza “apostou que os credores internacionais estariam tão preocupados com os danos causados por uma eventual saída da Grécia da zona euro que seriam concedidas à Grécia condições mais favoráveis para o seu programa. Enganou-se”, escreve o ING. Alexis Tsipras ainda obteve uma vitória do “não” no referendo de 5 de julho, “mas o Syriza acabou por capitular e aceitar um acordo ainda mais duro”.

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Se tiveres um “Plano B”, certifica-te de que é credível

Soube-se, depois do acordo para o terceiro resgate, que o governo grego tinha um “Plano B” para introduzir uma nova moeda, o que passaria por pedir ajuda financeira à Rússia ou à China. Segundo a imprensa grega, houve um pedido de 10 mil milhões de euros a Putin que foi recusado. É por isso que o ING diz que, quando alguém quer ganhar força negocial sinalizando que há um “plano B”, “é bom que este seja explícito e credível”. “Outros governos populistas europeus devem refletir sobre isto antes de admitirem uma saída do euro”, escreve o ING.

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A Teoria dos Jogos é difícil de aplicar na prática

“Varoufakis é um perito em Teoria dos Jogos, mas fracassou”, diz o ING, argumentando que é difícil aplicar na prática muitos conceitos desta teoria. E porquê? “Em primeiro, a zona euro é um jogo ‘multi-player’, com cada jogador com motivações muito próprias. Depois, é um jogo multi-faseado, “em que se tem de reconhecer que os outros jogadores vão lembrar-se como se comportou anteriormente e agir de acordo com essa informação”.

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Luta política sobrepõe-se, muitas vezes, à discussão económica

O analista do banco holandês recorda desta negociação que “muitas vezes os números que constavam dos planos orçamentais que os gregos sugeriam estavam muito próximos do que era pedido pelos credores”. O problema é que “o tom de confronto que marcou o debate político tornou mais difícil que os dois lados ‘vendessem’ o acordo aos respetivos eleitores”.

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Não se pode confiar nas projeções económicas

As projeções económicas que têm servido de base aos sucessivos planos de resgate “têm sido, de forma recorrente, altamente otimistas, subestimando drasticamente o impacto sobre o crescimento dos cortes orçamentais”. A incerteza trazida pelas eleições do início do ano terá tido muito a ver com isso, mas basta lembrar que ainda há pouco mais de um ano o FMI previa que a economia grega iria crescer 4% este ano. “Agora, parece que está em risco de se contrair na mesma medida”, lamenta o banco holandês.

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Austeridade excessiva tem um custo político elevado

É uma conclusão que há muito foi tirada na gestão da crise europeia iniciada em 2010. “A austeridade excessiva tem um custo político elevado”, sublinha o ING, notando que “o apoio eleitoral ao Syriza nasceu da depressão que se instalou na economia grega, que levou a taxa de desemprego a mais de 25% da população ativa”. O efeito prático, diz o banco holandês, é que exagerar na dose ou na velocidade da consolidação “aumenta a resistência a medidas de contenção orçamental”, por muito necessárias que estas sejam.

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Só porque uma estratégia falhou, não significa que não irá continuar

Responsáveis como Angela Merkel e Wolfgang Schäuble repetem várias vezes que a retoma em países como Espanha, Portugal e Irlanda mostra que a estratégia para lidar com a crise foi a mais acertada. Mas, pelo menos no caso grego, o ING defende que “a junção de austeridade severa nas contas públicas e ausência de reformas” tem feito com que os programas gregos não se possam considerar um sucesso. O terceiro resgate está em curso, mas “não é claro se o ímpeto de reformas vai acelerar”.

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Se houver novos problemas, a receita será novamente a austeridade

A forma rígida como os credores geriram a mais recente crise grega indica que “em caso de problemas futuros a zona euro voltará a aplicar a mesma receita”, isto é, cortes orçamentais sem a garantia de que os credores vão compensar esses cortes com estímulos ao crescimento.

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Europa pouco ambiciosa nos estímulos económicos

“Sem crescimento, a Grécia terá muitas dificuldades em pagar a dívida”, o que é particularmente importante porque, na opinião do ING, “os planos de investimentos patrocinados pela Comissão Europeia são relativamente pequenos”. Além disso, os estímulos que os credores estão a admitir só serão concedidos em troca de um cumprimento pleno, por parte do governo grego, das medidas de austeridade.

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Impasse atrasou reformas essenciais. E agora será mais díficil

O ING defende que o impasse e o confronto que marcaram os últimos meses provocou ainda mais danos numa economia grega que já era frágil. Além disso, criou-se um “clima político tóxico” tanto no plano interno como externo. Agora, “será necessária uma vigilância ainda mais intrusiva por parte dos credores, mas esta será recebida com hostilidade”.

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Há divergências de pensamento profundas na zona euro. Políticas e económicas…

“O debate em torno da Grécia trouxe ao de cima divisões antigas” na zona euro, diz o ING. De um lado está “o grupo de países liderado pela Alemanha, que enfatiza o cumprimento das regras, a disciplina e a austeridade” e, do outro, “o campo mais mole liderado por França e Itália, que defendem mais solidariedade e aposta no crescimento”.

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…por isso, a União Orçamental é um conceito distante.

O arrastar da crise grega desde 2010 e os problemas que existiram também noutros países fazem com que “haja pouca predisposição para que se partilhe a governação económica na zona euro”. O Presidente francês François Hollande é um dos que mais insistentemente têm pedido uma união política na zona euro, com orçamento próprio, sistema fiscal harmonizado e um presidente. Mas esta imagem parece “mais distante do que nunca”.

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Na dívida, empurrar o problema com a barriga só o tornará pior

O FMI pede aos credores europeus que façam um perdão direto da dívida acumulada pela Grécia. Mas o máximo que governos como a Alemanha e a Finlândia admitem é uma nova alteração das maturidades e dos juros que serão cobrados na dívida grega. “Os responsáveis atribuem isto às regras europeias, mas isto deve-se mais a receios de penalização eleitoral se forem admitidas perdas diretas com empréstimos à Grécia”, diz Mark Cliffe. O “rescalonamento” da dívida é “menos embaraçoso, mas provavelmente só prolongará a agonia”.

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Continuará a caber ao BCE manter os juros baixos para estimular crescimento

“A responsabilidade de suportar o crescimento continuará a caber à política monetária” nos próximos tempos, diz o ING. Ou seja, ao Banco Central Europeu e a Mario Draghi. É por isso que “as taxas de juro vão continuar em níveis baixos [o que é negativo para a poupança] e o BCE terá de continuar a insistir no programa de estímulo monetário através da compra de dívida pública e privada, acredita o banco holandês, até porque este programa foi decisivo para conter os ânimos perante a crise na Grécia.

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Os jovens não terão as mesmas regalias que os atuais reformados

A Grécia é conhecida por ter um dos sistemas de pensões com regras mais generosas de toda a zona euro, algo que mudou pouco, em termos relativos, nos primeiros anos do programa da troika. “Os cortes drásticos na despesa pública, com as pensões particularmente visadas, estão a enviar uma mensagem ao resto da Europa”, diz o ING, fazendo antever que “os jovens terão futuros financeiros com muito menor segurança do que os seus pais”. Ainda para mais, as taxas de juro baixas que referimos no último “slide” não ajudam os jovens que estejam a conseguir poupar.

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O euro vai continuar a ser uma moeda fraca

Não só os juros continuarão baixos mas também a moeda única terá tendência para continuar a ver o seu valor deprimido pela política monetária na zona euro. Sobretudo numa altura em que, como nota o ING, já se fala em subida da taxa de juro nos EUA e no Reino Unido. O resultado será uma valorização das moedas destes países face ao euro, o que pode ajudar as exportadoras europeias no curto e médio prazo mas que é um travão à subida do nível de vida na região e ao crescimento dos lucros das empresas, porque muitas matérias-primas compram-se em dólares.

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Ainda assim, não é de menosprezar o impacto positivo para as exportações

As empresas europeias terão, contudo, um “ponto brilhante” nas exportações. “Os exportadores de bens e serviços transacionáveis na zona euro têm beneficiado da queda do euro, porque os seus preços tornam-se mais competitivos nos mercados mundiais”, diz o ING, o que poderá ser importante numa altura em que “os EUA e o Reino Unido estão numa expansão moderadamente impressionante”.

Matt Cardy

Já o resto do mundo terá de viver com procura mais fraca por parte da zona euro

“Ainda que a recente crise na Grécia possa vir a ser pouco mais do que um pequeno golpe na recuperação europeia, o crescimento europeu deve continuar a ser tudo menos fulgurante”, escreve o ING. Isso é algo que o resto do mundo (sobretudo a Ásia) terá de absorver, sobretudo porque os bens e serviços exportados pelo resto do mundo para a zona euro serão pagos por uma moeda mais desvalorizada, o euro.

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Uma boa ideia: acabar com as decisões importantes tomadas de madrugada

O ING conclui este elenco de “lições tiradas da crise grega” dizendo que é bom que todos estes problemas “sirvam de aviso para os responsáveis que insistem em tomar decisões cruciais após 16 horas consecutivas de negociações”. “Decisões estas que são, depois, anunciadas por responsáveis exaustos às 7 da manhã”, remata o banco holandês.

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