Primeiro, uma pandemia. Agora, uma guerra na Europa, com consequências imprevisíveis. Nos últimos anos, as empresas portuguesas viram agravado um problema que já era estrutural no tecido empresarial português: a capitalização, ou a falta dela. Na apresentação da proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2022, o estreante ministro das Finanças, Fernando Medina, admitiu que esta é uma “preocupação profunda” do Governo, e que vai ser preciso “ir mais além” nos próximos anos.

“Este orçamento tem orientações e medidas dirigidas a áreas fundamentais de preocupação das empresas, a primeira das quais, com a qual me identifico muito, porque corresponde a uma necessidade muito real do nosso tecido económico, é a capitalização das empresas”, começou por destacar.

“Sobre um tecido produtivo que já tem deficiências nos capitais próprios, nestes anos de pandemia, várias empresas viram essa estrutura fragilizada”. Assim, na visão do ministro, “um dos pilares do trabalho que há a fazer nos próximos anos na área empresarial é o reforço da capitalização das nossas empresas, para que possam retomar níveis de capital adequados à sua atividade, funcionamento, investimento e perspetivas futuras. Este orçamento já tem medidas nesse sentido”.

E que medidas são essas? No capítulo dedicado ao “apoio à capitalização, investimento e inovação” das empresas, surgem sete medidas principais.

Fundo de Capitalização e Resiliência

Foi aprovado em Conselho de Ministros em julho do ano passado, ainda pela mão do anterior ministro da Economia, Pedro Siza Vieira. Com uma dotação de 1,3 mil milhões de euros, o fundo, gerido pelo Banco Português de Fomento (BPF) pretende contribuir para recapitalizar as empresas mais afetadas pela pandemia, e outras “que possam ter possibilidade de desenvolvimento, crescimento ou consolidação”, disse então o ministro, detalhando que a medida corresponde à concretização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

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De acordo com a proposta de OE para 2022, o fundo “visa aportar apoio público temporário para reforçar a solvência de sociedades comerciais que desenvolvam atividade em território nacional e que tenham sido afetadas pelo impacto da pandemia da doença Covid-19 e, ainda, apoiar o reforço de capital de sociedades comerciais em fase inicial de atividade ou em processo de crescimento e consolidação”.

O Fundo “pode investir através de instrumentos de capital e de quase-capital, instrumentos de dívida ou uma combinação destes instrumentos, podendo ainda prestar garantias em determinadas condições”. O investimento nas empresas poderá ser realizado diretamente ou através de fundos ou organismos de investimento coletivo.

O Fundo já começou a ser operacionalizado no início do ano. Em janeiro, foram lançados os dois primeiros programas associados ao Fundo: o programa Consolidar e o Programa de Recapitalização Estratégica. O primeiro tem uma dotação de 250 milhões de euros e destina-se a apoiar a subscrição de fundos de capital de risco para investimento em PME e Mid Caps, impactadas pela pandemia de Covid-19, mas economicamente viáveis e com potencial de recuperação. O impacto estimado na economia é de 350 milhões de euros.

O segundo tem uma dotação global de até 400 milhões e destina-se a financiar empresas nacionais estratégicas não financeiras que desenvolvam atividade em Portugal. Tem um impacto estimado de 500 milhões de euros.

Capitalização do Banco Português de Fomento

A proposta de Orçamento para 2022 prevê a capitalização do Banco Português de Fomento (BPF) em 250 milhões de euros durante este ano. Este reforço, que já estava previsto na proposta de outubro, surge no âmbito da parceria com o InvestEU, o programa da União Europeia criado para estimular o investimento nos estados-membros.

“Serão desenvolvidos os instrumentos necessários para apoiar a capitalização e reforçar a resiliência financeira das empresas, através do Banco Português de Fomento, SA, nomeadamente enquanto implementing partner do InvestEU. Através deste Fundo, serão mobilizados investimentos públicos e privados em apoio à recuperação económica, nomeadamente através da solvência das empresas”, lê-se no documento.

Incentivos e subsídios do PRR

Totalizam 900 milhões de euros os incentivos e subsídios às empresas inscritos no Orçamento para 2022 no âmbito do PRR. Para a Inovação, serão destinados 360 milhões de euros. A descarbonização da indústria terá 182 milhões de euros. Já à digitalização caberão 152 milhões de euros, enquanto as qualificações terão incentivos e subsídios no valor de 130 milhões.

Alívio fiscal para as empresas

São duas medidas mediáticas e aguardadas pelas empresas há meses. O Orçamento para 2022 confirma que vai ser criado o Incentivo Fiscal à Recuperação (IFR), que vai apoiar até 25% o investimento das empresas no segundo semestre de 2022. Está orçamentada em 150 milhões de euros. Ainda no capítulo do alívio fiscal, mantém-se a intenção de acabar com o Pagamento Especial por Conta (PEC) e o desagravamento das tributações autónomas de IRC. O impacto estimado é de 15 milhões de euros.

Mas como vai funcionar o IFR? O instrumento é, na prática, um substituto do Crédito Fiscal Extraordinário de Investimento II, que esteve em vigor entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2021. Este teve, segundo o relatório do OE, uma despesa fiscal apurada de 174 milhões de euros relativa ao segundo semestre de 2020. Este instrumento contribuiu, segundo o OE, para que em 2021 tenha sido atingido o valor de investimento mais elevado da última década, de acordo com o INE. O IFR surge nessa sequência, “dando expressão à retoma económica e ao fomento do investimento privado”.

O benefício fiscal corresponde a uma dedução à coleta de IRC das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, efetuadas entre 1 de julho e 31 de dezembro de 2022. As empresas que no segundo semestre igualem o valor médio investido nos últimos três anos poderão deduzir 10% desse valor na coleta de IRC nos próximos cinco anos. Quem ultrapassar essa barreira poderá deduzir 25%. O incentivo tem um teto máximo de cinco milhões de euros. As empresas que iniciaram atividade após 1 de janeiro de 2021 só podem aplicar uma dedução de 10%.

Para beneficiarem do incentivo, as empresas devem exercer a título principal “uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”. Devem ainda preencher, cumulativamente, uma série de condições. São elas: ter contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade; o seu lucro tributável não pode ser determinado por métodos indiretos; devem ter a situação tributária regularizada; não podem cessar contratos de trabalho durante três anos, contados do início do período de tributação em que se realizem as despesas de investimento elegíveis; por fim, não podem distribuir lucros durante três anos, contados do início do período de tributação em que se realizem as despesas de investimento elegíveis.

O benefício não pode ser acumulado com outros benefícios fiscais da mesma natureza, relativamente às mesmas despesas de investimento.

Incentivos fiscais ao investimento prorrogados

Não é uma medida nova, mas a prorrogação de um regime existente. No capítulo dos benefícios fiscais às empresas, o OE 2022 prevê uma revisão do Código Fiscal ao Investimento, no sentido de prorrogar até 2027 o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) e os incentivos fiscais de natureza contratual. Nesse sentido, “até 31 de dezembro de 2027 podem ser concedidos benefícios fiscais, em regime contratual, com um período de vigência até 10 anos a contar da conclusão do projeto de investimento, aos projetos de investimento” cujas aplicações relevantes sejam de montante igual ou superior a três milhões de euros.

Os limites máximos aplicáveis aos benefícios fiscais concedidos às empresas no âmbito do regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e do RFAI constam na seguinte tabela.

Limites aplicáveis aos benefícios fiscais concedidos às empresas no âmbito do regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e do RFAI.

Patent box “melhorado” para atrair tecnológicas

O Orçamento prevê a “melhoria do regime fiscal patent box, posicionando-o como um dos regimes mais favoráveis na União Europeia e servindo como um relevante instrumento fiscal na atração de investimento em tecnologia e inovação”. Trata-se de um regime fiscal aplicável às patentes, dirigido a empresas que acumulam receitas com a venda de propriedade intelectual, tais como as tecnológicas ou startups.

Na prática, será aumentado o limite de não tributação para rendimentos de propriedade industrial abrangidos pelo regime de Patent Box de 50% para 85%.

A medida surge no contexto da “importância que o investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D) pode assumir no crescimento económico de longo prazo”. Em 2020, refere o relatório, teve lugar “o maior investimento em I&D desde que há registo”. O regime patent box pretende “estimular a continuidade do crescimento do investimento em I&D, em 2022”.

Mil milhões para “Retomar”

Ainda na sequência da pandemia, os setores mais afetados poderão recorrer à linha de crédito Retomar, que tem uma dotação global de até mil milhões de euros de garantias públicas, “para incentivar a reestruturação e/ou o refinanciamento dos créditos em moratórias ou a concessão de liquidez adicional às empresas”.

A medida “visa endereçar a cessação da moratória pública bancária”, e “habilita a concessão de garantias públicas para apoiar as empresas economicamente viáveis que operam nos setores mais afetados pela pandemia de Covid-19, através do apoio às operações de reestruturação, refinanciamento ou concessão de liquidez adicional”. O Governo classifica-a como “uma medida inovadora, por incidir sobre crédito anteriormente concedido, que, não obstante a sua aplicação em 2021, terá impactos em 2022”.