André Ventura coloca tópicos num marcador de lugar para não se esquecer de colar os “tachos” à família César e faz o mesmo com as “antiguidades” e o ataque ao voto útil. Acaba, no entanto, naquele comício por poupar Mariana Mortágua, a quem tinha planeado um ataque sobre a acumulação de funções de deputada e colunista na Global Media. Rui Rocha numera as páginas para nunca se perder e também coloca por tópicos prioridades da IL, como baixar os impostos, e frases que são apartes das intervenções. Mariana Mortágua inscreve à mão a referência ao slogan informal do Bloco (o que não motivou processo de Pedro Abrunhosa) que passa por exigir uma “vida boa” — lema que remete para uma música de Slow J (que até ao momento não exigiu direitos autorais aos bloquistas). Paulo Raimundo escreveu à mão a palavra ainda na frase que Abril está por cumprir. Inês Sousa Real não esquece os animais e chega a desenhar a cara de um gato, aparentemente o seu Mikas. Rui Tavares escreve as suas notas em cartões de estudo e não dispensa algumas das suas principais bandeiras.

Após pedir a todas as candidaturas que acompanha na estrada, o Observador conseguiu resgatar e analisar: as notas manuscritas do líder do Chega num comício em Évora; as folhas do discurso do líder da Iniciativa Liberal na Casa do Alentejo, também à mão (que contrasta com Cotrim Figueiredo, que escrevia a computador); o discurso da líder do BE, esse sim, escrito no computador, mas com várias anotações a caneta; também folhas do secretário-geral do PCP, em particular um discurso escrito, pelo coletivo, à máquina, e com pequenas anotações de circunstância; o caderno da líder do PAN, que tem uma gravura de Natália Correia na capa; e ainda os cartões que servem de guião ao líder do Livre.

Ventura. As notas telegráficas num marcador de lugar

É num marcador de mesa onde está escrito à mão o nome de André Ventura que o presidente do Chega tira as notas para o discurso do comício da noite, em Évora, o mais importante do dia. São seis pequenos tópicos, duas ou três palavras para cada um, e o suficiente para que cavalgue e dê gás aos temas-chave que tem escolhido para a campanha. Apesar de um número mínimo de tópicos, a verdade é que a intensidade do discurso contra PS e PSD até levou a que caíssem tópicos — não que não tivessem sido abordados no resto da campanha.

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André Ventura aproveitou um marcador de lugar para escrever os temas de que não se queria esquecer no discurso

1. PS/Antiguidades. Ou aquilo que André Ventura traduziu como “desfile de esqueletos” pelas campanhas do PS e da Aliança Democrática e tem servido para o Chega fazer a comparação entre o “passado” e o “futuro”, entre os partidos que trazem as “múmias” e o partido que tem “mais seguidores nas redes do que eles todos juntos”. Ventura fez questão de referir nomes como o de Cavaco Silva, que escreveu um artigo de opinião em que diz que voto no Chega ajudará o PS; de Paulo Portas, que esteve num comício da AD e se referiu ao “tal partido extremista”, mas em discursos anteriores tinha feito o mesmo com referências a Assunção Cristas e Durão Barroso e mais tarde viria a fazer críticas à presença de Rui Rio. Foi um dos ângulos da campanha: atacar PS e PSD pelas figuras do “passado” — e estava nas prioridades deste discurso — assim como o sublinhar constante de que PS e PSD são farinha do mesmo saco.

[Já saiu o segundo episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui]

2. PSD/Voto útil. Com o PSD a carregar no voto útil e com Luís Montenegro a tentar reconciliar-se com os eleitores do Chega, André Ventura viu-se obrigado a fazer algo para não perder esses eleitores — principalmente quando o líder do PSD continua a garantir que “não é não” e que não há espaço para o Chega num governo de direita. Ao longo da campanha, Ventura até deixou cair o tema de estar presente num Governo e preferiu focar-se na colagem entre PS e PSD, mas na reta final foi preciso ir mais longe. Através da “contaminação” e “intoxicação” de que diz que o Chega é alvo, distanciou-se das “elites” e de quem “enriqueceu” nos últimos anos com “tachos” para dizer que o partido que lidera e o seu “crescimento nasce da profunda insatisfação do estado a que o país chegou”. É exatamente isso que Ventura pretende: garantir que PS e PSD não resolveram os problemas do país e que o Chega é a única solução.

3. Corrupção/Carlos César. Uma das críticas do discurso de Ventura tinha um nome ainda antes de subir ao palco — Carlos César, que no dia antes tinha referido que votar no Chega era “perigoso”. André Ventura criticou Pedro Nuno Santos por manter Carlos César como presidente do PS — aproveitou o embalo para atirar uma farpa a Montenegro dizendo que também mantém Miguel Albuquerque como presidente da mesa do Congresso do PSD —, mas o objetivo era voltar a colar o PS aos “tachos”, com acusações de que César “deve ter a família toda na política”. E confirmou que era “mesmo perigoso” o Chega ganhar porque “os familiares [de Carlos César], um a um, vão perder os tachos que têm”. Ventura foi usando políticos como exemplos do que não quer para o país e foi aproveitando ainda mais os casos dos que entraram na campanha de dedo apontado ao partido que lidera. No fundo, independentemente do nome (e neste caso foi Carlos César), Ventura tem alvos bem definidos e usa-os a seu favor sempre que lhe oferecem a possibilidade.

4. Mortágua/SIC/Global Media. A anotação estava lá, mas ficou fora do discurso que acabou por ser uma grande mixórdia de ataques a PS e PSD e que, ao contrário de outros, nem sequer se focou num tema. Neste caso, tinha claramente apontado falar da SIC e Global Media para recordar o caso da coordenadora do Bloco de Esquerda relativamente ao incumprimento do regime de exclusividade no Parlamento por fazer comentário televisivo (e que não tinha a mesma leitura por escrever no Jornal de Notícias). Apesar de, por esquecimento ou opção, o líder do Chega não ter falado de Mariana Mortágua, já o tinha feito várias vezes antes, até com ofensas desde “mentirosa a burlona” e várias referências ao assunto da avó e do pai. “É a personificação, símbolo e expressão do que é a fraude e burla da extrema-esquerda em Portugal”, chegou a dizer, e, para Ventura, é alguém que sabe que agita os apoiantes que tem à frente, porque Mortágua é uma espécie de ódio de estimação do Chega.

5. Agricultura. O mesmo aconteceu no tema da agricultura. Estava apontado por Ventura no pequeno papel com notas, mas não houve uma única referência no discurso. O assunto em si não ficou fora dos discursos, Ventura disse durante a campanha que “Chega tem sido a voz do mundo rural no Parlamento”, mas com tanto assunto para André Ventura atirar ao PS e PSD, a agricultura passou para segundo plano.

Rui Rocha. As páginas numeradas e os tópicos para jovens

Rui Rocha tem falado quase sempre de improviso, sem apoio de papéis. Mas nos jantares-comício na Casa do Alentejo, em Lisboa, na terça-feira, e no BH Foz, no Porto, levou esta cábula de 4 páginas numeradas, manuscritas (e dobradas em 4) com o alinhamento de tópicos importantes, números para não perder o rigor, e frases que considera de maior efeito.

1 e 2. “Reconciliar o país com os jovens” tem sido uma das bandeiras da Iniciativa Liberal. Notou-se nas ações de rua onde foi recebido de forma mais calorosa, na Cidade Universitária, em Lisboa; e numa arruada noturna pelos bares de Braga, onde Rui Rocha é cabeça-de-lista e dizia aos jovens que o procuravam para tirar selfies: “É por vocês”. Notou-se em significativas intervenções do líder da IL, nos debates e agora na campanha nas declarações aos jornalistas. E teria de se notar nos principais discursos, claro. Seguem-se os números que ajudam a demonstrar esta prioridade, para não falhar no rigor: um terço dos jovens saíram do país; dos que ficaram, um quarto estão no desemprego; dos que estão a trabalhar, 75% ganham menos de mil euros líquidos.

3- O ataque ao PS por, segundo Rui Rocha, não ter candidato, nem obra nem programa, também está registado manualmente por tópicos, bem como as áreas de governação mais críticas: saúde, habitação, educação. No discurso na Casa do Alentejo, em Lisboa, recebeu nesta parte uma das maiores ovações dos simpatizantes dessa noite, com o ataque direto a Pedro Nuno Santos: “[O PS] não tem candidato porque Pedro Nuno Santos, da forma como saiu do governo, se fosse numa empresa, não voltaria a ter responsabilidades. Perdeu mesmo as responsabilidades no Governo. Como pode aspirar a ser primeiro-ministro de Portugal?”

4 — “Vamos ceder à pressão dos que querem mudar para manter o passado ou queremos mudar para abrir o futuro?”. Rui Rocha redigiu uma pergunta para rebater o apelo ao voto útil da AD. Foi uma das questões que marcou a última semana de campanha da IL, com Rui Rocha a usar os termos “pressão ilegítima”, “coação” e “chantagem” e a pôr em cima da mesa a questão da reforma eleitoral. Luís Montenegro respondeu-lhe, remetendo para uma revisão constitucional, e o líder dos liberais aproveitou para acusar o líder do PSD de querer adiar o problema e ficar refém do PS para uma maioria de dois terços em vez de avançar já para a criação de um círculo de compensação nacional, que poderia permitir aproveitar os 700 mil votos que não elegeram nenhum deputado, por serem em círculos com poucos representantes no Parlamento.

5– “As cadeiras à mesa vão ficar vazias.” A frase final também está alinhavada e é um regresso ao início, da reconciliação dos jovens: “As cadeiras à mesa de jantar vão ficar vazias. Eu sei o que os jovens querem: querem ficar”. Aqui Rui Rocha tentou levar o apelo para lá dos jovens, estendendo-o aos pais e avós dos jovens, mas também aos jovens pais, de crianças com 5 anos, por exemplo, deixando claro que as mudanças estruturais levam tempo e, se não querem ver os filhos a continuarem a partir daqui a duas décadas, terão de acautelar já que as mudanças com vista ao crescimento começam a ser implementadas.

Mortágua. Não esquecer a “vida boa”, em discursos escritos a computador e pouco alterados

Ao contrário de alguns dos seus adversários, a líder do Bloco de Esquerda escreve os discursos inteiros, passados a computador, porque gosta de ter essa segurança, e não fica satisfeita com tópicos ou notas gerais. Daí que os seus apontamentos também não sejam muitos: são notas de circunstância, para não se esquecer de falar dos candidatos pelo distrito em que está (neste caso, Aveiro, uma vez que falou num comício em Santa Maria da Feira) e alguns sublinhados, para reforçar as partes da mensagem que é mais importante vincar. Esta intervenção é sobre baixos salários e as propostas do Bloco para os subir; já as anotações da líder passam muito por reforçar mensagens positivas (como o seu lema sobre defender uma “vida boa”) e que tentem combater o voto útil, um dos principais inimigos do Bloco nestas eleições.

1. Agradecimentos, calor na sala e os novos deputados. Os primeiros apontamentos de Mariana Mortágua mostram que não se quer esquecer de alguns clássicos de campanha: se o discurso em si, que foi acabado poucos minutos antes de entrar nesta sala em Santa Maria da Feira, vai diretamente ao ponto e fala nos salários, Mortágua apontou à mão os nomes do artista responsável pelo momento musical do dia (Rui Oliveira) e dos candidatos a deputados a Aveiro, um daqueles distritos em que será muito importante para o Bloco voltar a eleger e fazer uma prova de vida fora dos maiores centros urbanos. Por isso, fala das “caras e vozes” que quer ver na AR, a fazer companhia ao magro grupo parlamentar do Bloco. Mortágua inclui aqui um cumprimento típico de campanha, falando do “calor”, sobretudo humano, que se sente na sala em contraste com o frio gélido que se sentia na rua nessa noite. É um clássico, mas cabe na mensagem do Bloco, que tenta contrariar as baixas sondagens assegurando que na rua a campanha “cresce” e que vai recebendo cada vez mais apoios – uma garantia que esta sala, bastante composta, ajudou Mortágua a defender. Na comitiva vai-se comentando que, apesar de os estudos de opinião não mostrarem grande diferença, na rua a líder parece bem recebida, tendo Catarina Martins comparado mesmo esta campanha com as de “2019 e 2015”, em que o Bloco elegeu 19 deputados. Há por isso quem defenda que o partido ainda vai “surpreender” no domingo, embora muito longe da expectativa desses anos de geringonça.

2. Compromissos e a campanha sobre a “vida”. O lema de Mortágua é, desde que assumiu a coordenação do Bloco em maio do ano passado, a defesa de uma “vida boa”, um conceito que vai definindo e apurando e que basicamente poderá resumir-se a uma vida sem apuros nem sobressaltos, com dinheiro para tudo o que é essencial e acesso a serviços públicos de qualidade. Quer assim falar para quem tem uma “vida sofrida”, os ressentidos que, como vem defendendo, sofreram com a falta de respostas da maioria absoluta do PS e que se vão desencantando com os políticos. A ideia de fazer uma “campanha sobre vida”, que aponte para o futuro e para as soluções – mesmo que o Bloco também passe muito tempo focado no passado e nos fantasmas da troika –, e que aponte também para “compromissos”, é anotada pela líder na beira da página: o Bloco anda há meses a assegurar que está pronto para negociar e que se tiver influência governativa fará o país andar para a “frente”, como veremos no próximo ponto.

3. Fugir para trás ou puxar para a frente. É nestes pontos, que Mortágua sublinhou insistentemente, que se centra o discurso do Bloco nesta reta final de campanha: é preciso lembrar os “retrocessos” que acusa a direita de querer impor ao país (um discurso idêntico ao que faz a restante esquerda, unida mais uma vez pelo cimento da direita e da aparição de Pedro Passos Coelho). A bloquista fez aqui questão de acrescentar, para não se esquecer, que quem quiser castigar a maioria absoluta com um voto na Aliança Democrática vai ter uma “vida pior” e castigar-se a si próprio, em mais um dos inúmeros momentos em que agita as recordações da troika. Mas o apelo ao voto nunca poderia acabar aqui: é preciso explicar porque é que este ponto não conduz a uma necessidade de votar PS. Por isso, o Bloco diz que uma influência sua na governação pode “puxar para a frente” o país. Neste discurso, chega mesmo a defender que o Bloco pode “determinar o programa do próximo Governo”, uma caracterização semelhante à que faz dos tempos da geringonça e de que o PS certamente discordará. A ideia é uma: o Bloco é “firme”, pode “impor” soluções ao PS, mas só se o voto da esquerda não se concentrar nos socialistas, como aconteceu em 2022.

4. De novo a vida boa, e o voto sem medo. A reta final deste discurso, já muito dominada pelo apelo ao voto, volta aos dois pontos essenciais anteriores: a tal defesa da “vida boa”, que para Mortágua resume o que o Bloco vem propor e ajuda a dar um tom positivo à sua narrativa, e o apelo direto a que cada um vote em quem “acredita”, “sem medo”. É mais um apelo ao eleitorado de esquerda que se terá arrependido de votar no PS, com medo das sondagens que em 2022 apontavam para um empate técnico com o PSD (e sempre com o espectro das alianças à direita com o Chega, que o PS agitou o tempo todo) a pairar no ar. Desta vez, Mortágua diz-se confiante em que as pessoas decidirão “por si” e votarão “com convicção”. No domingo se verá.

Raimundo. Os rabiscos acrescentados à última hora e o exemplo da pensionista em Santo Tirso

Apesar de nem sempre lhes dar uso, Paulo Raimundo leva todos os discursos escritos. Têm várias páginas e são ajustados aos problemas que leva a cada distrito. Mas são escritos e reescritos por cima, na véspera ou até horas antes de determinada ação, que podem ser jantares, almoços ou encontros com trabalhadores e pequenos empresários.

Nem sempre o que está escrito é o que acaba por sair a Paulo Raimundo. Trabalha com assessores e outros “camaradas” uma base comum, à qual depois dá os seus pequenos ajustes, risca, e escreve por cima. O discurso que foi partilhado com o Observador é um discurso que o secretário-geral do PCP levou para dois momentos da campanha no mesmo dia, 4 de março: uma ação à porta da antiga refinaria de Matosinhos e uma arruada no centro da cidade. Esses dois momentos acabaram por ser marcados por imprevistos: na refinaria um problema técnico obrigou os jornalistas a encher o suporte que iria servir para colocar o discurso com microfones e mais tarde na arruada, no mesmo dia, uma chuvada forte apressou o discurso ao secretário-geral. Ou seja, nesses dois momentos, o discurso escrito e rescrito por Paulo Raimundo, na verdade pouco lhe serviu.

1 –Mas também aqui Abril está (ainda) por cumprir“. Cumprir o que ficou por cumprir depois do 25 de abril é quase presença obrigatória na tal “base comum” dos discursos de Paulo Raimundo. Daí ter sublinhado e acrescentado “o ainda” a caneta preta. Da mesma forma que sublinha igualdade entre homens e mulheres. Com estes discursos, Raimundo insiste que a luta da CDU é contra todas as desigualdades salariais, entre trabalhadores e grandes grupos económicos, mas também entre homens e mulheres

2 –Santo Tirso“. O nome da cidade é acrescentado à mão no final do texto escrito a computador. Antes de chegar a Matosinhos, Paulo Raimundo tinha dedicado a manhã à defesa do Serviço Nacional de Saúde em Santo Tirso, para voltar a exigir a construção de um novo hospital público. Aí foi surpreendido por uma pensionista que desabafou não saber a posição do líder comunista sobre a “despenalização“, como insistiu a própria, das pensões dos reformados. A pensionista — que não partilhou o nome com os jornalistas – disse ainda a Raimundo que conseguia ver a verdade “não nas palavras, mas nos olhos” dos políticos. E aí, o secretário-geral do PCP pediu-lhe para que “lhe olhasse nos olhos” enquanto garantia que ia continuar a repetir que quer dar um aumento de 7,5% a “todos” os reformados. O episódio caricato passou a ser trazido por Raimundo — como um exemplo em praticamente todos os momentos da campanha que se seguira — de que “há sempre alguém por convencer” e para continuar a insistir nas mesmas bandeiras, mesmo quando refere: “Os jornalistas já não me podem ouvir”.

3 – “Salários, pensões, SNS, direitos. São os bullet points de um secretário-geral que já trouxe expressões em inglês ao seu discurso para se exprimir melhor. Desde fact checks ao know-how. Raimundo tem também bullet points, que reforça a importância dada pelo secretário-geral comunista numa campanha que sempre disse ser focada nos “problemas das pessoas” e nas soluções que a CDU quer implementar (quase evitando comentar tudo o resto, incluindo a polémica do dia).

4. “Viva!”. Nas últimas linhas da página 38, Paulo Raimundo acrescenta à mão razões para gritar “viva!”, razões como a JCP, a CDU e Abril. Imediatamente antes escreve que “não há ninguém que decida pelo povo”. São, novamente, chavões conhecidos ao Partido Comunista Português. Abril, numa referência à revolução dos cravos, que nunca falta aos discursos do secretário-geral, à CDU (a coligação do PCP com os “aliados de sempre”, o PEV) e à JCP, a Juventude Comunista Português. A referência aos parceiros do PCP na CDU é simbólica já que um dos objetivos do PCP é crescer é voltar a trazer os Verdes ao Parlamento. A JCP é utilizada como a prova de um partido que tem futuro, apesar de comemorar 103 anos de História.

5. “Condicionar e condicionar”. A seguir à lista de “vivas”, o secretário-geral do PCP acrescenta praticamente um parágrafo à mão. “Podem tentar, podem tentar (…) condicionar e condicionar (…) mas é como sempre o povo quem decida, quem luta, é o povo quem mais ordena”. A repetição de palavras é um dos recursos linguísticos utilizado por Paulo Raimundo nos discursos. Há vários alvos em comum em todos as intervenções de Raimundo, mas um deles tem sido as sondagens que “condicionam muito e acertam pouco”, como tem desabafado o líder comunista. Mas não são apenas as sondagens que Raimundo teme que possam condicionar o resultado eleitoral. Outra forma de condicionamento, tem repetido o secretário-geral, é a bipolarização do voto a 10 de março, entre PS e PSD (o que em 2022 custou metade dos assentos parlamentares ao PCP e deu maioria ao PS). A CDU, na voz de Raimundo e não só, tem sublinhado que é o único voto que cumpre três objetivos: condicionar o PS, combater a direita e encontrar soluções para os problemas do dia-a-dia.

PAN. O bloco de Natália e desenho do gato

As ideias chave para as intervenções de Inês Sousa Real durante a campanha estão anotadas num caderno ilustrado com uma figura de Natália Correia, poetisa, ativista pelos direitos das mulheres e deputada à Assembleia da República, nos últimos dois títulos, em semelhança à porta-voz do PAN.

Foram poucas as vezes que a cabeça de lista por Lisboa reuniu militantes em jeito de comício. Portanto, os discursos políticos tradicionais ficaram reservados para os últimos dois dias de campanha, no Porto e em Lisboa. Mas sempre que teve oportunidade, a porta-voz falou aos jornalistas e populares sobre as medidas que mantém elencadas nas suas anotações.

1. “Redução da carga fiscal/alívio financeiro”.  A frase foi repetida incessantemente durante a campanha eleitoral. “As pessoas não querem saber da esquerda e da direita”, garantiu a porta-voz do PAN, que propõe a “revisão de escalões do IRS” (por norma mais defendida pela esquerda e o PS), bem como a “redução do IRC” (por norma, mais defendida pela direita e o PDS). A valorização das empresas é um dos pontos-chave que Inês Sousa Real repetiu ao longo das últimas duas semanas e também aquele que a afasta mais da maioria de esquerda à qual parece estar mais próxima, afastando-se da direita composta pela Aliança Democrática do PSD, CDS e PPM, que defende as ideias “retrógradas” e “negacionistas” da crise climática às quais não se quer associar.

2 – “Habitação”. Logo no segundo dia de campanha, a porta-voz do PAN desceu a Faro, terra que lhe trouxe amarguras para lembrar a crise interna que ainda tem resquícios de contestação no partido. Três eleitos pelo partido desfiliaram-se na segunda semana, ao queixaram-se de não terem sido avisados dessa mesma visita. Foi lá que falou mais da habitação que os estudantes deslocados não encontram, já que muita dela fica reservada ao turismo intensivo. Sousa Real quer mais arrendamento acessível e garantir o direito a casa própria aos jovens. Nas notas que levou quando desceu a sul e que andam com ela desde aí, apontou também a medida de suspensão da penhora da morada de família, bem como o alargamento do Porta 65.

3 – “Transportes públicos gratuitos”. Um ponto nas notas de Inês Sousa Real é suficiente para destacar a importância que quer dar à necessidade de implementar a gratuitidade dos transportes públicos. Entre parênteses coloca o “passe único gratuito”, medida que partilha com o Livre, de um passe universal – para metro, autocarro, comboio e mobilidade suave – que servirá para todos. Alia a necessidade de proteção ambiental à melhoria das acessibilidades e defende o investimento na ferrovia em detrimento das viagens de avião. Em Beja, visitou o “aeroporto fantasma” e defendeu-o como solução complementar à solução alcançada para a região metropolitana de Lisboa.

4 – “Animais”. É o último ponto da síntese de apontamentos de Inês Sousa Real ao qual acrescenta uma pequena ilustração de um gato, sempre com o Mikas, o seu gato de estimação, em grande destaque. Assinala o “dia de luto pelo animal de companhia”, uma luta antiga do partido, que quer dignidade no luto de quem tem animais. As medidas seguintes dirigem-se ao bem estar animal que, como repetiu muitas vezes na campanha, se reflete no bem estar económico das famílias que escolhem ter animais. A porta-voz do PAN não se esquece da redução do IVA dos serviços veterinários e da alimentação animal e nem sequer da implementação de um 112 animal para situações de emergência e de necessidade de resgate animal.

Rui Tavares. Os cartões de estudo e um piscar de olho aos professores

A caligrafia é críptica e as notas tiveram de ser “traduzidas” pelo próprio ao Observador. Rui Tavares discursou esta quinta-feira no comício de encerramento da campanha eleitoral no Teatro Thalia e além de esta ter sido das poucas intervenções formais e em palco/púlpito que fez, normalmente não utiliza notas. Não deixa de ter alguns “cartões de estudo” que mantém próximo de si para avivar a memória nas poucas vezes em que tal é necessário.

1- “É possível dar capital financeiro e social a uma profissão rapidamente”. Rui Tavares quer responder à questão que o próprio coloca: “Como valorizar os Professores?”. Mostra que os professores são um dos seus eleitores-alvo. Quer torná-los numa prioridade e “remunerar bem”, mas quer exigir-lhes “responsabilidade e autonomia”. É com estes princípios como base que o Livre olha para o trabalho e para a necessidade de melhorar a produtividade em Portugal. Neste piscar de olho aos professores, o candidato faz questão de valorizar a profissão, ao defender que “os jovens têm de se sentir criativos e inovadores, até algo heroicos no melhor dos sentidos ao escolherem ir para professores”. Rui Tavares é historiador e professor, tentando que haja uma identificação de quem ensina com a sua figura.

2- “Prosperidade partilhada”; “Economia do conhecimento” –  O Livre quer um futuro “para todos” em que as oportunidades surgem, até para aqueles que nasceram em meios menos afortunados. E é às fortunas que quer ir buscar o montante, através de taxas, que serão depois atribuídos a todos os bebés à nascença. A medida gera controvérsia e muitas questões e talvez por isso tenha sido usada com moderação durante a campanha por Rui Tavares. Deixa a ideia de partilha social no ar, mas sem mencionar diretamente as heranças. A economia de conhecimento é uma das bandeiras de Rui Tavares gravada. O historiador visitou centros de conhecimento e desenvolvimento tecnológico por todo o país nas últimas duas semanas e pediu um “grande debate nacional” sobre a necessidade de aproveitar os recursos que advêm das altas taxas de qualificação portuguesas.

3 – A promoção da produtividade laboral é notada por Tavares como a chave da sustentabilidade profissional, área onde aponta testar a semana de quatro dias em 2025 e 2026 . “Pessoas que descansam mais, trabalham melhor e têm menos acidentes de trabalho” – é o slogan do partido que quer abrir horizontes a quem está preso por um doutoramento e precisa de um dia por semana para trabalhar na tese ou a quem quer desenvolver uma paixão antiga pela música ou pintura. Um mundo ideal que, segundo os militantes do Livre, está ao alcance de continuar a testar. Os próximos dois anos têm a composição ideal para começar – a recalendarização dos feriados pode ser suficiente para estar o teste ao nível nacional em Portugal, garante.

3 – “Criar apoios para alteração de processos produtivos”. A promoção da produtividade laboral é notada por Tavares como a chave da sustentabilidade profissional, área onde aponta testar a semana de quatro dias em 2025 e 2026 . “Pessoas que descansam mais, trabalham melhor e têm menos acidentes de trabalho” – é o slogan do partido que quer abrir horizontes a quem está preso por um doutoramento e precisa de um dia por semana para trabalhar na tese ou a quem quer desenvolver uma paixão antiga pela música ou pintura. Um mundo ideal que, segundo os militantes do Livre, está ao alcance de continuar a testar. Os próximos dois anos têm a composição ideal para começar – a recalendarização dos feriados pode ser suficiente para estar o teste ao nível nacional em Portugal, garante.

4- “Apoiar o microempreendedorismo”. Rui Tavares podia receber o cognome de “o moderado”, mas o Livre está longe de uma linha política ideológica que defenda a descida de impostos para todas as empresas. Mas quer pelo menos rever o “regime de fiscalidade” e tornar a “contabilidade mais leve” a quem tem a coragem de empreender um pequeno negócio. Os exemplos variaram nos diversos discursos de Rui Tavares, mas a ideia da produção em pequena escala e sustentável esteve sempre presente.