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Segundo o comunicado oficial das Finanças, “em 2016, o défice das Administrações Públicas diminuiu 497 milhões de euros face a 2015, situando-se nos 4.256 milhões”. Só por si, parece digno de Óscar. Mas se há quem diga que estamos na “La La Land” económica, nem a Academia deixaria de realizar uma análise mais fina. O Governo estará de parabéns, mas há que perceber como aqui se chegou. Quais as medidas e as rubricas que merecem desfilar na red carpet.

Os nomeados são candidatos de peso: cativações, PERES, adiamento da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD), programa de reavaliação de ativos, regularização da dívida dos Hospitais EPE, corte no investimento…

Segundo António Costa, vai ser possível com toda a certeza alcançar um défice que não exceda os 2,3% do PIB. Mas ainda vai correr muita tinta até o sabermos com certeza, pois só quando o INE nos saudar com o valor final do PIB para 2016, bem como o valor dos ajustamentos entre contabilidade pública (de caixa) e nacional (de compromissos), é que nos pode anunciar o défice em contas nacionais.

Défice é o protagonista

Que o défice vai cumprir a meta do procedimento dos défices excessivos não restam dúvidas. Que vai cumprir a meta imposta por Bruxelas (2,5%), também não. Que vai cumprir a meta revista no Orçamento para 2017 (2,4%), também parece verosímil. Resta apenas saber quão abaixo se vai fixar.

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Fazendo um pequeno exercício, considerando (i) o saldo de -4.256 milhões de euros anunciados pelo Governo, (ii) os 1.100 milhões de ajustamentos entre contabilidades, e (iii) os 185.300 milhões de euros do PIB estimados para 2016 (assumidos no Orçamento para 2017), chegar-se-ia mesmo a um défice de ≈ 1,7%. Tal demonstra uma de duas situações: ou o Governo está a ser extremamente modesto quanto à sua previsão, ou a consistência das estimativas em que se baseou ainda há cerca de dois meses para o Orçamento do Estado para 2017 estará em causa, sendo necessário mais dados para perceber o que explica a diferença.

É bom ter amigos como o PERES

A receita fiscal do Estado, o indicador mais comummente citado da Síntese de Execução Orçamental, ficou cerca de 700 milhões de euros abaixo do valor do Orçamento. Mas, se considerarmos apenas os seis principais impostos (como fazemos nas nossas estimativas) mais jogos e apostas, o desvio ficou-se pelos 300 milhões de euros.

A diferença é explicada, por um lado, pela importância dos impostos indiretos coletados pelos Serviços e Fundos Autónomos, que incluem uma parte do ISP (do início do ano) e os jogos e apostas, e, por outro lado, por um mistério: um enorme desvio na rubrica “outros impostos indiretos”, cujo grau de execução se ficou pelos 28%. O Mapa I do Orçamento de 2016 tinha uma expectativa, que saiu gorada, de uma receita de quase 200 milhões de euros em “impostos diversos sobre o consumo”.

Não se pode igualmente ignorar o efeito do “amigo PERES”. Se retirarmos os 512,7 milhões de euros e os cerca de 100 milhões também excecionalmente obtidos com o ‘regime de reavaliação de ativos’ no IRC, o desvio nos principais impostos ascende a perto de 900 milhões de euros. Se somarmos o efeito dos ‘outros’ (mais 200 milhões), temos um desvio na receita fiscal de cerca de 1.100 milhões, em linha com as nossas estimativas.

O PERES foi um “bom amigo”, que salvou, em certa medida, a execução orçamental deste ano. Mas independentemente dos seus méritos, será preciso perceber melhor o que esteve por detrás de uma receita fiscal que, ainda assim, dececionou (ainda) mais do que o crescimento económico. Um exemplo é a sensação que fica de que os efeitos da subida do IVA da restauração terão sido estudados de uma forma superficial, levando a alguma sobreorçamentação nesse imposto.

Performance cinco estrelas da Segurança Social

O setor da Segurança Social é um forte candidato a conquistar a categoria de melhor performance. O saldo apresentado no final de 2016 fixa-se nos 1.559 milhões de euros, enquanto o Orçamento estimava 1.112 milhões. A diferença positiva de 447 milhões de euros deve-se, em parte, à diminuição das prestações associadas ao subsídio de desemprego, consequência da diminuição do nível de desemprego – que segundo o INE se fixou nos 10,2% em dezembro, face aos 12,4% homólogos.

Não obstante, tal não justifica a totalidade da diferença apresentada. Por um lado, 52 milhões de euros adicionais foram arrecadados no âmbito do PERES com os pagamentos já efetuados até 29 de dezembro (segundo dados provisórios do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social) – que não está associado ao normal funcionamento da Segurança Social.

Por outro, embora a despesa social tenha registado um aumento de 2,5% face ao período homólogo, observou-se uma contração da generalidade da despesa com prestações sociais face ao orçamentado, nomeadamente no subsídio familiar a crianças e jovens, no complemento solidário para idosos, no rendimento social de inserção, e mais significativamente nas despesas associadas à rubrica de ação social.

Era, assim, importante esclarecer se este desvio global na ordem dos 181 milhões de euros ocorreu devido a uma sobrestimação das despesas sociais, ou se a contração desta despesa pôs em causa a satisfação de necessidades básicas de alguns grupos-alvo e famílias carenciadas.

Brilharete não anunciado com as cativações

A rubrica de aquisição de bens e serviços concorre para a categoria que proporcionou uma maior melhoria do défice via forte contração da despesa. Embora o seu impacto tenha sido significativo, pouco se conhece e se ouve oficialmente falar.

Apesar dos benefícios que advêm deste instrumento de controlo orçamental em termos de consolidação, é necessária maior transparência relativamente aos montantes efetivamente cativados, aos que se tornaram cortes definitivos e quais os setores e serviços mais afetados.

Alguns dos últimos dados disponíveis vêm do Governo, aquando da promessa do ministro das Finanças de que pelo menos 445 milhões de euros (dos cerca de 1.500 milhões iniciais) acabariam por se tornar cortes definitivos. No entanto, este compromisso foi em outubro, não se sabendo os últimos desenvolvimentos nem qual o montante final permanentemente cativado.

Em novembro continuavam ainda por descativar cerca de 1.028 milhões de euros, segundo o relatório de acompanhamento e avaliação da execução orçamental. Mais do que o valor final, seria também importante informação sobre quais os serviços afetados, por forma a avaliar potenciais perturbações no funcionamento de alguns serviços públicos.

Independentemente da questionável utilização que tem sido feita das cativações, tal “almofada” permitiu que a despesa da Administração Central com aquisição de bens e serviços registasse uma poupança significativa (≈ 119 milhões), que permitiu compensar, parcialmente, o desvio em excesso das despesas com pessoal (≈ 255 milhões).

(Des)investimento

Não há dúvida de que o investimento tem um papel importante no filme do défice. Esta rubrica ficou, em contabilidade pública, cerca de 650 milhões de euros abaixo do que se esperava no Orçamento de 2016. Mais curioso é que a diferença entre essa e a que foi apresentada para o mesmo ano, no Orçamento seguinte, é de apenas 50 milhões de euros. Não era já nessa altura (outubro) previsível o gap no investimento, que estava então cerca de 10% abaixo do ano anterior?

Porém, no que diz respeito às contas públicas, uma parte importante deste “desinvestimento” é compensada por uma menor receita de fundos europeus, por muitos dos projetos de investimento que não avançaram serem co-financiados. Nas nossas estimativas assumimos que esse valor seria cerca de 30% do desvio no investimento. Isto parece ser confirmado p. ex. pelos dados referidos pelo deputado João Galamba, pelo que aqui o impacto positivo no défice será algo entre os 400 e os 500 milhões – ainda assim importante.

A habitual regularização “extraordinária” nos Hospitais

Os pagamentos em atraso das Administrações Públicas reduziram-se em cerca de 300 milhões de euros em dezembro, o que encerra duas novidades. A primeira é a subida/descida das dívidas dos hospitais não ser a única. Destes, 100 milhões são relativos a dívidas saldadas pela Administração Regional (-60 milhões) e Local (-23 milhões). A segunda, claro, é a descida das dívidas dos Hospitais em mais de 200 milhões de euros, contrariando a forte tendência de aumento registada ao longo do ano.

Tínhamos bastante expectativa para ver o que estes dados trariam: seriam consistentes com a “promessa” do ministro de uma regularização extraordinária da dívida dos Hospitais EPE? A resposta é… “nim”. É que estas dívidas tiveram uma queda abrupta, sim, mas não foi suficiente para regressar ao nível registado em dezembro de 2015, como havia sido prometido pelo Governo. De qualquer modo, o mais importante será ver se ao longo de 2017 os Hospitais têm condições para ir reduzindo estas dívidas em vez de, como tem sido a norma nos últimos anos, cada “regularização extraordinária” destas ser sucedida por longos períodos de aumento progressivo.

Administração Regional e Local

Dado o desempenho prestado durante 2016, a ARL merece, pelo menos, uma nomeação. Apesar do salgo global da Administração Regional permanecer negativo (-27 milhões de euros), observou-se uma melhoria considerável, especialmente no saldo da Região da Madeira (+160 milhões de euros), dado o pagamento de despesas de anos anteriores nesta região ter sido substancialmente menor.

Já a Administração Local não seguiu a tendência de melhoria, passando de um saldo de 741 milhões de euros para 662 milhões – dado o crescimento da despesa efetiva (2,3%) ter sido ligeiramente superior ao da receita (1%).

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O défice deste ano não foi o blockbuster que poderá parecer, mas com a ajuda da estrela revelação do Orçamento – as medidas extraordinárias -, é um resultado digno de louvor. Do que os dados transparecem, não há grandes dúvidas que possam fazer o défice final ficar muito diferente (para pior) do que anunciou António Costa.

Assim, decidimos atribuir um óscar coletivo, partilhado por todas as medidas extraordinárias implementadas ao longo de 2016.

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luistm@ipp-jcs.org – joanav@ipp-jcs.org

Investigadores do Institute of Public Policy Thomas Jefferson-Correia da Serra (IPP)

As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição a que quer os autores, quer o IPP estejam associados.