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Em sete meses, foram ouvidas mais de 100 testemunhas no âmbito do processo do caso EDP. Manuel Pinho, que está em prisão domiciliária há cerca de dois anos e meio, esteve presente na maioria das sessões, falou na primeira sessão e falou na última, que aconteceu esta quarta-feira e encerrou a fase de alegações finais. O Ministério Público quer uma pena de prisão “não inferior” a 9 anos para o antigo ministro da Economia, quer uma pena de prisão entre 6 e 7 anos para Ricardo Salgado e quer quatro anos de prisão para Alexandra Pinho, mulher de Manuel Pinho.
Em causa estão crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, mas nos últimos três dias, os três advogados dedicaram-se a desmontar a acusação e a justificar os pedidos de absolvição. Magalhães e Silva disse que a “acusação é uma gralha”, Proença de Carvalho considerou que é “absolutamente indefensável” e “machista” e Sá Fernandes comparou-a a uma “galinha moribunda”. Todos apontaram a falta de provas para sustentar os factos da acusação, mas ficarão a saber se as suas justificações tiveram efeito no coletivo de juízes a 6 de junho, dia em que será lido acórdão.
O primeiro dia de alegações finais, esta segunda-feira, foi ocupado com as declarações do procurador Rui Batista, que não afastou nenhum dos crimes que constam na acusação e pediu penas de prisão para os três arguidos. O Ministério Público garantiu, aliás, ter ficado provado durante os últimos meses de julgamento que “foi Ricardo Salgado quem decidiu este pagamento [avença mensal de cerca de 15 mil euros paga a Manuel Pinho]”. “Não dizemos isto por Ricardo Salgado ser dono do BES. Ele era o DDT — dono disto tudo. Mas para o Ministério Público não é relevante se ele era o DDT. O que interessa é que ele foi dono da relação com Manuel Pinho“.
“O mais grave do ponto de vista criminal é que, durante o período em que exerce funções públicas, [Manuel Pinho] está a receber estes valores de uma entidade privada. Lesa imediatamente o bem jurídico dos crimes relacionados com estatutos públicos. A gravidade é esta: alguém que exerce funções públicas, recebe dinheiro de entidades privadas”, disse o procurador.
Os pagamentos feitos a Manuel Pinho “são provas evidentes de um acordo corruptivo”, considerando que se mantêm os crimes de corrupção de que Manuel Pinho e Ricardo Salgado vêm acusados. E também os crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal imputados a Manuel Pinho e Ricardo Salgado ficaram provados, considerou o MP: “Existe uma estrutura de ocultação de rendimentos que começa em 2005, ano em que há um acréscimo de património”.
Defesa de Salgado: “Este julgamento para mim foi um passeio no parque”
Numa sala diferente daquela onde aconteceram as sessões anteriores, Francisco Proença de Carvalho ocupou a tarde da última sessão a criticar a acusação do Ministério Público, que considerou ser “absolutamente indefensável”. “O sr. procurador teve de tentar compor esta acusação que tinha, no fundo, erros. Seria difícil o Ministério Público dizer que agora não há corrupção”, acrescentou. “Não há um facto, nem uma prova que permita sustentar a acusação contra Ricardo Salgado. Este julgamento para mim foi um passeio no parque.”
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Para o Ministério Público, é claro que existiu um “pacto corruptivo” entre Ricardo Salgado e Manuel Pinho, para que Pinho, durante o tempo em que esteve no governo de José Sócrates, pudesse beneficiar o Banco Espírito Santo, nomeadamente as empresas que estavam associadas. Pinho terá recebido uma avença mensal de 14.963,94 euros através da sociedade offshore Espírito Santo Enterprises — o conhecido saco azul do Grupo Espírito Santo (GES). E é aqui que entra o crime de corrupção, que Proença de Carvalho voltou a dizer que não existem provas.
“Como é que se diz que a pensão é um suborno? A corrupção é uma coisa que não se faz assim às claras. Nunca tinha visto uma corrupção escrita“, disse a defesa de Salgado, fazendo referência ao acordo feito entre o BES e Manuel Pinho, que lhe garantiu o pagamento de 500 mil euros e o pagamento de uma pensão de cerca de 15 mil euros por mês. E fazendo referência às dezenas de testemunhas que passaram neste julgamento — incluindo antigos quadros do BES e do GES e ex-membros do governo –, a defesa de Ricardo Salgado quis lembrar o testemunho de José Maria Ricciardi, ex-administrador do BES.
“Nem o dr. Ricciardi, a espumar ódio do dr. Ricardo Salgado, conseguiu dizer que o dr. Manuel Pinho alguma vez trouxe benefícios ao Grupo Espírito Santo”, disse. Ricciardi testemunhou em logo em outubro do ano passado, no primeiro mês de julgamento, e explicou que Salgado falou com Sócrates para Pinho ir para o governo. “Tenho a certeza que havia uma relação de intimidade” entre Salgado e Sócrates, acrescentou.
E nem Manuel Pinho escapou às críticas, com o objetivo de as levar a favorecer o seu cliente Ricardo Salgado. “Acho inaceitável que tenha recebido quantias do BES enquanto era ministro. Objetivamente, isso é de uma insensatez, de uma censura política. E, se ele soubesse — não sei se ele sabia –, de uma censura ética tremenda. É de uma irresponsabilidade inaceitável”. “Mas não confundo uma censura moral com uma censura penal. O dr. Manuel Pinho jamais beneficiou o GES“, acrescentou, referindo ainda que “nunca Ricardo Salgado pediu um favor a Manuel Pinho”. “Posso censurar o dr. Manuel Pinho de todas as formas e feitios, mas não posso censurar o meu cliente.” A única crítica a favor dos arguidos foi sobre Alexandra Pinho, considerando que a acusação do MP é “machista”, por defender que Alexandra Pinho só conseguiu o lugar de curadora da coleção BES Art Photo por ser mulher de Pinho.
A defesa de Ricardo Salgado não esqueceu, obviamente, a questão da doença de Alzheimer do antigo presidente do BES e das perícias recusadas por este tribunal. A última perícia pedida tinha como objetivo provar que Ricardo Salgado não tem condições para cumprir uma pena de prisão, impedindo assim que fosse condenado, mas o coletivo de juízes atirou essa decisão para uma fase posterior, quando e se existir condenação. E foi pelas recusas em pedir perícias médicas que, explicou Proença de Carvalho, este advogado decidiu garantir a presença de Ricardo Salgado em tribunal, em janeiro deste ano.
“Para que os portugueses percebessem que basta ver a forma de caminhar, olhar vazio, basta ver a pessoa que era e já não é. Eu estava hesitante, porque queria preservar uma imagem, mas acho que foi importante para a nossa paz social”, disse Proença de Carvalho. E acrescentou: “Tive muita honra de o acompanhar naquela caminhada para este julgamento. Para que, pelo menos, as pessoas vejam que é humano, que tem fragilidades. O Ricardo Salgado que esteve na prática dos factos já não existe. Não é o dr. Ricardo Salgado que trouxe aqui aqueles dez minutos. Existe outra pessoa diferente“.
“Acusação é uma galinha moribunda”, diz defesa de Pinho
De acordo com o Ministério Público, Manuel Pinho terá atuado em detrimento do interesse público para beneficiar Ricardo Salgado em projetos do BES e do GES, ou financiados por estes, como é o caso dos projetos PIN – Potencial Interesse Nacional das herdades da Comporta e do Pinheirinho. Estes projetos foram classificados como pré-PIN, mas Sá Fernandes, advogado de Pinho, questiona a teoria do MP, alertando, mais uma vez, para a falta de provas. “Vamos fazer uma reflexão: fazia sentido que a herdade da comporta não estivesse nos pré-PIN? A não ser que o dr. Manuel Pinho quisesse estar já a fazer maldades ao BES. Seria só para hostilizar o BES.”
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Já em relação ao alegado “pacto corruptivo” — que configura o crime de corrupção –, Sá Fernandes voltou a falar da assinatura de um contrato, em 2004, entre Pinho e o BES, que já estabelecia o pagamento da pensão de 15 mil euros e de um prémio de 500 mil euros. E defendeu, outra vez, que isso aconteceu um ano antes de Manuel Pinho ter assumido a pasta da Economia e que, por isso, não sabia que ia ter um cargo político quando celebrou o acordo. “Aquele pagamento mensal de 15 mil euros não é como devia ter acontecido. Não fazia sentido. Por que razão se manteve? Não tenho explicação para isso, tenho explicação para a razão do recebimento, que é o resultado de uma obrigação contratual que foi assumida. Os recebimentos eram devidos e tinham explicação, apesar da dificuldade de compreensão na manutenção daqueles pagamentos”, esclarecendo a questão dos pagamentos através de offshores.
Numa exposição que durou todo o dia desta terça-feira e parte da manhã desta quarta-feira, a defesa de Pinho quis também falar sobre o crime de fraude fiscal, relacionado com a ocultação de rendimentos em 2011 e em 2012. Para o Ministério Público, o antigo ministro não declarou os rendimentos pagos pelo Grupo Espírito Santo (GES) para que os mesmos fossem ocultados, mas a defesa Sá Fernandes teve, no entanto, uma explicação, apesar de admitir que foi praticado o crime de fraude fiscal — o único crime que, aliás, reconhece. “[Manuel Pinho] fez as declarações de substituição a 30 de maio [de 2013] e pagou os impostos respetivos em relação a 2011 e a 2012. Sobre os crimes de 2012, ele regularizou a situação dentro do prazo. Em relação a 2011, existe crime. Mas deve ser punido? Se ele regularizou isto sem haver nenhum processo, a nossa resposta é não, não deve ser punido“, explicou.
Já sobre o crime de branqueamento, rejeitado por completo pela defesa de Pinho, Sá Fernandes explicou, como já tinha feito anteriormente, que este crime só pode existir se for praticado o crime de corrupção. Não existindo, nas palavras de Manuel Pinho, o crime de corrupção, então a defesa entende que não deve ser considerado o crime de branqueamento de capitais.
Defesa de Alexandra Pinho: “Esta acusação é uma gralha. É um texto de mau gosto, é uma coisa feia”
O último dia de julgamento ficou marcado por declarações de todos os advogados. Depois de Sá Fernandes ter terminado as suas alegações, foi a vez de Manuel Magalhães e Silva, advogado de Alexandra Pinho, que acabou por, ainda durante a manhã, seguir exatamente a mesma linha: não há provas. No caso de Alexandra Pinho — que está acusada de um crime de branqueamento de capitais e outro de fraude fiscal, em co-autoria com o marido –, o Ministério Público acredita que terá ajudado Manuel Pinho a ocultar os pagamentos feitos por Ricardo Salgado com recurso a offshores.
“Esta acusação é uma gralha”, começou por dizer, dirigindo-se ao procurador Rui Batista. “Para já, é um texto de mau gosto, é uma coisa feia. Criar uma situação em que se pretende fazer prova de determinado factos com uma coisa que é indigna da inteligência jurídica é efetivamente grave”, acrescentou, antes de falar sobre os crimes em concreto.
Para Alexandra Pinho ser condenada por fraude fiscal e branqueamento de capitais, o tribunal terá de dar como provados os crimes de corrupção de Pinho e de Salgado. Ou seja, dar como provado que existiu o tal “pacto corruptivo” antes de Pinho assumir a pasta da Economia no governo de José Sócrates. Mesmo admitindo que existia, defendeu Magalhães e Silva, o tribunal não tem forma de saber se, de facto, Alexandra Pinho sabia da existência do pacto, ou se o esquema foi mantido em segredo.
“Se [o Ministério Público] não sabe, se não tem conhecimento dos factos, estou muito confiante de que absolvam Alexandra Pinho”, acabou por dizer. Aliás, para a defesa de Alexandra Pinho, o grande desafio será precisamente saber “se efetivamente é normal o marido dourar a pílula das coisas que faz mal ou se, à maneira dos adolescentes que dizem tudo, vai dizer que houve um pacto corruptivo entre ele o dr. Ricardo Salgado” E “o tribunal não tem maneira de saber se foi de uma maneira ou de outra”.