A jogada do “Mr. Handsome”, como lhe chama o Politico, fez soar os alarmes entre os socialistas em Bruxelas. A ameaça de saída da Moncloa na sequência da investigação que envolve a mulher, levou os conspirativos corredores de Bruxelas a pensar de imediato que a movimentação de Pedro Sánchez podia ser uma tentativa de fuga para Europa. Para a presidência do Conselho Europeu, claro. A entrada do presidente espanhol na corrida significaria automaticamente concorrência de peso para António Costa, mas fontes europeias ouvidas pelo Observador nos maiores grupos, à esquerda e à direita, continuam a ver o português como mais favorito. E resume-se no que disse ao Observador uma fonte que acompanha o processo: “O Ministério Público português é mais adversário do que Sánchez”.
A movimentação de Sánchez deixou a ‘team Costa’ — que discretamente apoia uma eventual candidatura do português ao Conselho Europeu — em estado de alerta. “Durante algumas horas passou pela cabeça que pudesse estar a colocar-se na corrida” à presidência do Conselho Europeu, admite uma fonte que considera, no entanto, que o anúncio do pedido de arquivamento pelo Ministério Público espanhol da investigação que envolve a mulher do presidente do Governo de Espanha pôs água nessa fervura. Mas até ter a certeza, é preciso mesmo esperar por segunda-feira, dia para o qual o espanhol apontou uma decisão.
“É perito em jogadas, em virar o jogo e surpreender todos”, diz ao Observador uma fonte conhecedora dos processos europeus que assinala o frenesim que correu em Bruxelas depois do anúncio do espanho . “Ninguém sabe se vai demitir-se ou não”, sublinha nesta fase. E isso pode ser uma sombra a pairar sobre o sonho que os socialistas continuam a acalentar para António Costa.
O ex-primeiro-ministro português está à espera de saber o que acontecerá ao processo-crime que o envolve em Portugal, para lançar-se numa corrida ao mesmo cargo. A expectativa entre os socialistas é que possa existir um desfecho do caso no âmbito da operação Influencer até junho. Caso isso não aconteça, Costa poderá ficar fora dos top jobs, entre os quais se conta o cargo que já disse, no passado, lhe chegou a ser oferecido, em 2019, tendo recusado nessa altura. As suas ambições políticas e no plano europeu continuam intactas, no entanto, suspensas até essa decisão judicial.
A dúvida em Bruxelas é se foi esse flanco, aberto na carreira do socialista português, que acabou por dar gás ao espanhol que aproveita um caso interno para tentar esta via dos altos cargos europeus. Ou se afinal tudo não passa de uma coincidência. No intervalo fazem-se cálculos.
Ao sair do Governo nestas circunstância e com o Ministério Público espanhol a dar indicação já de arquivamento, Sánchez ultrapassaria Costa, que continua pendurado — ainda que o Tribunal da Relação de Lisboa já tenha dito que as suspeitas que recaem sobre o ex-primeiro-ministro são “meras proclamações assentes em deduções e especulações”. Politicamente, a preponderância do espanhol no Conselho parece estar dois passos atrás da que Costa ainda mantém.
Entre socialistas, a leitura é — sem surpresa — esta mesma. Sánchez é “evidentemente muito popular,” mas “é mais divisivo do que António Costa nas outras famílias políticas. Costa sempre foi menos confrontacional”, avança um socialista ouvido pelo Observador. Outro elemento próximo dos socialistas descreve Sánchez como “mais anguloso” do que Costa que é visto como mais capaz de “construir pontes”, tendo em conta as relações que tem estabelecido com outras famílias políticas além daquela onde se inserem os socialistas. Ou seja, mesmo que Sánchez esteja embalado para um alto cargo europeu, “não tem uma passadeira vermelha estendida” no momento em que se disponibilizar, nota a mesma fonte.
Além disso, “é novo, tem muitas ambições”, acrescenta apontando a valorização neste momento de alguém com um perfil “de político em final de carreira”, que não coloque o “interesse pessoal e o próprio protagonismo” em primeiro lugar no palco europeu.
O Mickey e um Costa que é preferido também à direita (até em Espanha)
À direita, em particular no Partido Popular Europeu, António Costa também um nome mais consensual do que Pedro Sánchez. “Sánchez é querido entre os socialistas, mas Costa entra muito melhor noutras famílias políticas, em particular na nossa”, diz fonte da direita europeia ao Observador. Uma fonte do PPE diz que “a nível europeu Sánchez tem radicalizado posições, já Costa não só entra mais facilmente no PPE, como teria o apoio do Viktor Orbán, do Macron, quem sabe até da Meloni”.
Outra fonte da direita europeia diz ao Observador que “os espanhóis do PP não são como os portugueses, em que o [Paulo] Rangel até já admitiu apoiar o Costa. Eles preferiam votar no Mickey Mouse do que no Sánchez”. A mesma fonte diz que Sánchez tem “muito mais anticorpos”, enquanto para Costa “está sempre tudo bem: é mais redondo”.
Mais do que Sánchez, o problema de Costa, admitem socialistas europeus e fontes do PPE ouvidas pelo Observador, “é o processo em Portugal”. Uma fonte dos S&D diz de forma muito clara: “Mesmo que saiam notícias a dizer que um tribunal disse não haver indícios, enquanto o processo não for arquivado não dá. Aqui não brincam com essas coisas. Ou há arquivamento, ou não há cargo europeu”. Há outras variáveis, como o Observador explicava aqui, mas todas elas são mais fáceis de contornar do que o processo judicial em curso. Isto, claro, partindo do pressuposto que o cargo fica para os socialistas — o que também não é garantido e depende das eleições de 9 de junho.
Montenegro só apoia ativamente Costa para o Conselho Europeu após socialistas conquistarem lugar
O “sonho” de um Sánchez e a batalha pela Palestina (que não ajuda)
Pedro Sánchez, e isso sabe-se há muitos anos nos corredores de Bruxelas, sempre teve a ambição de ocupar um alto cargo europeu, a que o Politico chama de “sonho”. Nos últimos tempos, o primeiro-ministro espanhol tem até tornado a sua presença no plano internacional mais robusta, procurando liderar uma coligação internacional de países europeus que reconheçam o Estado da Palestina à margem da União Europeia. Mas isso não é propriamente uma vantagem: os países próximos de Israel, explica o Politico citando altas fontes diplomáticas, podem rejeitar Sánchez por estas posições.
Apesar dos obstáculos ninguém nega em Bruxelas que, além de António Costa, só há mais dois nomes na área dos socialistas europeus falados para o cargo, seja com mais ou menos convicção: Pedro Sánchez e Mette Frederiksen. A primeira-ministra dinamarquesa não é, no entanto, tão querida dentro do grupo dos socialistas como os “irmãos” ibéricos devido às políticas de imigração do seu governo — mais restritivas do que a maioria dos membros do S&D desejariam.
Sobre se teriam condições para ocupar cargo, os dois já se elogiaram mutuamente. Embora com entusiasmos diferentes. A 22 de março, quando questionado pela Rádio Renascença sobre se Pedro Sánchez podia entrar na corrida a presidente do Conselho Europeu, António Costa fez uma pausa de poucos segundos e respondeu: “Por que não?”. Apesar disso acrescentou, de uma forma mais neutra, que por gostar muito de Sánchez, iria gostar “sempre de o ver onde ele gostar de se ver a si próprio”.
Há menos de duas semanas, quando recebeu Luís Montenegro em Madrid, Pedro Sánchez começou por responder tímido a uma pergunta sobre uma eventual candidatura de Costa ao Conselho Europeu: “Não falámos especificamente desse assunto”. Mas, acabaria por subir o tom dos elogios: “Sou um declarado aficionado da política de António Costa. É ainda uma fase muito prematura para essa negociação [no Conselho Europeu], mas no que diz respeito à família social-democrata, António Costa reúne todas as condições para o cargo”. Antes de passar a palavra a Montenegro, Sánchez reforçava: “António Costa é um grande político e um grande amigo”. O elogio foi mais caloroso do lado espanhol, mas isso quer dizer pouco para as contas finais.