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Da recusa a responder à oferta de alfaces. E se um dia o INE lhe bater à porta?

Quando o telefone ou a campainha tocam e é o INE é obrigado a responder, mas instituto só tem multado empresas. Como são decididos e feitos os inquéritos — e porque lhe ligam a si e não ao vizinho.

É uma situação recorrente, quase diária. Joana (nome fictício), que pediu anonimato, toca à porta, identifica-se como entrevistadora do INE e do outro lado a resposta é a resistência. “Era o que faltava… agora vou responder a isso para quê? O que é que eu ganho com isso? O Governo não faz nada”, costuma ouvir. Tenta dar a volta — “Mas olhe que isto é importante para o Governo saber. A senhora tem problemas, queixa-se, mas se ninguém souber não ganha nada”. Às vezes é bem sucedida, outras nem por isso. Em último recurso — e Joana admite que apesar dos pouco meses de experiência no papel de entrevistadora já teve de o fazer — avisa: se não responder está sujeito a multa. E embora seja assim no texto da lei, não prática, o INE não está a multar cidadãos.

Se o seu agregado for um dos selecionados nos inquéritos do INE, a lei obriga-o a responder, mas as multas para quem não o faz não têm sido aplicadas pelo instituto. Nos Censos de 2021, por exemplo, 5.171 alojamentos (0,1% do total) recusaram submeter os dados pedidos pelo INE, que não lhes aplicou qualquer multa. Para as empresas, o cenário tem sido outro. Em 2021, foram instaurados 313 processos, só que muitas empresas acabaram por regularizar a situação. Outras não e destes mais de 300 processos resultaram 21 coimas — que correspondem a cerca de 10.000 euros no total, diz ao Observador Almiro Moreira, diretor-adjunto do Departamento de Recolha e Gestão de Dados do instituto.

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Um valor “residual” para as contas do INE, que fechou o ano passado com um resultado líquido de 1,7 milhões de euros. Ainda assim, relativamente a anos anteriores, tem por cobrar 213 mil euros em coimas e contraordenações, de acordo com o relatório e contas de 2021, que não especifica a que se devem estas contraordenações — se apenas a falta de prestação de informação ou a outras situações.

A lei define cinco situações em que os cidadãos e as empresas podem ser alvo de contraordenações (e graves): a falta de resposta no prazo fixado pelo INE; a resposta que “reiteradamente seja inexata e insuficiente”; a recusa no envio de informação às autoridades estatísticas; se a resposta induzir em erro; e o “fornecimento de informação em moldes diversos dos que forem legal ou regulamentarmente definidos”. As coimas variam entre 250 euros e 25 mil euros nas pessoas singulares e entre 500 euros e 50 mil nas coletivas.

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“O INE tem por norma fazer uma sensibilização. O nosso intuito não é cobrar multas, ainda que legalmente o possamos fazer. Mas até agora tem sido sempre uma política de cooperação — quer do INE, quer de todos os institutos nacionais de estatística da UE”, refere Almiro Moreira. Mas pode o entrevistador ameaçar o entrevistado selecionado com multas?

Almiro Moreira não garante que isso nunca tenha acontecido, mas assegura que não é essa a indicação dada aos profissionais. “Normalmente não é essa a instrução que damos, o que tentamos sempre é sensibilizar as pessoas para a utilidade da informação estatística, dizemos que só com as respostas de todos é que se consegue ter informação estatística de qualidade e fiável, de todos os estratos sociais, todas as idades, localizações”, observa. “Não é comum persuadirmos os nossos respondentes dizendo que vamos aplicar coimas porque depois na realidade também não as aplicamos e isso seria contraproducente”.

Das obrigações europeias às propostas dos cidadãos: assim são escolhidos os inquéritos

A esmagadora maioria dos inquéritos feitos pelo INE (cerca de 99%, aponta Almiro Moreira) resulta de obrigações comunitárias e são transversais a todos os Estados-membros da UE (e, nalguns casos, da OCDE). Podem ser mensais, trimestrais ou anuais. São os países entre si que decidem e acordam os indicadores estatísticos que devem ser alvo de acompanhamento (e respetivas perguntas) que permitem comparações entre os países e ao longo dos anos. Mas, apesar disso, cada instituto nacional de estatística tem alguma autonomia para acrescentar perguntas que considere pertinentes: além das perguntas obrigatórias, iguais para todos, há “perguntas nacionais”.

Decidir que perguntas incluir é um processo cauteloso de forma a garantir que cada inquirido não tem de responder a demasiadas perguntas (o que pode pôr em causa o sucesso do questionário se desistirem antes do fim). “Um questionário demasiado extenso leva a que as pessoas se cansem no decorrer da resposta e não terminam. Há aqui sempre um trade-off de um custo benefício“, indica Almiro Moreira.

Instituto Nacional de Estatistica (INE) em Lisboa. 17 Julho 2009. MARIO CRUZ/LUSA

INE fechou o ano passado com um resultado líquido de 1,7 milhões de euros

Isso mesmo acontece no Inquérito ao Emprego, cujos dados sobre o mercado de trabalho são revelados trimestralmente. Há “perguntas setoriais que só interessam mais a Portugal”, nomeadamente aquelas que dizem respeito a disparidades regionais ou setoriais. Nos Censos, que se realiza de dez em dez anos, também: em 2021, o INE optou por fazer perguntas ligadas ao estado de saúde (se os inquiridos tinham dificuldade em andar, ouvir, em compreender determinadas frases, lembrar-se ou subir degraus) e da religião dos inquiridos, ainda que fossem opcionais. Porquê? Porque ao longo do processo de planeamento do inquérito houve sugestões para que isso acontecesse.

Em Portugal, é o Conselho Superior de Estatística que define o questionário final. Este Conselho é presidido pela ministra da tutela, Mariana Vieira da Silva, e tem o presidente do INE, Francisco Gonçalves de Lima, como vice-presidente. É ainda constituído por entidades sindicais, empresariais e outras: o Banco de Portugal, os serviços regionais de estatística das regiões autónomas, serviços públicos, outros ministérios, a Comissão Nacional de Proteção de Dados, a Associação Nacional de Municípios, confederações empresariais (CIP, CCP e CTP), centrais sindicais (CGTP e UGT), a Associação de Defesa do Consumidor (Deco), professores universitários de métodos estatísticos e econométricos e cinco “personalidades de reconhecido mérito científico e independência” (como a demógrafa Maria João Valente Rosa ou o politólogo Pedro Magalhães).

Estas entidades e personalidades podem propor perguntas novas, assim como, no caso dos Censos, todos os cidadãos ou associações da sociedade civil que não têm assento no Conselho. “Depois o Conselho Superior de Estatística decide, tendo em conta este rácio entre a carga estatística e o benefício dessa informação para a sociedade”, acrescenta. No último recenseamento, foram enviadas centenas de propostas de perguntas pela sociedade civil. Normalmente, partem de associações setoriais ou representativas de “minorias, sobre as quais é mais difícil obter informação estatística”. Nos Censos, pela sua complexidade e abrangência, é mesmo criada uma comissão de acompanhamento.

"Não é comum persuadirmos os nossos respondentes dizendo que vamos aplicar coimas porque depois na realidade também não as aplicamos e isso seria contraproducente."
Almiro Moreira, diretor-adjunto do Departamento de Recolha e Gestão de Dados do INE

Cerca de 1% dos inquéritos são pensados e organizados pelo INE, sem exigências europeias. Por exemplo, o instituto tem agora a decorrer um sobre a segurança em espaços públicos e privados, que resultou, precisamente, das propostas de um conjunto de entidades que gostariam de ter visto essas perguntas nos Censos. Só que “dada a sua extensão e complexidade não foi possível”. O inquérito agora aplicado inclui perguntas sobre agressões em espaços públicos e privados, bullying e assédio, e é até mais longo do que os Censos.

Para este ano, o INE planeia fazer desde os inquéritos habituais do emprego, desemprego, condições de vida, rendimentos ao tal inquérito sobre a segurança e violência. Há outro extraordinário: um inquérito piloto às “condições, origens e trajetórias da população residente”, que se foca na pertença e identificação étnico-cultural e na desigualdade e discriminação. A pergunta sobre a etnia foi inicialmente planeada para constar nos Censos, mas o INE acabou por desistir, para a autonomizar num inquérito.

Foi contactado pelo INE? Como o seu número chegou aos entrevistadores

Se já recebeu uma chamada do INE, talvez se tenha questionado como o instituto chegou ao seu número. Na verdade, foi você que o deu, quando preencheu os Censos e se identificou (no caso das empresas, a base de dados é feita a partir do Registo Nacional de Pessoa Coletiva). A amostra selecionada para cada inquérito, e a sua dimensão, depende sempre das caraterísticas que o INE queira medir. Essa amostra permite depois extrapolar para a população os resultados, com a respetiva margem de erro.

São amostras estratificadas (ou seja, divididas por estratos, grupos) em que há sempre uma separação por sexo para ter representatividade”, explica Almiro Moreira. A preocupação com a representatividade também pode passar por garantir que cada região ou grupo etário tem um determinado peso no estudo, por exemplo. Essa definição da amostra é feita pelo departamento de metodologia. No caso dos inquéritos às famílias, o INE tende a selecionar alojamentos e não indivíduos. Uma vez definidos o tamanho e as características da amostra, a escolha dos números para ligar ou das moradas a visitar é aleatória. Já dentro do alojamento, se ali morarem várias pessoas, é, em muitos casos, dependendo do inquérito, selecionada a próxima pessoa a fazer anos — “precisamente para ter aqui alguma aleatoriedade”.

Além dos números de telefone, os Censos também pedem a morada, um dado que acaba por ser útil aos entrevistadores quando os selecionados não respondem online (nos inquéritos em que esta opção está disponível, casos em que é enviada uma carta a solicitar o preenchimento do inquérito na internet) ou quando não atendem o telemóvel/telefone. Há outros inquéritos que são exclusivamente presenciais, como o Recenseamento Agrícola, onde o entrevistador se desloca diretamente à exploração agrícola. Nos inquéritos presenciais é sempre enviada uma carta ao selecionado a avisar da visita do entrevistador.

É nessas entrevistas que há algumas das histórias mais caricatas, até pela proximidade (em Portugal proliferam as explorações agrícolas pequenas, de autossuficiência). Almiro Moreira conta que já chegou a acontecer entrevistadores serem atacados por cães de vigia por terem entrado em propriedade privada de forma menos cautelosa. Também por haver uma maior proximidade entre o entrevistado e o entrevistador, há casos em que o primeiro convida o segundo a entrar em casa e almoçar. Ainda assim, são situações “em número reduzido”, aponta.

Mas cada vez mais o INE quer generalizar os inquéritos online, como acontece com os Censos, em que a chamada telefónica ou a entrevista presencial só é usada quando os cidadãos não submetem as respostas no tempo devido. “Temos de fazer uma cobertura de toda a população, não podemos deixar de fora quer aqueles que não disponibilizam o telefone, quer aqueles que não o tenham”, explica Almiro Moreira. No inquérito ao emprego, que é feito trimestralmente, e em que os selecionados ficam obrigados a responder por telefone ou presencialmente por seis trimestres consecutivos, o INE quer implementar a opção de resposta online em 2023.

Quando o selecionado rejeita responder

O INE trabalha com uma “carteira” de entrevistadores que colaboram recorrentemente, em prestação de serviços, com o instituto para fazerem inquéritos tanto presenciais como telefónicos. Todos passam por uma formação base de atendimento e conhecimento da infraestrutura tecnológica. Sempre que são alocados a determinado inquérito recebem formação específica desse projeto.

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Não há, segundo Joana, uma formação específica sobre como lidar com quem não queira responder. As indicações são gerais e a entrevistadora, que colabora com o INE há poucos meses, já adota “estratégias”: a simpatia ajuda, mas alertar para a importância dos inquéritos também.

“Tento convencê-los da importância dos inquéritos, que o Governo tem de tomar decisões e baseia-se muito nas estatísticas. Digo que nós governamos uma casa e estipulamos para onde vai o nosso ordenado, temos de saber quantas pessoas temos em casa, quais são as necessidades delas. Temos de fazer um orçamento. Um país, que é uma coisa muito mais complexa que uma família, tem que recorrer a estatísticas e informação para saber para onde é que vai o dinheiro”, frisa. O “último argumento”, assegura, é a ‘ameaça’ com as coimas.

Almiro Moreira diz que as desculpas mais usadas pelos selecionados que não querem responder prendem-se essencialmente com a falta de tempo (há inquéritos que demoram uma hora e nem toda a gente está disposta a despender esse tempo) ou relutância em revelar informação que muitas vezes tem um forte pendor pessoal e privado. “Algumas pessoas sentem que é uma intrusão à vida pessoal porque fazemos perguntas, dependendo dos questionários, por vezes delicadas”, nota.

Perguntas íntimas e o dever de sigilo

Nos últimos Censos, realizados em 2021, Almiro Moreira não tem registos de “situações menos desagradáveis”, também porque houve pouco contacto com a população devido à pandemia — “as pessoas estavam mais cautelosas”. Mas Joana conta que tem passado por situações “muito desagradáveis” — chegou a ser ameaçada quando, depois de tocar à campainha e sem obter resposta do outro lado (achava ela que devido ao volume da música dentro de casa), entrou por um portão numa propriedade.

"Tento convencê-los da importância dos inquéritos, que o Governo tem de tomar decisões e baseia-se muito nas estatísticas."
Joana (nome fictício), entrevistadora do INE

Ainda assim, as reações têm sido mais positivas do que inicialmente esperava: já recebeu flores e, de um casal de idosos, uma alface: “Também me queriam oferecer batatas. Eram pobres e até fiquei a sentir-me um bocado mal, mas eles queriam mesmo dar-me qualquer coisa no fim”, conta. Já lhe ofereceram cafés, mas não costuma aceitar. Como nem sempre aceita quando lhe convidam a entrar (há entrevistas muito longas “e as pessoas também se sentem mais à vontade dentro de casa para responder com mais privacidade”).

Criar essa proximidade é importante para os entrevistadores até para que os inquiridos se sintam à vontade para partilhar as respostas. Aliás, nos recenseamentos, o INE tenta selecionar entrevistadores locais, que conheçam melhor o terreno e as dinâmicas da terra. “É muito importante neste tipo de operação estatística conhecer bem a área territorial, as explorações agrícolas, conhecer os proprietários daquelas explorações agrícolas. Nos Censos contratámos 15.600 pessoas e tentamos que sejam locais. Havendo maior proximidade, mais facilmente os selecionados se sentem confortáveis a partilhar dados mais sensíveis”, refere Almiro Moreira.

Os entrevistadores são obrigados a sigilo, mesmo que, durante os inquéritos, tenham conhecimento de eventuais crimes. No inquérito sobre a violência que o INE tem a decorrer, e para o qual os entrevistadores tiveram formação com a colaboração da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), há perguntas particularmente sensíveis sobre abusos. “É o inquérito mais íntimo que fiz até agora e onde posso ter até conhecimento de crimes, mas estou obrigada ao silêncio. Se tiver conhecimento durante a entrevista de uma situação de violência não posso chegar à porta e fazer queixa à polícia. Não posso mesmo. Tenho o dever ético de não revelar informação, seja ela qual for”, diz Joana.

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