A última palavra pertence a André Ventura, mas o Chega prepara-se para assistir a uma convenção que obriga a mudanças na direção por dois motivos: os estatutos originais (os únicos que valem) obrigam a uma equipa mais pequena; e, além disso, há saídas inevitáveis — em parte, porque os críticos e os que tiveram algum tipo de incompatibilidade com a liderança vão ser afastados.

Na hora de mexer novamente na equipa, o líder do Chega, sabe o Observador, não vai apostar em grandes novidades. A palavra de ordem é mesmo “estabilidade“. Aliás, depois de correr com os adversários internos, grande parte do Congresso será voltado para preparar o partido para o ciclo eleitoral que se aproxima — as eleições regionais da Madeira podem ser a oportunidade do Chega repetir a graça que fez nos Açores.

Mais a mais, os últimos meses foram intensos na vida interna do Chega. Depois de mais um chumbo dos estatutos por parte do Tribunal Constitucional, o partido marcou uma reunião magna para nova tentativa de repor a legalidade do partido. A fórmula encontrada foi simples: regressar aos estatutos iniciais, os únicos que estão averbados pelo Palácio Ratton, e seguir em frente.

A estratégia não convenceu todos, naturalmente. Muitos críticos internos, sabe o Observador, consideram que a reunião magna pode vir a ser impugnada por diversas razões. Desde logo, porque “os órgãos nacionais do partido não se demitiram” e também porque “as eleições dos delegados foi feita a nível distrital e não local como mandam os estatutos”. Seja como for, essas serão cenas de futuros capítulos. A Convenção está marcada, vai acontecer e, se não for impugnada, o partido ficará finalmente assente em estatutos averbados.

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Chega deixa cair eleições diretas e André Ventura aproveita convenção para mexer na direção

O fim da era de Nuno Afonso

André Ventura terá a última palavra sobre a direção, como sempre aconteceu na história do partido. Porém, há movimentações mais do que previsíveis. À cabeça, a resolução de um dos maiores problemas internos: a eliminação do rosto número um da oposição interna, Nuno Afonso, que, depois de afastado do Parlamento e depois de ter perdido a confiança política do partido, deixará também de fazer parte da direção do Chega nesta Convenção.

Mais do que isso, André Ventura seria sempre obrigado a mexer na direção tendo em conta que a atual equipa, com base nos estatutos entretanto chumbados, tinha cinco vice-presidentes e seis vogais. Havia ainda espaço para dois secretários-gerais e um adjunto. Agora, os lugares diminuem consideravelmente e há apenas lugar para três ‘vices’ e seis vogais. Tudo o resto desaparece.

Voltando a Nuno Afonso. Com esta saída, é o fim de uma história que começou na fundação do partido. De braço direito de André Ventura passou para inimigo número um da direção e para um dos maiores críticos internos do funcionamento do partido. É apenas o último capítulo de uma história de afastamento progressivo, depois de muitos anos em que André Ventura e Nuno Afonso foram unha com carne.

A vida política dos dois construiu-se, durante muitos anos, lado a lado. Amigo de André Ventura há mais de 20 anos e politicamente próximo do presidente do Chega desde os tempos da JSD e do PSD, Nuno Afonso é o militante número dois do partido e um dos pilares da fundação. A rutura pública começou na altura em que André Ventura optou por despromover Nuno Afonso de vice-presidente para vogal da direção. Na altura, em plena reunião magna, o número dois do Chega usou a palavra “apunhalado” para descrever o que tinha sentido.

Mas não se ficou por aí. Depois de todo o percurso no partido — que passou por ser vice-presidente, coordenador autárquico e chefe de gabinete de André Ventura quando este era deputado único —, o presidente do partido decidiu deixar Nuno Afonso fora das listas às eleições legislativas, em que o partido elegeu 12 deputados. O convite para se manter como chefe de gabinete voltou a surgir, Nuno Afonso aceitou, mas o clima de desconfiança que se sentia no Parlamento levou Ventura a tomar a decisão de exonerar o ex-braço direito poucos meses depois.

Sobrou o cargo de vereador do Chega em Sintra, que Nuno Afonso continuava a ocupar mesmo após o afastamento da Assembleia da República. Também não durou muito: André Ventura acabou por retirar a confiança política ao autarca alegando que este tinha desrespeitado as indicações políticas do Chega. De cargo em cargo, a despedida definitiva de Nuno Afonso da linha oficial do Chega está por dias e será carimbada com o adeus definitivo ao órgão mais importante do partido — pelo menos, enquanto André Ventura mandar no partido.

De rutura em rutura até ao golpe final. Como Ventura dispensou o antigo braço direito

Mithá Ribeiro, mais um caso (quase) arrumado

Mithá Ribeiro é o protagonista do primeiro caso problemático com que André Ventura teve de lidar na bancada parlamentar escolhida a dedo e que tem a lealdade como valor absoluto. Depois de ter sido afastado da coordenação do gabinete de estudos, o responsável pelo programa eleitoral do partido decidiu demitir-se de vice-presidente do Chega — e chegou a fazer acusações de falta de liberdade de expressão dentro do partido.

O caso tomou proporções que saíram do controlo do presidente do partido, ainda que se tenha apressado a dizer que mantinha a confiança política em Mithá Ribeiro. O deputado marcou uma conferência de imprensa para o distrito pelo qual foi eleito, Leiria, admitiu que o cenário de ficar como não-inscrito estava em cima da mesa, e André Ventura até avançou com uma moção de confiança no seguimento do caso.

No final, foi divulgado um vídeo com os dois (porque “uma imagem vale por mil palavras”) em que Mithá Ribeiro se refere a Ventura como um “grande líder” — uma prova de que as pazes tinham ficado feitas. Ainda que, aparentemente, tudo tenha ficado resolvido, a situação de Mithá Ribeiro no partido nunca voltou a ser a mesma e é um dos nomes que, após a demissão, ficará de fora dos núcleo duro de Ventura.

Mithá Ribeiro não afasta possibilidade de ficar como deputado não-inscrito e acusa Chega de falta de liberdade de expressão

O promovido que vai ter de sair e os cargos que desaparecem

José Pacheco é uma das figuras que, tendo em conta os estatutos originais do partido que agora voltam a ter valor, vai perder o lugar na direção. Esse documento deixa claro que “nenhum militante pode acumular mais do que um cargo, de nomeação ou eletivo, no partido”  — o deputado dos Açores foi também eleito presidente do Chega/Açores. Desta forma, André Ventura terá de deixar cair aquele que tinha sido a grande aposta do presidente do partido para a nova direção do Chega. Mas há outro problema para resolver: Pedro Pinto.

O líder da bancada parlamentar do Chega é um dos dois secretários-gerais escolhidos por André Ventura que não poderão manter o cargo no futuro uma vez que os estatutos não preveem a existência deste cargo. Ainda assim, deverá ser um problema resolvido com alguma facilidade, tendo em conta que, com as saídas certas, há pelo menos um lugar para Pedro Pinto.

O antigo militante do CDS foi-se tornando cada vez mais importante no núcleo duro de André Ventura e o presidente do partido não irá dispensá-lo da equipa da direção. A grande incógnita está no cargo que está reservado para Pedro Pinto, se a vice-presidência (que implicaria a descida ou saída de um ‘vice’), se um lugar de vogal.

Os ‘vices’ e a falta de mulheres

Com as saídas de José Pacheco e de Gabriel Mithá Ribeiro, André Ventura tem ainda três vice-presidentes — o número limite que os estatutos originais permitem. Mas há uma incógnita: Marta Trindade. O Observador sabe que a distrital de Setúbal tem pressionado para que a assessora do gabinete parlamentar seja afastada do cargo da direção, mas a decisão é de Ventura, que costuma resitir nem sempre lida bem com influências.

Marta Trindade foi escolhida para integrar a direção do partido no Congresso de Coimbra, em maio de 2021, e foi apanhada completamente desprevenida. Na altura, disse ao Observador que acreditava ter sido escolhida por ser “low profile”, estilo que tem mantido, sem qualquer destaque mediático nos últimos tempos.

Uma das equações de André Ventura será mesmo a dificuldade de substituir Marta Trindade por outra mulher na vice-presidência. Se a militante de Setúbal sair, o líder do Chega pode optar simplesmente por ocupar o terceiro lugar de ‘vices’ com Rui Paulo Sousa (o cargo que ocupa, o de secretário-geral, também desaparece) ou com Pedro Pinto.

No entanto, sabe o Observador, o mais provável é que, confirmando-se a saída de Marta Trindade, o cargo venha a ser ocupado por outra mulher — pelo menos, é essa a prioridade de André Ventura. Rita Matias ou Patrícia Carvalho, ambas vogais na direção, uma delas pode subir a vice-presidente do Chega, mas nada está fechado e Ventura pode perfeitamente optar por outra solução.

O dia seguinte e o futuro

Sem Nuno Afonso na direção e com a oposição afastada — muito graças à alteração dos critérios para eleição de delegados à Convenção (que deixou de ser através do método de Hondt para ser por maioria),  à suspensão e até expulsão de algumas das vozes críticas do partido, André Ventura prepara-se para encaminhar o partido para uma fase de estabilização que permita, sem grandes altercações, preparar o Chega para próximo ciclo eleitoral.

Nos últimos anos o Chega cresceu exponencialmente em termos eleitorais: André Ventura conseguiu quase 12% dos votos nas presidenciais, o partido conseguiu eleger centenas de autarcas por todo o país e nas últimas legislativas alcançou um grupo parlamentar com 12 deputados, o que permitiu chegar ao patamar de terceira maior força nacional.

Ainda assim, o Chega sempre viveu num clima de tensão onde a oposição interna ficou cada vez mais vocal e se foi queixando de falta de democracia interna. Se André Ventura conseguir que esta Convenção sirva para devolver a legalidade ao Chega, nomeadamente que o Tribunal Constitucional não coloque em causa os termos em que foi convocada e realizada, fica nas mãos com um partido onde tem menos poder estatutariamente, mas mais controlado e com uma oposição que perdeu a oportunidade de avançar.

Se assim for, André Ventura tem três anos pela frente para se focar mais nas propostas para o país do que nos problemas internos — mas continuará com o problema de estar à frente de um partido que cresceu e que está assente nos primeiros estatutos adaptados à dimensão inicial.

Oposição interna sem espaço para avançar. Só listas apoiadas por Ventura têm lugar na Convenção