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Lei admite que a entidade patronal possa "opor-se à falta do seu colaborador", porém, em "caso de manifesto e grave prejuízo para a empresa, em função de circunstâncias excecionais e inopinadas, devidamente fundamentadas"
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Lei admite que a entidade patronal possa "opor-se à falta do seu colaborador", porém, em "caso de manifesto e grave prejuízo para a empresa, em função de circunstâncias excecionais e inopinadas, devidamente fundamentadas"

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

Lei admite que a entidade patronal possa "opor-se à falta do seu colaborador", porém, em "caso de manifesto e grave prejuízo para a empresa, em função de circunstâncias excecionais e inopinadas, devidamente fundamentadas"

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

Bombeiros voluntários. Quando a sirene toca, nem sempre as empresas os deixam ir

Há 18 mil bombeiros voluntários e para a maior parte a profissão principal é outra. Há quem recorra a férias ou banco de horas e quem já tenha sido obrigado a escolher entre o emprego e os bombeiros.

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Aquele sábado era de piquete como bombeiro voluntário, num quartel do distrito de Lisboa. Primeiro, foi mobilizado para combater as chamas num incêndio nos arredores da capital, mas ainda essa ocorrência não tinha terminado e a equipa estava a ser chamada para outro alerta que inspirava maior preocupação. Na altura, não fazia ideia da dimensão do que iria encontrar. “Fomos ativados sem saber”, conta. A 17 de junho de 2017,  a corporação de Luís (nome fictício), que pediu para não ser identificado por estar em contencioso com a empresa para a qual trabalhava na altura, foi das primeiras em Lisboa a ser destacada para Pedrógão Grande e a gravidade da situação acabaria por obrigá-lo a permanecer na região até à terça-feira seguinte.

Naquela vez, como noutras, Luís teve de faltar ao trabalho, ausências que foram justificadas com um documento passado pelo seu comando. Mas daquela vez, do outro lado, a reação já não foi positiva. “Entreguei a justificação ao meu chefe pelas faltas de segunda e terça-feira. Ele aceitou mas vi logo que não estava de bom grado”, revela.

Em julho do mesmo ano, voltou a ausentar-se do trabalho para dar apoio noutro incêndio de grandes dimensões fora do distrito de residência. Mas aí foi a gota de água. A empresa para a qual tinha trabalhado durante 20 anos, e cuja gestão tinha mudado um ano antes, acabaria a despedi-lo, alegando justa causa por faltas em excesso. O processo está agora em tribunal. “Sempre cumpri com as minhas responsabilidades”, garante o bombeiro voluntário, que não recebia da empresa o salário nos dias em que se ausentava. “As faltas dadas para os bombeiros eram sempre justificadas. Sem outros motivos, não faltava”, frisa.

Outros casos que chegaram ao Observador mostram como nem sempre as empresas estão abertas à ausência dos trabalhadores para o serviço de voluntariado nos bombeiros, mesmo quando são faltas programadas (para formação, por exemplo). “Já tive de alterar a minha disponibilidade várias vezes nos bombeiros para poder conjugar com os empregos que tive. Isto para conseguir trabalhar nalgum lado”, indica ao Observador outro bombeiro voluntário, de 31 anos, que também pediu para não ser identificado. Os piquetes noturnos que antes fazia durante a semana passou para os fins de semana, e sair durante o turno para uma ocorrência seria impensável. Mas mesmo assim os entraves mantiveram-se. No emprego anterior, a justificação que lhe deram para o despedir esteve, precisamente, ligada ao voluntariado. “Alegaram que a minha performance não era a esperada por causa dos bombeiros”, lamenta.

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Antes disso, numa loja do grande comércio, garantiram-lhe que não haveria problema conciliar o trabalho com a formação para os bombeiros voluntários, que na altura acontecia às sextas-feiras, das 21h00 às 23h00. Mas a promessa inicial rapidamente se desvaneceu: “Por volta da terceira vez que tive de sair mais cedo, o diretor do armazém pediu para falar comigo e indicou-me que ou escolhia continuar na empresa ou continuar nos bombeiros. Depois disso, entreguei a carta de demissão e vim-me embora”.

Desde então, tem estado de emprego em emprego, com chefias que não olham com bons olhos as ausências para se dedicar ao voluntariado. Em breve, vai começar num novo trabalho, numa empresa portuguesa de grandes dimensões que se mostrou aberta à atividade extra. Esse foi um requisito importante que colocou em cima da mesa logo no início do recrutamento. “Perguntei na entrevista se era um problema e disseram-me que não, desde que não afetasse o meu trabalho, que tínhamos um banco de horas precisamente para isso”. Para o voluntário, é esperar para ver se esse compromisso inicial desta vez se manterá.

Os pesos na balança dos voluntários (e das empresas)

O Observador recebeu relatos de vários outros bombeiros voluntários que não têm autorização das empresas para se ausentarem, desde um vigilante a trabalhadores fabris — impedidos para não “comprometerem” a atividade da indústria. Uma ex-trabalhadora de um lar que era bombeira voluntária contou que os patrões “nunca aceitaram esse facto”. Mesmo ao abrigo do dispositivo especial de combate a incêndios florestais — que garante bombeiros em prontidão para responder a incêndios florestais e que é reforçado na altura do verão — não era autorizada a sair.

Segundo dados da Proteção Civil enviados ao Observador, em Portugal continental há atualmente 17.665 bombeiros voluntários e 12.415 bombeiros profissionais (nos corpos de bombeiros detidos por associações humanitárias e por municípios). “Por norma”, os bombeiros voluntários exercem a atividade voluntária fora dos horários de trabalho — ou nos períodos de descanso ou de férias, resume António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, em declarações ao Observador, numa altura em que os incêndios estão de novo em assolar o país.

Quando a sirene toca a meio do turno (e não se trate de alertas especiais — como, por exemplo, o acionado nas cheias de Lisboa em dezembro de 2022 — ou do dispositivo especial de combate a incêndios rurais), lembra que é preciso olhar caso a caso. “Se numa cidade intermédia houver um descarrilamento, um acidente rodoviário ou um prédio a arder, até o próprio empregador é o primeiro a dizer para o bombeiro ir. Mas isto não pode ser lido como um automatismo. Imagine que tem um café ou uma lavandaria e os dois únicos empregados são bombeiros voluntários. Fecho o estabelecimento?”

Bombeiros durante um incêndio que deflagrou hoje em zona de mato por volta das 12:20, em Alcabideche, no concelho de Cascais, Lisboa, de acordo com a Proteção Civil, 21 de julho de 2024. Segundo a página da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), consultada às 17:08, 313 bombeiros, 91 veículos e nove meios aéreos combatiam o incêndio no local. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Segundo dados da Proteção Civil enviados ao Observador, em Portugal continental há atualmente 17.665 bombeiros voluntários e 12.415 bombeiros profissionais (nos corpos de bombeiros detidos por associa

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

João Jordão Marques, presidente da Associação Portuguesa dos Bombeiros Voluntários, diz que, quando é preciso acionar meios externos ao corpo de bombeiros que estão ao serviço e a sirene (ou o telemóvel) toca durante o horário laboral, “ainda existem algumas empresas que, pela sua sensibilidade social, vão deixando os trabalhadores comparecerem”. Mas “são cada vez menos”.

Os casos até aqui relatados neste artigo são os mais taxativos encontrados pelo Observador, mas há muitos outros de bombeiros voluntários que ou têm total permissão para acorrer a alguma eventualidade quando necessário, ou que o podem fazer com algumas condições: se o volume de trabalho o permitir, se tiverem quem os renda, se já tiverem cumprido determinadas tarefas.

É o caso de Pedro Lima, 31 anos, bombeiro voluntário há 13, em Valença, e administrativo numa empresa familiar que o obriga a reuniões frequentes no Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) ou com clientes estrangeiros (às quais não pode faltar dado que é o mais fluente entre os colegas). Já aconteceu o telefone tocar nessas ocasiões e Pedro não poder sair a correr. “É a situação que mais custa, não poder largar tudo e ir. Mas, ao ser voluntário, tenho de pôr todos os pesos na balança, os meus e os da empresa”, conta ao Observador.

O bombeiro voluntário — que começou a sê-lo por incentivo de um dos melhores amigos — reconhece que, por trabalhar numa empresa familiar (onde trabalham três voluntários), tem mais flexibilidade para ir quando chamado mas, na zona, diz que os empregadores tendem a ter a mesma sensibilidade. “Felizmente temos uma boa relação com as entidades patronais e muitos dos patrões aqui à volta entendem [as ausências], muitos também são bombeiros”, acrescenta.

Esta altura do ano é a “mais crítica” no seu quartel dada a “massa florestal considerável” na região. Mas, no resto do ano, embora os incêndios florestais acalmem, há toda uma panóplia de ocorrências a que responder. “Somos porta de entrada, temos a A3 que nos obriga muitas vezes a pedir reforços para situações de desencarceramento ou salvamento mais elaborado, que exige mais pessoal”, exemplifica.

No caso de Pedro Lima, os alertas com os pedidos de reforços chegam por duas vias: ou pelos “toques de sirene específicos” ou por SMS automáticas enviadas pelo centralista ao serviço. Já Marina Mateus, diretora financeira numa empresa em Loures, está num grupo de Whatsapp da corporação. “Temos sempre o piquete à primeira linha; quando são situações mais complexas, o grupo de alerta toca a pedir reforços de meios. Ninguém diz: ‘Marina, tens de vir para o quartel’. Há um reforço de meios e cada um faz a sua gestão”, explica.

A bombeira voluntária, que também cumpre escalas noturnas no Barreiro, conta que já aconteceu a ocorrência prolongar-se e ter de chegar mais tarde ao trabalho. Com mais ou menos horas de sono (ou mesmo nenhuma), nunca deixou de ir trabalhar para descansar de uma ocorrência. “Vim sempre trabalhar. Já aconteceu chegar mais tarde, ser rendida no teatro de operações pelo piquete do dia, já aconteceu chegar dos fogos de Tavira às 7 da manhã ao quartel, tomar banho e ir trabalhar às 9h00”, refere. Também já foi dispensada do trabalho para descansar, sem perda salarial.

“São relações que se constroem”, conclui. Marina também já rejeitou pedidos de reforço durante o horário de trabalho: é ela quem faz a gestão, que avalia se o volume de trabalho lhe permite ou não sair. “Já recusei ir, ou porque era o fecho do mês, ou porque tinha obrigações fiscais para entregar”, exemplifica. Também no seu caso, havendo na zona uma corporação com piquetes e bombeiros profissionais, se for chamada a meio do trabalho é porque se trata de situações muito mais complexas. Em média, estima que esses alertas aconteçam duas a três vezes por ano. “Mas quando vou, vou com a confiança de que posso ir. Acredito que em corporações com menos meios possa ser mais frequente”.

A forma como o trabalho voluntário é organizado dentro dos quartéis difere muito — consoante o quartel, se há mais ou menos bombeiros profissionais, mais ou menos voluntários, da disponibilidade de cada um, da necessidade do corpo de bombeiros, entre outros fatores. Além de que, segundo explica Pedro Lima, tem colegas que são assalariados e que são responsáveis por tarefas rotineiras que incluem o transporte de doentes. “A gestão do pessoal tem de saber conjugar tudo isto, porque continua a haver serviços marcados e obrigatórios que têm de ser feitos”, explica.

Além das ocorrências que podem surgir a meio do trabalho, os bombeiros voluntários cumprem piquetes em que estão disponíveis para qualquer eventualidade, repartidos com base numa escala de acordo com a disponibilidade de cada um. Para quem trabalha durante o dia, como para Pedro Lima e Marina Mateus, esses piquetes são cumpridos à noite.

No caso de Pedro — cujo corpo de bombeiros tem uma equipa de profissionais durante o dia e a noite (à noite os voluntários complementam o serviço) — a cada nove dias está de piquete noturno. São 12 horas pronto para qualquer eventualidade no quartel, que tem condições para que possa descansar nas noites calmas. Mesmo nas noites atarefadas, no dia seguinte, há que cumprir os horários no trabalho.

Bombeiros voluntários obrigados a 200 horas de serviço operacional por ano

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Os bombeiros voluntários têm de prestar, por ano, no mínimo, 200 horas de serviço operacional, das quais 160 horas têm de ser para socorro, piquete ou simulacro e 40 horas para instrução. Se não as cumprirem, são suspensos. Foi o que aconteceu a Pedro Lima, dos bombeiros de Valença, que teve um ano atípico, com mais trabalho no seu part time de DJ e com questões familiares pelo meio. Esteve suspenso durante três meses e esse período foi particularmente difícil de gerir. “Psicologicamente é um castigo, sabia que os meus colegas precisavam e não podia ir”.

Há situações em que as empresas não podem recusar

Ao Observador, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil explica que, à luz da lei, os bombeiros voluntários “podem faltar ao trabalho para o cumprimento de missões atribuídas aos corpos de bombeiros a que pertencem, inclusivamente para a frequência de ações de formação, sem que tal acarrete a perda de remuneração ou de outros direitos ou regalias, desde que o número de faltas não exceda, em média, três dias por mês“.

A lei prevê que a falta é “precedida de comunicação escrita e fundamentada do próprio, confirmada pelo comandante do corpo de bombeiros, podendo a comunicação ser feita verbalmente em caso de extrema urgência, caso em que é posteriormente confirmada por escrito pelo comandante, no prazo de três dias”. Mas o artigo 26.º (decreto-lei 241/2007) também admite que a entidade patronal possa “opor-se à falta do seu colaborador“, porém, em “caso de manifesto e grave prejuízo para a empresa, em função de circunstâncias excecionais e inopinadas, devidamente fundamentadas”.

Segundo a lei, a Proteção Civil “compensa” os bombeiros requisitados “dos salários e outras remunerações perdidos”. Ao Observador, a Proteção Civil indicou, porém, que, este ano ainda não recebeu “qualquer pedido de reposição de salários ou outros abonos perdidos”. Alguns bombeiros contaram ao Observador que as empresas não lhes descontam no salário os dias de ausência, pelo que não será necessário recorrer à Proteção Civil.

Para frequentar cursos de formação na Escola Nacional de Bombeiros, a mesma lei dá aos bombeiros o direito a faltar ao trabalho, sem perda de direitos, até ao máximo de 15 dias por ano, “sendo as respetivas entidades patronais compensadas dos salários pagos pelos dias de trabalho perdidos”. Alguns relatos que chegaram ao Observador dão, porém, conta de que há casos em que as empresas não facilitam a frequência das ações de formação e de bombeiros a pedirem férias para as poderem frequentar.

Há, depois, situações mais críticas de alerta. Nos períodos críticos de incêndios florestais, ou em caso de alerta especial, de nível vermelho, declarado pela Proteção Civil, é estabelecido um regime excecional de dispensa de “serviço público” dos funcionários públicos (incluindo autarquias) que sejam bombeiros voluntários “quando sejam chamados pelo respetivo corpo de bombeiros para combater um incêndio florestal”. Nestes casos, o comandante do corpo de bombeiros informa a chefia do trabalhador sobre o dia e a hora em que é chamado. Quando o voluntário é chamado em dias de férias, estas consideram-se interrompidas.

Ricardo Pires, enfermeiro no Hospital de Santa Maria, já teve de se ausentar ao abrigo do tal dispositivo de combate a incêndios rurais e o hospital não lhe pôde dizer que não. “Fiquei ausente 24 horas, o que teve impacto em mais do que um turno”, relata. Houve, porém, “flexibilidade” da parte das chefias para a reorganização dos turnos, tal como acontece quando alguém fica doente. “Se necessário, há colegas que colmatam esta participação com horas extraordinárias”, acrescenta. Também nas recentes cheias em Lisboa foi requisitado, mas conseguiu conciliar com os turnos no hospital — ajudava no trabalho operacional quando saía do hospital, mesmo que isso implicasse menos horas de descanso.

Segundo explicaram vários comandantes ao Observador, as escalas ao abrigo do dispositivo especial de combate a incêndios rurais são organizadas de acordo com a disponibilidade de cada um, havendo casos em que os bombeiros tiram férias para cumprir os dias de dispositivo, ou que os cumprem nas folgas. E de empresas que os dispensam sem perda salarial.

António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros, diz que há empresas que, no verão, por terem menos trabalho, dispensam os trabalhadores o mês inteiro para poderem estar com frequência no dispositivo especial de incêndios florestais, assegurando os salários. Mas são casos muito específicos. Para que sejam mais alargados, João Jordão Marques, da Associação dos Bombeiros Voluntários, defende incentivos para as empresas deixarem os trabalhadores sair quando necessário, como existem noutros países europeus.

O bombeiro voluntário Pedro Lima, da corporação de Valença, concorda. “Aqui ao lado, sei de um caso de um bombeiro voluntário de Lugo, na Galiza, que quando é chamado é compensado com determinado valor por hora e o patrão que os dispensa também tem um incentivo do Estado”.

Colegas a render, horas extra, férias ou bancos de horas

Miguel Migalha também tem de equilibrar as exigências do voluntariado com o trabalho na Galp da refinaria de Sines. Nesta altura do verão, está designado para o dispositivo especial de combate a incêndios rurais, o que significa que sete a oito dias por mês tem de estar 24 horas dedicado aos bombeiros, em prevenção. As regras atuais garantem-lhes um pagamento de 2,80 euros por hora ao abrigo do dispositivo — o que em turnos de 24 horas significa 67,30 euros (sobe para 78,30 euros no caso de comandantes, chefes ou quadros de comando), um valor que João Jordão, presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários considera “vergonhoso”. Tirando quando estão incluídos nos dispositivo especial, não há um pagamento associado para os bombeiros voluntários.

Incêndios: diretiva financeira tem este ano aumento de quase 5%

No caso de Miguel, os sete a oito dias em que participa no dispositivo especial dos incêndios rurais podem, portanto, facilmente calhar num dos turnos na refinaria. Mas da parte da empresa, garante que nunca foram levantados entraves. Todos os meses em que o dispositivo especial está ativado, Miguel envia para a chefia a escala definida pelo seu comando. “Eles automaticamente tratam da minha ausência”, conta. A estratégia passa geralmente por trocas de turnos ou escalar colegas que estariam de folga. Nesses casos, recebem horas extraordinárias. Já ele próprio, não tem qualquer perda salarial nem no subsídio de alimentação pelas horas que não cumpre, nem no prémio anual distribuído pelos trabalhadores. A empresa também o dispensa para fazer formação a que estão obrigados os bombeiros voluntários.

Até agora não aconteceu, mas Miguel tem a indicação superior de que se for chamado para alguma ocorrência durante o turno, dificilmente poderá sair. Na sua área dentro da empresa, o mínimo exigido é cinco trabalhadores. Sair poderia pôr em risco a segurança da unidade. Por isso, o comandante do seu corpo de bombeiros já sabe que, à partida, não poderá contar com ele quando o alerta calha durante o horário de trabalho. “Já se estiver numa ocorrência, num fogo por exemplo, vir que se está a aproximar a hora de entrada, ligo à chefia a informar que estou na ocorrência e que se calhar não vou conseguir entrar à meia-noite. Aí a chefia tenta que o colega do turno anterior compense a minha ausência, ou que o do turno seguinte entre mais cedo, garantindo-lhes as horas extraordinárias”, afirma.

Também em Sines, neste caso na PSA, operadora do terminal de contentores daquele porto, Cláudio Duarte, 45 anos, tem abertura para sair quando é chamado. Aliás, em fevereiro do ano passado, o bombeiro voluntário que também pertence a uma associação de busca e salvamento, esteve nove dias na Turquia através de uma ONG com a qual colabora para ajudar nas operações de resgate, com cães de busca e salvamento, após o sismo que matou quase 60 mil pessoas. A empresa continuou a pagar o salário nesses dias e também já lhe pagou viagens para o estrangeiro (no ano passado para o Kosovo) para que Cláudio fizesse formação.

Quando tem de se ausentar durante o turno, Cláudio diz que o processo é rápido: comunica à chefia e “na hora” permitem-lhe sair. No caso da Turquia, a ONG com a qual colabora foi mobilizada pelas Nações Unidas através de email. O operador portuário só teve de o reencaminhar para a chefia. As faltas ficaram justificadas e não houve perda de salário.

Há, portanto, realidades muito distintas na forma como as empresas lidam com as ausências dos funcionários. No caso do novo emprego de um dos bombeiros voluntários com que iniciámos o artigo, por se tratar de uma grande empresa, terá à sua disposição bancos de horas, uma figura prevista no Código do Trabalho que lhe permitirá acumular horas de trabalho para que sejam usadas, por exemplo, nos bombeiros voluntários. O voluntário conta ao Observador que na sua corporação (que pediu para não ser identificada) tem colegas de áreas como engenharia, produção ou design gráfico que para participarem no dispositivo especial de combate a incêndios têm de pôr dias de férias ou compensar as horas não trabalhadas mais tarde.

Bombeiros combatem um incêndio na zona de Galé de Cima no concelho de Aljezur, 9 de agosto de 2023. O incêndio rural que deflagrou no sábado em Odemira e entrou nos concelhos de Monchique e Aljezur (Faro) destruiu pelo menos duas casas e uma unidade de turismo rural, além de vários anexos.  MIGUEL A. LOPES/LUSA

A forma como o trabalho voluntário é organizado dentro dos quartéis difere muito — consoante o quartel, se há mais ou menos bombeiros profissionais, mais ou menos voluntários, da disponibilidade de ca

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Ao Observador chegaram outros casos de empresas que, não recusando as saídas dos seus profissionais, se adaptam às suas ausências. Como uma oficina que tem um plano definido quando é preciso render um trabalhador que é bombeiro voluntário. Já da parte das empresas em que Marina Mateus, diretora financeira em Loures, trabalhou nunca houve entraves a que respondesse a ocorrências, mesmo aquelas que podem ter obrigado a ficar mais de um dia fora. Mas nas entrevistas de emprego, não raras vezes foi questionada sobre como o voluntariado “condiciona” o trabalho no dia a dia. Numa das entrevistas, a questão foi abordada com negatividade pelo recrutador, o que contribuiu para que Marina não quisesse continuar naquele processo de recrutamento. “Eu digo-lhes que em 26 anos como bombeira voluntária nunca lesei empresa nenhuma em todas vezes que estive ausente”.

Até porque há o “reverso da medalha”: as competências de um bombeiro voluntário também podem ser uma mais-valia para as empresas. “Nos sítios por onde tenho passado, ou fiz parte de planos de emergência, ou havendo acidentes de trabalho sou chamada numa primeira intervenção ou, às vezes, a alguma ocorrência na própria empresa, até na articulação com os meios externos”, resume Marina, que só deixou de ser bombeira voluntária durante as duas gravidezes.

Neste momento, faltam-lhe dois cursos, em São João da Madeira e em Sintra, de uma semana, para conseguir chegar a chefe nos bombeiros. “Não sei se a minha empresa me vai dispensar uma semana para ter formação. Se calhar terei de trabalhar à noite para conseguir ir. Isto só funciona com uma grande organização e definir as prioridades quando tem de ser”.

 
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