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“Senhores e senhoras, deem as boas-vindas ao próximo Presidente dos Estados Unidos da América (EUA).” Na sua mansão em Mar-a-Lago, na Florida, após ter passado o dia em Nova Iorque, era desta forma que Donald Trump era apresentado perante uma multidão de apoiantes. Esta euforia parecia contrastar com o facto de, horas antes, o antigo chefe de Estado ter enfrentado a Justiça — a primeira vez que um ex-inquilino da Casa Branca foi criminalmente acusado.
Ao longo das últimas 24 horas, o discurso de Donald Trump e dos seus apoiantes não mudou uma vírgula, apesar de o procurador Alvin Bragg o ter acusado de 34 crimes. O magnata declarou-se inocente perante o público e o tribunal, atacou nas redes sociais os democratas e a “esquerda radical” por terem orquestrado este processo criminal e sublinhou que este caso tem como único propósito afastá-lo da corrida à Casa Branca.
O pagamento ao porteiro, à alegada amante e a Stormy Daniels: as acusações que Trump enfrenta
Após a saída do tribunal de Manhattan, onde esta terça-feira o magnata tirou impressões digitais, foi ouvido pelo juiz e ficou a saber as acusações do procurador Alvin Bragg, o advogado de Defesa do antigo chefe de Estado, Todd Blanche, ainda concedeu que o seu cliente tinha ficado “desapontado e triste”, prometendo que a “luta” jurídica ia continuar. No entanto, ao final do dia, numa conversa com os apoiantes, o estado de espírito mudou radicalmente — Donad Trump confessou, numa conversa com apoiantes a que a CNN internacional teve acesso, que “está a ganhar” e teve mesmo um “grande dia”.
A sensação que ficou patente ao longo desta terça-feira é que o o ex-Presidente acredita que este processo judicial pode traduzir-se num ganho eleitoral. Esperando capitalizar com o mediatismo, Donald Trump considera que isso o poderá ajudar a chegar novamente à Casa Branca. Embora tendo referido que todo o processo é “surreal”, no final do discurso em Mar-a-Lago, o candidato às primárias republicanas garantiu que “vai tornar a América grande outra vez”.
“Trump está a pensar como é que isto o pode ajudar”, referiu fonte próxima do antigo Presidente à CNN internacional. Ao mesmo canal de televisão, o porta-voz da campanha do antigo líder norte-americano, Steven Cheung, enfatizou que os resultados das sondagens mostram “que a perseguição do tribunal de Manhattan criou uma onda de apoio ao Presidente Trump”. “Mais de cinco milhões de dólares [cerca de 4,6 milhões de euros] em doações e mais de 16 mil voluntários desde o anúncio da caça às bruxas são indicadores de que os norte-americanos estão fartos e cansados da instrumentalização do sistema judicial contra o presidente Trump e os seus apoiantes”, disse.
Processo judicial fragilizado?
O procurador Alvin Bragg acusou Donald Trump de 34 crimes, todos relacionados com a falsificação de registos comerciais, mas que têm um alcance mais amplo, relacionado com as eleições de 2016. Segundo a acusação, o magnata terá realizado pagamentos para tentar encobrir três casos que poderiam pôr em causa a sua reputação — e que poderiam prejudicar a sua prestação eleitoral nas presidenciais.
Numa conferência de imprensa, o procurador explicou que a equipa legal do antigo Presidente terá realizado pagamentos para silenciar três pessoas. Um deles era um porteiro da Trump Tower que alegava ter conhecimento de um caso de paternidade extraconjugal de Donald Trump, tendo recebido 30 mil dólares (cerca de 27 mil euros) para não divulgar o caso à imprensa. Outra era uma mulher que terá sido amante do magnata e que recebeu 150 mil dólares (cerca de 137 mil euros) para não revelar nenhuma informação sobre o sucedido. Por fim, há ainda o caso da atriz pornográfica Stormy Daniels, a quem o ex-chefe de Estado pagou 130 mil dólares (cerca de 119 mil euros), para que não viessem a público os encontros sexuais entre os dois.
Tendo em consideração que os advogados de Trump agiram em 2015, um ano antes das eleições, este esquema é, à luz da lei eleitoral nova-iorquina, “ilegal”. “É um crime de conspiração para promover uma candidatura através de meios ilegais“, clarificou Alvin Bragg.
No entanto, aquilo que trouxe de volta à ribalta este caso foi o pagamento à atriz pornográfica e a maneira como o mesmo se processou. O procurador do tribunal de Manhattan indicou que foram descobertas mais provas sobre a ilicitude do sucedido, o que complicou a vida a Donald Trump.
Na base está o facto de, antes das eleições, o antigo advogado do magnata, Michael Cohen, ter pagado à estrela porno. Contudo, Donald Trump apenas concordou transferir a verba de 130 mil dólares para a conta do antigo representante legal em 2017, quando já estava na Casa Branca. Na altura, o magnata registou os pagamentos ao seu ex-advogado como “serviços legais”, algo que a acusação diz não corresponder à verdade e que, por conseguinte, constitui um crime de falsificação de documentos. “Donald Trump manteve os documentos que continham as declarações tributárias falsas e assinou pessoalmente os cheques para os pagamentos a Cohen”, frisou Alvin Bragg.
A nuance de o pagamento a Stormy Daniels ter ocorrido à margem da lei — e haver provas que sustentem — é o ponto mais forte da acusação, considera Rebecca Roiphe. Ao New York Times, a especialista em Direito da Universidade de Nova Iorque sublinha que isso evita “possíveis armadilhas” legais e comprova que Donald Trump cometeu um “crime fiscal estadual”.
Ainda assim, isto pode não ser o necessário para condenar Donald Trump. De acordo com Robert Kelner, advogado no escritório Covington & Burling, o extrato bancário de Michael Cohen pode não ser suficiente para comprovar que Donald Trump quis efetivamente alterar a perspetiva dos eleitores. “Há sérias dúvidas sobre a base da acusação no caso Cohen. [As contas] são um alicerce dúbio num caso contra um ex-Presidente. Os procuradores também aludiram vagamente aos ‘passos’ que foram tomados para violar as leis de impostos e explicam pouco o que significaram [para o caso]”, destacou ao New York Times.
É exatamente a ligação pouco explícita entre o pagamento à atriz pornográfica e a conta de Michael Cohen que a defesa de Donald Trump quer explorar. Todd Blanche vincou, após a saída do magnata da audiência, que a acusação não tem “detalhes” que o permitam condenar diretamente. Assim, defende o advogado, não há nada suficientemente sólido para ser considerado crime “a nível federal e estadual”.
Ao longo do dia, o antigo líder norte-americano também apontou várias vezes para o que caracteriza como uma “farsa” de acusação. “Todos os analistas legais dizem que não há caso. Ele [Alvin Bragg] sabia que não havia caso. Isto não é uma acusação. Eles nem sequer disseram do que estava a ser acusado”, ressaltou, lembrando também que não lhe foi aplicada qualquer medida de coação.
O timing dos próximos passos do processo
O tribunal de Manhattan marcou a próxima audiência judicial neste caso para 4 de dezembro. Será apenas nessa data que Donald Trump voltará a falar perante o tribunal. Durante oito meses, o antigo Presidente deverá continuar a transmitir a ideia de que o processo não passa de uma “farsa”, com o objetivo de o beneficiar nas próximas eleições.
Adicionalmente, o tribunal recusou o pedido da defesa para que Donald Trump não estivesse presente na próxima audiência. Isto significa que é quase certo que o ex-Presidente voltará a falar, ganhando outra oportunidade para conseguir atrair atenção mediática, desta feita numa data mais próxima do início das primárias republicanas, que definirão, dentro do partido, quem muito provavelmente enfrentará Joe Biden nas urnas em novembro de 2024.
Numa versão otimista, a defesa do magnata acredita que as acusações acabarão eventualmente por cair. Segundo a estimativa dos advogados de Donald Trump, o processo deverá ficar concluído na primavera do próximo ano, na reta final das primárias do Partido Republicano, que estarão concluídas em junho de 2024. Poderá ser, assim, mais um trunfo para o candidato, especialmente se acabar absolvido.
O alvo Alvin Bragg
Entre todos os responsáveis da Justiça norte-americana, o procurador de Manhattan, Alvin Bragg, que pertence ao Partido Democrata, tem sido aquele que mais tem sido criticado pelos apoiantes de Donald Trump e pelos republicanos em geral. Numa sondagem publicada esta segunda-feira pela CNN internacional, 38% dos inquiridos desaprovavam a forma como o procurador tem levado a cabo o processo judicial contra 35% que veem com bons olhos as ações de Bragg. 27% estão indecisos.
Cientes disso, a equipa de assessores de Donald Trump aumenta a pressão pública sob o procurador. No discurso de Mar-a-Lago, o antigo Presidente chegou a ridicularizar as ações de Alvin Bragg, dizendo que o seu grande objetivo passa simplesmente por o deter sem qualquer evidência jurídica. O magnata sugeriu mesmo que o responsável jurídico seja “responsabilizado”, ou que “resigne” ao cargo. “O que fez é ilegal.”
O líder republicano da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, também acusou Alvin Bragg de “interferir no processo democrático” ao “invocar a lei federal” e ao tentar “politizar” as acusações contra o Presidente Trump. “A instrumentalização da Justiça federal por parte de Bragg será responsabilizado pelo Congresso”, prometeu o republicano na sua conta pessoal do Twitter.
Alvin Bragg is attempting to interfere in our democratic process by invoking federal law to bring politicized charges against President Trump, admittedly using federal funds, while at the same time arguing that the peoples’ representatives in Congress lack jurisdiction to…
— Kevin McCarthy (@SpeakerMcCarthy) April 4, 2023
As críticas do Partido Republicano parecem não incomodar Alvin Bragg que, no final da audiência a Donald Trump, deu uma conferência de imprensa em que explicou detalhadamente o teor das acusações aos jornalistas presentes. E aproveitou para mandar vários recados ao Presidente norte-americano. “Não importa quem seja, não podemos e não vamos normalizar uma conduta criminal grave”, afirmou Alvin Bragg, sinalizando que “todos são iguais perante a lei, independemente do dinheiro e do poder”. “Ninguém vai corromper esse princípio inscrito na Constituição norte-americana.”
Os republicanos unidos, Trump como Mandela ou Jesus Cristo
O processo judicial de Donald Trump teve uma espécie de efeito aglutinador no Partido Republicano. Apesar das cisões existentes, praticamente todos os republicanos estão ao lado de Donald Trump e criticam o processo judicial, mesmo tendo divergências com o antigo Presidente.
Um desses exemplos é o senador e antigo candidato presidencial, Mitt Romney (que perdeu para Barack Obama em 2012). A rivalidade com Donald Trump é pública e, numa nota publicada esta terça-feira sobre o processo judicial, o político não o esconde. “Acredito que o carácter e a conduta do Presidente Trump o tornam inadequado para o cargo.”
Porém, apesar de o criticar, o senador acredita igualmente que a procuradoria trouxe estas acusações a público para “se adequar a uma agenda política”. “Ninguém está acima da lei, nem mesmo os ex-Presidentes, mas todos têm direito à igualdade de tratamento perante a lei. Os exageros do procurador estabelecem um precedente perigoso para criminalizar oponentes políticos e prejudicar a fé do público no sistema de Justiça“, atirou Mitt Romney.
Ron DeSantis, o maior rival nas primárias republicanas, também deixou críticas ao processo judicial. “A instrumentalização do sistema legal para avançar uma agenda política desvirtua o Estado de Direito. É anti-americano”, assinalou o governador da Flórida citado pelo Politico, falando num cenário em que o tribunal de Manhattan tenta ter Donald Trump como um alvo.
Entre os republicanos, as mensagens a favor de Donald Trump têm-se multiplicado, principalmente entre os seus apoiantes. Uma delas é a congressista Marjorie Taylor Greene que comparou, esta terça-feira, a acusação do ex-Presidente àquela que ocorreu com o líder sul-africano, Nelson Mandela, e com Jesus Cristo.
Numa entrevista à RSBN, Marjorie Taylor Greene disse que Trump estava a “juntar-se” a um lote de “pessoas incríveis na História” que foram presas. “Nelson Mandela foi preso, esteve alguns anos na prisão. Jesus também foi preso e assassinado pelos romanos.” “Muitas pessoas ao longo da História foram detidas e perseguidas por governos radicais e corruptos. E isso está acontecer hoje [na terça-feira] em Nova Iorque”, lamentou.
Rep. Marjorie Taylor Greene (R-GA): “Trump is joining some of the most incredible people in history being arrested today. Nelson Mandela was arrested, served time in prison. Jesus! Jesus was arrested and murdered.” pic.twitter.com/dSOeHvRnDE
— The Recount (@therecount) April 4, 2023
Esta onda de apoio tem impacto nas sondagens. A mais recente mostra que o processo judicial já está a gerar ganhos políticos para Donald Trump. Num estudo de opinião realizado pela Ipsos em conjunto com a Reuters — realizado depois de ser conhecida a acusação —, 48% dos republicanos querem que o magnata seja o candidato nas próximas presidenciais, uma subida de quatro pontos percentuais face a outra sondagem realizada entre 14 e 20 de março.
Em contrapartida, apenas 19% deseja que Ron DeSantis seja o próximo candidato do Partido Republicano, uma descida considerável, já que o governador da Florida reunia 30% das intenções de voto no mês passado.
Adicionalmente, embora a maioria dos republicanos (58%) acredite que Donald Trump pagou a Stormy Daniels para que esta mantivesse o silêncio, 80% dos membros do partido também são da opinião que o processo judicial teve motivações de índole política. O que acaba por beneficiar o magnata, embora esteja envolvido noutro escândalo.
Minucioso, justo e duro. Quem é Juan Merchan, o juiz que Trump acusa de ser seu “detrator”