Enquanto as atenções estavam centradas na campanha eleitoral, nos gabinetes das autarquias as contratações não pararam. Nos 14 dias de período de campanha oficial, 43 presidentes de câmara decidiram fechar 38 ajustes diretos aos quais se juntam 21 consultas prévias que só foram publicadas já depois das eleições de 26 de setembro. Mais de dois milhões de euros distribuídos em contratos com prazos para execução que vão desde apenas um dia aos 546 dias. Entre os ajustes — que totalizam 2.190.364,32 euros — está a colocação de iluminação pública em poucos dias, intervenções em escolas e parques infantis ou iniciativas musicais bem próximas da data das eleições. Houve também quem pagasse por um festival de clarinete em época de campanha.

São vários os casos e distintos. A autarquia de Gouveia, liderada pelo social-democrata Luís Tadeu Marques, por exemplo, adjudicou à empresa SGAB – Sociedade de Granitos e Areias da Beira no dia 15 de setembro (segundo dia de campanha) uma empreitada de “beneficiação e conservação de vias e arruamentos” para várias freguesias: Aldeias, Gouveia, Nabais, Ribamondego e Rio Torto. Para realizar o trabalho a empresa dispõe de um prazo de execução de 120 dias, ou seja, no máximo sensivelmente a meio do mês e janeiro a tarefa deve estar completa. O autarca, entretanto reeleito, poderá começar o ano já com obra feita, num investimento de cerca de 150 mil euros garantido antes sequer do início do novo mandato.

Em Nelas, onde os socialistas acabaram por perder a câmara para uma coligação entre o PSD e o CDS, na última sexta-feira antes da ida às urnas foram adjudicados dois contratos para a requalificação das redes viárias do concelho com valores totais que superam os 266 mil euros. Em ambos os casos trata-se de consultas prévias realizadas pela autarquia e as empresas selecionadas têm 60 dias para completar as empreitadas. A empresa Matos & Pinto Construções ficou com a empreitada de “requalificação da rede viária do concelho” — que custou 132.757,76 euros — e a empresa Manuel Pereira da Cruz & Filhos com a “reparação/requalificação da rede viária florestal no concelho”, um ajuste direto que custou aos cofres da autarquia 133.799,78 euros.

Além destes dois contratos, José Borges da Silva fechou ainda um ajuste direto com a empresa Transjuiza de quase 26 mil euros para a “requalificação de passeios na rua Dr. Abílio Monteiro em Canas de Senhorim” no dia 17 de setembro com um prazo de execução também de 60 dias.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mais de 100 mil euros para obras em parques infantis e escolas em cinco autarquias

Entre os dias 20 e 24 de setembro as autarquias de Odivelas, Trofa, Rio Maior, Vila Nova de Famalicão e Alfândega da Fé fecharam seis ajustes diretos para requalificar parques infantis ou escolas nos respetivos municípios num total de mais de 102 mil euros.

Em Odivelas, a autarquia socialista fechou no dia 22 de setembro dois contratos — que só foram publicados no Portal BASE a 30 de setembro e a 4 de outubro — para reabilitar infraestruturas relacionadas com crianças e adolescentes. Investiu 39.798,19 euros na “requalificação do parque infantil do Bairro da Memória”, na sequência de uma consulta prévia, com um prazo de 30 dias. O mesmo prazo dado para “trabalhos diversos na Escola Secundária da Ramada” que custaram 17.068,30 euros.

Isto, claro, olhando apenas para os contratos que foram fechados durante a campanha eleitoral e publicados para escrutínio no portal já depois das eleições. Alargando a pesquisa ao mês de setembro, só esta autarquia da Área Metropolitana de Lisboa adjudicou mais de 860 mil euros em ajustes diretos para a reabilitação de estabelecimentos escolares ou parques infantis no concelho.

Voltando aos ajustes realizados durante a campanha, na Trofa a autarquia comprou um equipamento de ar condicionado para o Jardim Infantil Giesta por 2.950 euros e em Vila Nova de Famalicão o executivo comprou “equipamentos para parques infantis” por 7.445 euros um valor próximo do que a autarquia de Rio Maior decidiu investir em “equipamento para espaço de jogo e recreio” — 9.235 euros –, mas bem distante do que o autarca socialista Eduardo Tavares decidiu investir para a Escola Básica número 1 do concelho: 25.890 euros com um prazo máximo de 30 dias o que garante que os alunos poderão usufruir já no primeiro período letivo dos novos equipamentos.

O clássico dos períodos pré-eleitorais: arranjar estradas

Seria fácil adivinhar que uma grande fatia dos ajustes diretos fechados próximo de datas eleitorais se destinam precisamente às intervenções em ruas e espaços públicos. Mesmo deixando de fora os concursos públicos, onde os valores são sempre bastante mais elevados. Oito autarcas adjudicaram mais de 380 mil euros em empreitadas para melhorar a circulação rodoviária nos respetivos concelhos.

Em Cuba, o autarca da CDU adjudicou uma empreitada de mão de obra para “calcetamento de diversos troços de arruamentos” por cerca de 30 mil euros já a campanha eleitoral tinha começado, a 15 de setembro. Exatamente no mesmo dia, em Gouveia social-democrata Luís Tadeu Marques adjudicou, como já vimos, cerca de 150 mil euros para “beneficiação e conservação” de vias e arruamentos de várias aldeias.

Em Ílhavo e Odivelas as intervenções em quatro ruas específicas custaram mais de 80 mil euros aos executivos. Fernando Caçoilo (PSD) em Ílhavo investiu mais de 22 mil euros para pavimentar três ruas e Hugo Martins (PS) em Odivelas quase 58 mil euros para a rua da República e o Largo Vieira Caldas.

Já próximos da ida às urnas e no último dia útil da semana antes do escrutínio da população, os autarcas de Mira, Almeirim e Seixal fizeram mais três ajustes diretos para intervencionar as ruas das autarquias. Em Mira, o autarca fez um ajuste de 16 mil euros para a rua Marquês de Pombal, no Seixal a rua do Rouxinol receberá uma intervenção de mais de 9 mil euros e em Almeirim a área em redor da casa mortuária de Fazendas de Almeirim e do Centro Paroquial de Almeirim beneficiarão de um investimento de quase 70 mil euros.

Concertos em véspera de eleições, cinema ou teatro. Os ajustes na área da cultura

Além de obras nas estradas ou nas infraestruturas de ensino, parte dos ajustes realizados pelos autarcas durante a campanha eleitoral também se centrou na área da cultura. Com sete ajustes diretos feitos por seis autarquias, foram gastos cerca de 113 mil euros em temas tão distantes como uma sessão de cinema (em Vila do Conde) ou um festival internacional de clarinete, em Castelo Branco.

A autarquia de Castelo Branco fechou dois ajustes, um deles a 14 de setembro e o outro no dia 22. O concerto de Dino D’Santiago custou à autarquia 9.500 euros e aconteceu no dia 25 de setembro, a véspera das  eleições. Já o “1.º Festival Internacional de Clarinete” que custou aos cofres da autarquia 24.150 euros teve uma duração de três dias (entre 1 e 3 de outubro). Em ambos os casos as adjudicações foram feitas por ajuste direto e os contratos publicitados no Portal BASE a 1 de outubro.

Em Viseu, a “edição tipográfica da edição municipal ‘Rua Direita’” foi adjudicada a 23 de setembro, por 12.036 euros. Já no Porto, Rui Moreira fechou um ajuste de 19.500 euros para a “produção e realização de conteúdos temáticos” para a ARCA, uma rubrica da Rádio Estação do Museu da Cidade que foi lançada em fevereiro deste ano.

Na Figueira da Foz, a autarquia suportou os custos para o espetáculo “A Ratoeira” que esteve em cena a 17 e 18 de setembro no Centro de Artes e Espetáculos. Foram quase 13 mil euros pelas duas sessões que tiveram os bilhetes à venda por 15 euros cada. Mais a norte, em Vila do Conde — autarquia que os socialistas conquistaram nas eleições —, a “exibição de cinema com distribuição NOS” custou à autarquia 7.500 euros, foi adjudicada a 15 de setembro e tem um prazo de execução de 180 dias.

Intervenção na iluminação pública com investimento de 165 mil euros em duas semanas

A par das estradas, o investimento na iluminação pública também é um habitué em época eleitoral. Este ano, durante as duas semanas houve quatro autarquias a investir nesta área. No caso de Vila do Conde o objetivo foi mesmo ter resultados rápidos e o ajuste direto para o “fornecimento e instalação de colunas para iluminação pública” tinha como prazo de execução dois dias o que resultou na obra feita em véspera de ida às urnas, a 25 de setembro. Um investimento de 10.260 euros da autarca independente Elisa Ferraz que acabaria por perder as eleições para o socialista Vítor Costa.

Em Felgueiras a autarquia não mudou de mãos, mas antes de terminar o mandato Nuno Fonseca comprometeu a autarquia com um investimento de mais de 74 mil euros na iluminação pública da Rua D. Gomes Aciegas, junto à zona desportiva da cidade. Com um prazo de conclusão de 60 dias, o ajuste direto foi fechado a 17 de setembro com a empresa Lousamaia depois de uma consulta prévia a esta e outra empresa.

Já o socialista Hugo Martins em Odivelas dispensou a consulta prévia a várias empresas tendo adjudicado diretamente à “2320 – Iluminação” um contrato de 29.700 euros para a “iluminação exterior dos Paços do Concelho e iluminação decorativa do monumento ‘Cruzeiro’ em Odivelas”. A empresa, que tem vários contratos celebrados com autarquias por todo o país, tem 60 dias para executar o contrato.

Já na ilha do Pico, no concelho das Lajes do Pico, a autarquia deu à empresa Fertécnica 90 dias para completar a “empreitada de iluminação pública”, no âmbito da requalificação da Praça do Museu dos Baleeiros. Um ajuste direto assinado a 23 de setembro e que custou aos cofres do município quase 50 mil euros.

Foi também nos Açores, na ilha de São Miguel, que a presidente Cristina Calisto contratou através de ajuste direto a empresa Vigiluz para fornecer e instalar um sistema fotovoltaico precisamente no edifício dos Paços do Concelho. O ajuste foi feito a dois dias da ida às urnas e previa 15 dias para a execução do contrato. Uma vez que a socialista foi reeleita terá oportunidade de acompanhar a instalação do respetivo sistema na autarquia.