O BCE, que esta quinta-feira subiu as taxas de juro em meio ponto percentual, terá pelo menos mais dois aumentos na algibeira – o que significa que a taxa de juro dos depósitos (a referência neste momento) poderá atingir 3,25% ou mesmo 3,5%. Numa altura em que outros bancos centrais estão a tirar o pé do acelerador, incluindo a toda-poderosa Reserva Federal dos EUA, o BCE (que começou a subir os juros mais tarde do que os outros) sublinha que “ainda temos um caminho a percorrer” na luta contra a inflação. Christine Lagarde reconheceu que os aumentos rápidos da taxa de juro já estão a ter impactos negativos nas economias e na concessão de crédito – “mas era essa a ideia, em parte…”
Foi algo inédito. Depois de confirmar a subida das taxas de juro em 50 pontos-base esta quinta-feira, o Banco Central Europeu (BCE) decidiu pré-anunciar que tem “intenção” de voltar a aumentar as taxas – em mais outro tanto, 50 pontos – na próxima reunião em março. Não é comum o BCE quantificar, publicamente, uma (provável) decisão que só será tomada seis semanas depois – mas foi o que aconteceu. E Christine Lagarde, a presidente do banco central, deu a entender que “não será em março” que atingiremos o “pico” nas taxas de juro.
Essa perspetiva consolidou-se poucas horas após o final da conferência de imprensa de Christine Lagarde, quando as agências financeiras publicaram as habituais informações adicionais transmitidas por “fontes” do BCE, que ajudam a perceber o tom do debate no Conselho do BCE. E a mensagem dessas fontes é clara: “responsáveis do BCE preveem pelo menos mais dois aumentos dos juros” e “o aumento em maio poderá ser de 25 ou 50 pontos“.
Isso significa que, caso a inflação não abrande mais rapidamente nos próximos meses, o banco central poderá elevar os juros pelo menos até 3,5% no caso da taxa dos depósitos, que continua a ser a principal ferramenta do BCE, e até 4% na chamada “refi rate“, a taxa que os bancos pagam pelo financiamento obtido nas operações de cedência de liquidez do BCE.
São valores elevados – também esta quinta-feira o presidente do Santander Portugal, Pedro Castro e Almeida, garantiu que a subida dos juros até aqui não tem gerado um número grande de pedidos de renegociação (só “poucos milhares”) mas avisou que se as taxas continuarem a subir e se aproximarem dos 4% isso “fará uma diferença muito grande” e a situação das famílias portuguesas com crédito à habitação irá complicar-se muito mais.
Desde julho de 2022, quando o BCE fez a primeira subida das taxas de juro – que tirou a taxa (dos depósitos) de terreno negativo – já se acumulou um aumento de três pontos percentuais em apenas seis meses. É, de longe, o ciclo de subida dos juros mais brusco da história europeia mas ainda não igualou o aumento que houve nos EUA, que começaram mais cedo o aperto monetário.
A Fed funds rate da Reserva Federal norte-americana saiu do intervalo 0%-0,25% logo nos primeiros meses de 2022, subiu rapidamente ao longo do último ano e atingiu esta quarta-feira o nível de 4,5%-4,75%. Mesmo que não haja muitas mais subidas, como Jay Powell deu a entender, são quatro pontos e meio de aumento percentual do nível de juros, o que ajuda a perceber porque é que Christine Lagarde disse esta quinta-feira que o BCE “ainda tem um caminho a percorrer”. Até porque Lagarde deixou claro que não vê na zona euro o mesmo processo de “desinflação” que o presidente da Fed disse ver nos EUA.
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“Com a Fed a aumentar [apenas] 25 pontos-base e o BCE a subir os juros em 50 pontos, o diferencial de juros entre a zona euro e os EUA começou a reduzir-se. Mas este processo ainda tem um longo caminho para ser feito, na nossa opinião”, afirmam analistas do Berenberg Bank liderados pelo economista Holger Schmieding.
“Tendo começado a normalizar a política monetária mais tarde do que a Fed, o BCE vai fazer pelo menos mais 75 pontos-base de aumento dos juros nas duas próximas reuniões“, acrescenta o economista, numa análise que é coincidente com a informação transmitida pelas “fontes” do BCE que falaram depois de Christine Lagarde.
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A expectativa é que, mesmo que o BCE decida pausar a subida dos juros na primavera, não há grandes hipóteses de o BCE vir a baixar os juros ainda em 2023 – algo que é admitido por alguns analistas em relação à Fed dos EUA. “Ao contrário da Fed dos EUA, o BCE não vai ter razões sólidas para baixar os juros no futuro próximo”, diz Holger Schmieding.
“A estagnação económica no inverno provavelmente irá levar a uma retoma no final da primavera que, provavelmente, irá ganhar ímpeto durante o verão“, antecipa o economista do Berenberg.
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Também a presidente do BCE afastou o risco de recessão técnica que tinha sido admitido no final do ano passado. Lagarde referiu os dados do Eurostat que apontam para um aumento de 0,1% no PIB da zona euro no quarto trimestre, que superou as expectativas. Mas a francesa sublinha que, embora o dado “preliminar” pareça afastar o risco de uma recessão técnica, trata-se de um “abrandamento marcado“.
Ainda assim, Lagarde diz que “a economia teve um desempenho mais resiliente do que o previsto e deverá recuperar nos próximos trimestres“. Porém, é de antecipar algum aumento do desemprego nos próximos meses. “Os riscos para a economia tornaram-se mais equilibrados“, afirmou Lagarde, que anteriormente tinha considerado que os riscos eram predominantemente negativos.
Essa é uma retoma que, a confirmar-se, irá acontecer apesar de Christine Lagarde ter admitido que as subidas da taxa de juro que foram anunciadas nos últimos seis meses já estão a pressionar a concessão de crédito bancário na zona euro. Isso foi algo que ficou demonstrado nos últimos inquéritos feitos pelo BCE à banca comercial que opera nos vários países da união monetária.
“Tudo o que estamos a ver em termos de aumento dos juros [e impacto no crédito que os bancos estão a dar] é, na verdade, uma boa transmissão da nossa política monetária”, afirmou a presidente do BCE. “Neste momento, estamos a conseguir notar que a subida das taxas de juro está a transmitir-se à economia e parte da nossa intenção era essa, obviamente”, acrescentou Lagarde.
Já no comunicado oficial, emitido no final da reunião do Conselho do BCE, lia-se que “manter as taxas de juro em níveis restritivos vai, a seu tempo, reduzir a inflação através da compressão da procura e irá, também, prevenir o risco de haver uma deslocação persistente das expectativas de inflação”.
Para manter essas expectativas de inflação controladas, Christine Lagarde reforçou os alertas aos governos que não devem exagerar nos apoios públicos para responder ao impacto dessa mesma inflação. Aliás, a presidente do BCE deu um passo mais à frente e pediu, mesmo, aos governos que interrompam esses apoios públicos “de forma oportuna”, ou seja, sem demoras injustificadas.
“É importante que se comece a descontinuar os apoios públicos” para responder aos impactos da inflação, disse Lagarde, que voltou a pedir aos governos que esses apoios sejam “temporários, direcionados e feitos à medida” apenas dos mais vulneráveis.
BCE volta a subir juros. Lagarde não vê a mesma “desinflação” na zona euro que a Fed vê nos EUA