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© Ricardo Castelo Observador

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G Pousada. A estrela Michelin que é de uma família

Mora em Bragança uma das estrelas Michelin, para lá do Marão, para lá da A1, onde quase todas as estrelas estão concentradas. O feito é do chef Óscar Gonçalves, mas tem a assinatura da família Geadas.

Chegou acelerado, mais tarde do que tinha previsto. A chuva cerrada roubou-lhe tempo na estrada, afinal Lisboa-Bragança ainda pode demorar nove horas de viagem. “Desculpem o atraso”, foi a primeira coisa que disse para logo ir vestir a jaleca e embrenhar-se na cozinha, como num outro dia normal de trabalho. É o primeiro serviço de Óscar Gonçalves depois de o seu G Pousada ganhar a primeira estrela Michelin.

Seu, não — “este prémio é de todos”. Do irmão António, que é ao mesmo tempo chefe de sala, sommelier e o rosto da gestão da Pousada, o braço direito que em tantas ocasiões se confundiu com o próprio braço de Óscar; do pai Adérito, que trabalhou nesta mesma pousada em pequeno e durante 15 anos, antes de abrir o seu estabelecimento em Vinhais com preços que queimavam como a geada, diziam as bocas locais; da mãe Iracema, cujas mãos afagavam os dois filhos, nascidos e criados no Geadas tradicional, com a mesma dose de devoção que mexiam um arroz de lebre no tacho. “Só com amor e gostando do que se faz é que se tem resultados”, diz o pai Adérito alumiado pelos toros da fogueira, na sua postura sempre atenta, zelosa, calma e omnipresente. A frase resume em tudo o que é esta estrela. É a estrela de uma família e de uma região.

O Guia Michelin descobriu a comida transmontana e deu-lhe uma estrela: esta é a história do G Pousada

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Bragança-Algarve-Lisboa. E Bragança outra vez

Óscar e António fazem entre si dez anos de diferença. O suficiente para o mais velho ainda se lembrar de subir a uma grade de cerveja no primeiro estabelecimento dos pais, em Vinhais, para tirar cafés, e o mais novo não. Curiosamente, foi o mais novo, António, hoje com 32 anos, que encarrilou primeiro na hotelaria. Tirou o curso de Gestão Hoteleira e Turismo no Algarve, passou um ano inteiro no estrangeiro a estagiar e regressou a Portugal para o Hotel Altis Belém, em Lisboa, onde ficou durante três anos, “primeiro com o chef Cordeiro e depois com o João Rodrigues”.

Enquanto isso, Óscar foi seguindo caminhos distantes dos pratos, panelas e taças que o viram crescer. Com 17 anos matriculou-se em Relações Internacionais, esteve “três anos a passear no Porto”, recorda com um esgar que o denuncia de imediato, “e depois disse que aquilo não era para mim”. O pai já o andava a advertir, a UTAD foi o destino que se seguiu. Engenharia do Ambiente, era esse o plano, um ano em Vila Real, a seguir o Politécnico de Bragança e, com todas estas trocas, já António estava na Faculdade.

Óscar é um dos responsáveis por levar a estrela a Trás-os-Montes

© Ricardo Castelo Observador

Foi aí que decidiu ingressar na Escola de Hotelaria de Mirandela, “que com muito pesar meu já fechou”. Neste momento podemos dizer – e isto é importante de referir, faz questão de frisar – que a Escola de Hotelaria de Mirandela tem um chefe Michelin, um pasteleiro com duas estrelas Michelin que trabalha no Alma (Telmo Moutinho) e um chefe pasteleiro que está num restaurante com uma estrela Michelin nos Alpes franceses (Valter Ribeiro).

Finalizada a formação em Gestão e Produção de Cozinha, cruzou-se com duas das pessoas que o marcaram mais no seu percurso: os chefs João Rodrigues (Feitoria) e Vincent Farges (Hotel Fortaleza do Guincho). “Desculpem lá”, faz uma pausa com a voz a fraquejar, “quando falo de algumas pessoas emociono-me”. “Como o Vítor Matos ou o Leonel Pereira, são daquelas pessoas que não podemos esquecer ao falar deste projecto, deram-nos sempre apoio.”

Óscar é uma estrela tão ligada à terra como os produtos que gosta de usar, “as hortaliças, as frutas, os legumes, os enchidos de Vinhais, a raça de porco bísaro, o cordeiro bragançano, a raça mirandesa, as batatas que sabem a batata, as castanhas que sabem a castanha”. “Desculpem”, repete, antes de prosseguir a sua história. A seguir deu-se o reencontro com António, com Bragança, com os pais e com o Geadas, que o posicionou no caminho de uma das jalecas brancas mais ambicionadas no mundo da alta cozinha, “Michelin 2019”: “Esta vou guardar junto dos primeiros babygrows dos meus filhos”.

O chef Óscar Gonçalves na companhia do irmão António, sommelier da casa

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Das moelas no tacho da avó ao fine dining do G Pousada

“Já disse ontem e volto a dizer hoje: foi como ser pai. Uma estrela é como um filho, uma pessoa ganha-a e depois tem que a alimentar.” Pelo caminho, Óscar aponta os receios que o inquietam: “Será que vamos ser capazes, será que a vamos criar bem?” Usa invariavelmente o plural no seu discurso: “É uma estrela da família e dos nossos colaboradores também”. Aqui inclui uma lista de nomes que nunca mais tem fim, “a D. Isabel, o Zé, o André, a Raquel, o Fábio, o Félix”, prossegue, destacando todos os que ali estão e os que ficaram em casa a descansar para o turno do dia seguinte. “Ele é uma pessoa diferente”, comenta a equipa de cozinha. “Não gosta que lhe chamem chef” – “É Óscar, Óscar!”, disse-nos umas quantas vezes.

A dedicatória engorda quando fala dos pais: “Sempre foram pessoas batalhadoras, trabalharam toda a vida na hotelaria e isto é um prémio para os reconhecer também a eles, porque ensinaram-nos tudo o que nós sabemos e fizeram de nós os homens que felizmente somos hoje”.

A mãe Iracema recorda bem esses tempos em que eles eram ainda crianças: “Nasceram no restaurante e ajudavam-me em tudo. Sempre gostaram muito de andar ao pé de mim”. Mesmo longe, a cumplicidade nunca desapareceu: “Por exemplo, o António esteve em Lisboa e muitas vezes, quando queria uma coisa diferente para o jantar, telefonava-me de lá a procurar as receitas dos pratos que fazíamos aqui”.

Bacalhau, sames e grão

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O primeiro cozinhado que Óscar fez também foi ensinado pela mãe. Não foi no Geadas, o restaurante tradicional que a família tem há 32 anos, mas sim em casa dos avós. “Tinha 12 anos”, recorda Óscar, a mesma idade que o pai tinha quando começou a trabalhar na pousada hoje assinada com a letra G. “Fiz umas moelas. Os meus avós, os meus primos e os meus tios andavam àcarreja, que é um termo que usamos na aldeia para juntar o feno. E eu cheguei lá e levei uma panela – parece que estou a ver a panela!” Era uma panela vermelha, embrulhada em papel de alumínio e num rodilho. “Levei as moelas para toda a gente”, com uma merenda de pão ao lado.

Das janelas do restaurante avista-se o castelo de Bragança e suas muralhas

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Hoje, no restaurante G Pousadas, Óscar já não leva a comida num rodilho, mas o sentimento que põe em cada prato faz com que muitos clientes se recordem da infância à primeira garfada. “Já houve clientes que nos disseram que o pombo que temos agora na carta lhes parecia o pombo que a avó deles fazia. Isso é magnífico! Nós conseguirmos fazer alguma coisa como a avó de alguém fazia é de um elogio tremendo.”

Em qualquer uma das propostas que apresenta, há sempre um elemento regional no prato. Ou o trigo-sarraceno que acompanha o carabineiro do Algarve, o puré de cogumelos selvagens que é pincelado ao lado do ossobuco, o gelado de queijo de cabra no pudim de beterraba, os milhos que abraçam o pargo e os bivalves. “Temos tantos sabores na terra, variadíssimas raças autóctones e o melhor peixe do mundo, então para quê inventar?” A carta de vinhos, assinada por António, é dedicada ao Douro e a Trás-os-Montes, uma janela para alguns valores menos conhecidos da região, mas sem esquecer as vinhas ricas que se ramificam pelo país fora.

As estrelas, dizem os irmãos, ajudam Portugal a tornar-se cada vez mais num destino atractivo do ponto de vista gastronómico. “Tenho pena que, em vez de termos sido só três, não tivéssemos sido 10. Tínhamos mais poder, mais capacidade de reivindicação perante toda a gente. Quantos mais melhor!”

Fotografias de Ricardo Castelo 

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