“Aguardamos ainda que o PS indique uma data”. É esta a resposta que o Bloco de Esquerda dá ao ser questionado sobre quando acontecerá, afinal, a reunião que está apalavrada entre socialistas e bloquistas desde que Mariana Mortágua desafiou a esquerda para se acertar na oposição. Não é a única frente em que o Bloco está agora, tal como a hipotética frente de esquerda, em espera: com desconfianças em relação às primeiras decisões do novo PS, o partido espera que os socialistas se definam mais concretamente sobre a forma como farão oposição e como se relacionarão com o PSD, incluindo em questões como a da revisão constitucional. E o PS garante que liderará a oposição, enquanto adia, para já, a reunião com o Bloco.
Durante as primeiras reuniões organizadas pelos bloquistas, com PAN, Livre e PCP, discutiram-se temas em que o consenso é mais fácil de obter, e os assuntos mais incómodos ficaram de fora: a moção de rejeição que o PCP vai apresentar, e na qual sabe à partida que não será acompanhado pelo PS, não “estava na agenda” dos encontros, explica-se no Bloco. Até porque o resto da esquerda considerou a jogada do PCP um ato sobretudo simbólico, e os próprios comunistas explicaram que a moção seria um “sinal político” que queriam dar contra o novo governo de direita, sem intenção de obrigarem os outros partidos a definirem-se neste momento.
Mas esse não é o único ponto em que a esquerda não parece estar em sintonia: nos primeiros dias da nova legislatura, o PS reafirmou que vai viabilizar o programa de Governo do PSD, permitindo que comece a governar, o que esvazia a moção dos comunistas; mas também chegou a acordo com os sociais democratas para chegar a uma solução para a Presidência da Assembleia da República; e assumiu que estaria pronto para viabilizar um Orçamento Retificativo, se o PSD quisesse apresentá-lo, que incluísse aumentos para algumas carreiras.
Mais à esquerda, notou-se algum desconforto com essas opções. O acordo para a Presidência da Assembleia da República revelou “uma abertura para a convergência entre estes dois partidos para prosseguir a política da direita”, atirou então o PCP, com o Livre a criticar a “solução de improviso” encontrada por PS e PSD. A esquerda até conseguiu mostrar alguma união no processo — o nome de Francisco Assis ganhou duas voltas com 90 votos, mais doze do que os deputados socialistas — mas no final foi preciso encontrar um consenso entre PS e PSD para ultrapassar o impasse, uma vez que a esquerda está longe de ter uma maioria no Parlamento.
Ainda assim, no Bloco insiste-se: esses não são pontos primordiais para uma discussão à esquerda, nem foram incluídos na ordem de trabalhos dos encontros. Mas são sinais que começam a definir o caminho, e a que a esquerda à esquerda do PS vai estando atenta.
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Bloquistas veem PS ambíguo: “Nem oposição nem apoia Governo”
No Bloco, a ideia é que os “não é não” prometidos — do PSD em relação ao Chega, ou do PS em relação a não ajudar o PSD a governar — começam agora, numa legislatura de equilíbrios precários, a ser testados. E os parceiros com quem o Governo irá conseguir trabalhar também. A questão da moção de rejeição do PCP é relativizada: “Não tem a mesma relevância que uma moção de censura”, o tal instrumento que Luís Montenegro dizia, esta semana, ser o caminho para quem quiser de facto deitar abaixo o Governo; e a hipótese de existir um Orçamento retificativo viabilizada pelo PS também não é vista como central, uma vez que a “prova de fogo” será o primeiro Orçamento que o novo Executivo apresentar em nome próprio.
Ainda assim, existe à esquerda uma convicção de que, por agora, o PS ainda está “dividido” em relação ao caminho que quer fazer e “não consegue ser oposição nem apoiar Governo”, acredita-se no Bloco: “A conferência de imprensa de Pedro Nuno Santos” — na qual reagiu à tomada de posse do Governo, colocando nas mãos de Montenegro a responsabilidade de garantir que consegue governar — “foi mais para dentro do que para fora”, ouve o Observador.
Quanto à garantia do PS de que será “praticamente impossível”, sem rejeitar “liminarmente” um futuro Orçamento do PSD, é vista da mesma forma: um PS que ainda está a explorar as suas opções, sem fechar já portas em definitivo, acredita o Bloco. Ou seja, no fundo, a esquerda pede ao PS o mesmo que o PSD lhe pede: que defina que papel terá nesta legislatura — mesmo que Pedro Nuno Santos já tenha dito e repetido que quer liderar a oposição e que os pontos em que se aproximou do PSD serviram para evitar bloqueios constitucionais e fazer um papel de oposição “responsável”, mas sem coincidências programáticas com os partidos do Governo.
A dúvida passa agora por saber se, a partir da apresentação do programa do Governo — uma vez que a reunião, apurou o Observador, não deverá ser marcada antes disso — se estreitarão ou não os laços à esquerda. Até agora, o balanço é positivo, garante-se no Bloco: nas reuniões com o resto da esquerda e os ecologistas do PAN, ficou assente que todos querem impedir “retrocessos” por via da alteração da Constituição, um processo que já tinham criticado na legislatura passada e em que o PS aceitou participar mas focado apenas em alterações “cirúrgicas” e não de fundo.
Revisão constitucional em cima da mesa
Os outros temas abordados passaram pela necessidade de mostrar “vitalidade” no 25 de Abril, convocando grandes mobilizações para a comemoração dos 50 anos da data (não por acaso, o mais recente outdoor do Bloco é um apelo à participação, lendo-se que o “25 de Abril é na rua”) e como demonstração de força contra a agenda da “extrema-direita e ameaça de racismo e extremismo”. A esquerda à esquerda do PS também se mostra alinhada na prioridade que quer dar ao reconhecimento da Palestina enquanto Estado autónomo, uma medida que está a fazer caminho em Espanha, com o Governo de Pedro Sánchez a prometer aprová-la até ao verão, e que por isso o Bloco espera que possa mais facilmente ser colocada na agenda por cá.
Além disso, os partidos terão chegado a algum alinhamento sobre a necessidade de mexer na lei eleitoral para introduzir um círculo de compensação que se traduza num menor desperdício de votos (que atualmente não são convertidos em mandatos); e há consensos sobre a oposição a “uma regressão nas leis fiscais e laborais”.
Nem todos os temas poderão, no entanto, ser fáceis de abordar na reunião com o PS, que um dirigente socialista já tinha classificado ao Observador como um “número” do Bloco para mostrar iniciativa política. Os bloquistas anotaram a crítica feita por Pedro Nuno Santos à redução de IRC nos moldes propostos por Luís Montenegro, o que traz algum alento a este bloco. Mas a travagem à revisão constitucional, consensual no resto da esquerda, é uma pedra no sapato.
No Bloco, permanece a dúvida sobre o que o PS irá fazer relativamente a este tema, sendo que à esquerda se defende que tendo o contexto político mudado — e tendo o Chega um peso e uma influência maior no Parlamento — ganhou uma força maior a necessidade de travar esse processo. O Observador questionou oficialmente o PS sobre se já tomou uma posição sobre o tema na nova legislatura, mas não obteve resposta. Ainda assim, em entrevista ao Público, o dirigente Francisco César respondeu: “A posição do PS no âmbito da janela de revisão constitucional deve ser aquela que foi aprovada no ano passado no âmbito da comissão política nacional: matérias muito cirúrgicas apenas”.
Resta assim saber que tipo de entendimentos poderá sair de um encontro entre PS e Bloco, assim como qual o alinhamento que a esquerda pode conseguir apresentar nesta legislatura. No Bloco, promotor da iniciativa, o ambiente é de expectativa. Quando o programa do Governo estiver apresentado se verão as posições que todos assumem neste novo tabuleiro. A oposição à esquerda seguirá dentro de momentos…?