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José Henrique Bortoluci: um livro como um camião através do Brasil, numa viagem de 50 anos

Em "O Que é Meu", José Henrique Bortoluci reúne as memórias do pai nas estradas brasileiras e junta-lhe a dura luta contra um cancro. Falámos com o autor sobre uma estreia "íntima mas universal".

Foi através da voz do filho que Seu Didi, já muito debilitado, ouviu a própria história: 50 anos de viagens e memórias de um camionista pelas estradas do Brasil. Foi ele o primeiro a conhecer o conteúdo final de O Que É Meu, o livro de estreia de José Henrique Bortoluci que consegue fazer o paralelismo entre a história da família e a transformação do país a partir da década de 60.

Sociólogo, José Henrique Bortoluci falou com uma amiga editora para publicar a tese de doutoramento, mas não era bem isso que ela procurava. Perguntou-lhe se não estava a escrever mais nada. Estava — ou pelo menos tinha alguns tópicos de um livro que queria escrever sobre o pai. Fez um plano de 15 páginas e, logo aí, a editora percebeu que a obra de não-ficção literária tinha potencial nacional e internacional. Confirmou-se: os direitos foram vendidos para mais de dez idiomas, do dinamarquês ao árabe. Em Portugal a edição é da Companhia das Letras.

Os elogios têm-se acumulado, as comparações a grandes nomes da literatura como Annie Ernaux ou Svetlana Alexievich também. Num único livro, José Henrique Bortoluci reúne as entrevistas que fez ao pai sobre os anos dele como camionista — um relato fantástico e cheio de aventuras, mas também de medo, que passa pela ditadura militar e a falta de oportunidades —, junta-lhe as próprias recordações da infância e as entradas repescadas do diário da mãe e embrulha tudo com uma dura dose de realidade, já que a obra foi escrita ao mesmo tempo que Didi passava por operações e tratamentos para lutar contra um cancro.

Íntimo e pessoal, O Que é Meu consegue ser também universal e, talvez por isso, esteja a viajar muito para lá das fronteiras de Jaú, a pequena localidade do interior de São Paulo onde decorre a narrativa. Esta é a história da ligação profunda entre pais e filhos. A meio de uma tournée pela Europa, falámos com o autor brasileiro durante uma paragem em Lisboa.

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A capa da edição portuguesa de "O Que é Meu", de José Henrique Bortoluci (Companhia das Letras)

Numa entrevista disse: “Quando contei aos meus pais que o livro iria ser publicado no estrangeiro, o meu pai estava muito fraco e a minha mãe disse-lhe: Trate de não morrer para você ver isso acontecendo, hein?’.” O seu pai viu?
Ele viu o anúncio de que isso aconteceria, mas faleceu em novembro do ano passado, antes que o primeiro livro fosse de facto publicado [fora do Brasil]. Ele viveu o suficiente para entender que a história dele ia chegar a muitos lugares e isso já foi muito bonito.

É um pouco ingrato?
Sim e não porque, ao mesmo tempo, quando eu comecei a escrever o livro, a dúvida sobre a saúde dele era tão grande, a situação era tão difícil, que para mim a maior preocupação era se ele não veria o livro publicado no Brasil. Isso aconteceu. Fiz o lançamento também na nossa cidade de Jaú, trouxe os meus amigos de São Paulo e ele fez um churrasco para todos. Nós comemorámos. Acho que foi uma realização muito grande ver o livro impresso em mãos. E tive tempo também de lho ler. Estranhamente, acho que foi outra coisa muito importante para nós. Em junho e julho do ano passado eu li-lhe todo o livro. Ele gostou muito dessa experiência e eu também.

[Já saiu o quarto episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui e o terceiro episódio aqui]

O seu pai não foi a primeira pessoa a ler de facto o livro, mas foi a primeira pessoa a ouvir a história do início ao fim?
Foi, sim. Foi uma experiência muito forte para os dois. Foram dois anos, quase três, de muitas dificuldades de saúde para ele. Então, ouvir as histórias que ele me tinha contado, agora na minha voz, foi muito interessante. Ele estava três anos mais velho e também muito cansado, mas relembrou muitas coisas: “É verdade, isso aconteceu assim”. Ou então fazia pequenas emendas: “Na verdade, foi de outra forma”. Eu explicava-lhe que muitas vezes as histórias não são literalmente como as pessoas contam, que há um processo de recomposição de escrita, às vezes para manter o anonimato de algumas pessoas, às vezes por motivos literários. Essa conversa foi interessante porque não foi uma leitura contínua, foi uma leitura em voz alta em que ele intervinha. A minha mãe é uma pessoa muito engraçada e adora dar opiniões muito contundentes. Então, às vezes interrompia a minha leitura para criticar alguém que aparecia no livro. Foi muito engraçado e eu gravei isso tudo também.

A leitura do livro ao seu pai?
Sim, no Brasil foi feito um podcast com essas leituras misturadas com as entrevistas que lhe fiz no começo do processo. Em algumas das histórias que lhe narrei, ele chorou de emoção, algumas que eu não imaginava que pudessem tocá-lo daquela forma, como as histórias da infância dele, por exemplo. Foi muito rico para todos, fico emocionado só de falar disso.

A sua mãe já tinha lido?
Li para o meu pai porque, a dado momento, percebi que ele já estava muito debilitado para fazê-lo. Além disso, o livro era um objeto estranho para ele, nunca leu um livro na vida. A minha mãe tinha lido à maneira dela, saltando algumas partes.

O que é que ela passou à frente?
Quando começava a citar Susan Sontag ou outros autores, ela estava mais interessada nas histórias. Acho que é uma forma muito bonita de ler também, porque mostra que o livro pode ser lido de muitas formas. Não só este, mas muitos livros podem ser lidos de uma forma pessoal. A leitura é um processo muito criativo, muito ativo, de relação, às vezes de dança quase erótica, às vezes de luta com o material que estamos a ler.

Quando começou por imaginar este livro, ele não era bem o que acabou por ser. Qual era a ideia inicial?
Eu queria escrever um livro que ligasse a história do meu pai à história do Brasil, esse era o mote. Isto porque eu já sabia que teria uma dimensão histórica, sociológica, de crítica política, e outra dimensão de histórias pessoais. Devido à minha trajetória profissional, imaginava que seria um livro com um tónus académico e sociológico mais fortes. Talvez não um livro de sociologia tradicional, mas que seria lido mais por académicos ou por pessoas próximas da escrita. Isso mudou muito depressa porque comecei a perceber que a dimensão pessoal tinha uma riqueza muito grande, tanto nas histórias, quanto na própria relação com o meu pai. No processo de escrita, as partes em que eu me divertia ou me emocionava mais eram aquelas em que deixava a veia literária mais aberta, mesmo que estivesse a trabalhar com conteúdos sociológicos. Isso foi um dos mistérios que descobri na escrita.

Deixou as expressões e a forma de falar do seu pai quase intactas.
Sim, o mais parecido possível com o que eu ouvia. Foi das coisas que mais me deu trabalho no livro, depois de ter as transcrições das entrevistas, transformar essas transcrições numa escrita que lembrasse a oralidade. Existirá sempre um vácuo entre as duas, mas queria que, pelo menos, quando lesse em voz alta, eu ouvisse o ritmo do meu pai a falar, com as mesmas paragens e as repetições, não só a gramática e o vocabulário, mas sobretudo o ritmo. Para quem lê pode parecer que foi a parte mais fácil, mas foi ao contrário. Reescrever ocupou-me bastante tempo, mas também me divertiu e desafiou. Por exemplo, o livro tem três capítulos sobre três amigos do meu pai, o Manelão, o Jacques e o Nestor. E esses três personagens, na verdade, são composições de vários amigos. São três personagens literários, mas com histórias, todas baseadas na realidade e nas memórias do meu pai. Memória não é a realidade, já é ficcionalização, claro, portanto há várias camadas de ficcionalização no livro, mesmo sendo um livro de não ficção.

"É mais uma prova desse poder estranho que a literatura tem, o facto de histórias baseadas na memória de um homem que nasceu em 1943, numa cidade pequena do interior do Brasil, do estado de São Paulo, eventualmente chamarem a atenção de um editor norueguês, de leitores dinamarqueses, holandeses, portugueses, árabes."

O livro acompanha a evolução da doença do seu pai. Estar a passar por uma experiência tão dura na vida real não o fez ter momentos em que quis abandonar o livro?
Depois de o ouvir e de ter já algum material, já tinha trabalhado muita coisa e tinha coisas rabiscadas, chegou um certo momento em que pensei: “Não, eu vou escrever outro livro sobre outra coisa qualquer porque não vou ser capaz de atravessar este período de tanta dificuldade, angústia, medo, e cuidado também, e ao mesmo tempo escrever este livro”. Comecei a inventar esse tipo de justificações. Só que, nesse mesmo momento, eu estava a escrever um diário que me ajudou. Já tive diários em diferentes fases da vida, mas esse diário comecei a escrever no dia em que eu disse ao meu pai que queria ouvi-lo e gravar entrevistas com ele. Nesse mesmo dia ele disse que estava a sentir dores no estômago e que via sangue nas fezes. Cheguei ao meu quarto depois de ele me ter dito isso — e sabia que ele tinha tido dois irmãos com cancro no intestino, era uma coisa genética forte na minha família e eu já estava certo de que ele enfrentaria um tratamento muito duro — e nesse momento comecei a escrever um diário. Esse diário foi outra fonte muito importante para a escrita do livro. Aquilo que serviu para transformar em palavras a angústia e o medo tornou-se material para muita coisa. Boa parte desse material usei no primeiro e no último capítulos, que são mais pessoais.

Por outro lado, existia também o medo de não terminar o livro a tempo de ele poder vê-lo?
Sim, havia pressa mas também uma vontade de adiar. Foi tudo muito intenso. Continua a ser.

A morte do seu pai é recente e, enquanto está a passar por esse processo de luto, está a promover o livro. É a altura de maior sucesso da sua carreira, mas também a fase mais triste a nível pessoal. Como é que se gere tudo isto?
Captou exatamente a forma como me sinto, é um conflito. São dois vetores, cada um a puxar para um lado. Mas talvez haja um vetor no meio, porque não há forma certa de fazer o luto, não há condições ideais. Será que seria mais fácil se eu estivesse fechado em casa? Acho que não. Talvez honrando um pouco a memória dele, falando do livro, falando com as pessoas e ouvindo os leitores seja a melhor forma. Claro que isso traz dificuldades pessoais, mas elas existiriam de qualquer maneira. Então, fico muito feliz que, apesar de ele ter falecido, o livro circule hoje e chegue a pessoas de muitos idiomas e pessoas com vidas radicalmente diferentes do meu pai. Acho que isso também prova um pouco desse poder estranho que a literatura tem, o facto de histórias baseadas na memória de um homem que nasceu em 1943, numa cidade pequena do interior do Brasil, do estado de São Paulo, eventualmente chamarem a atenção de um editor norueguês, de leitores dinamarqueses, holandeses, portugueses, árabes.

Acabou de enumerar uma data de idiomas com traduções do livro que, como referiu, é de um período e de uma localização tão específicos. Que feedback é que tem tido desses países, como é que a história tem esta importância fora do Brasil?
No final de 2022, o livro ainda não tinha sido publicado no Brasil — ele sairia em março de 2023 — e já havia dez línguas (não só países porque, por exemplo, a edição espanhola serve vários países, a inglesa a mesma coisa) a quererem comprar os direitos, foi muito surpreendente. Acho que um dos motivos se prende com a universalidade de alguns temas, é uma história humana e é uma história de viagens. Se pensarmos bem, um dos primeiros grandes livros do Ocidente é sobre uma viagem, a Odisseia. Tem também outro tema universal, que é a relação entre pais e filhos. Além disso, o livro tem a especificidade de o manuscrito ter começado a circular num momento em que o Brasil saía de um governo de trevas, de um governo de extrema-direita, de ódio à cultura, aos direitos humanos e ao meio ambiente. Em outubro de 2022, quando elegemos outro governo, havia uma possibilidade de reconstrução. Nesse momento, o Brasil voltou ao cenário mundial novamente como uma promessa, novamente como um país que pode circular em espaços de civilização. Para o livro, essa foi a primeira coincidência positiva. A segunda é que o livro trata de temas amazónicos num momento em que, aos olhos do mundo, o Brasil é a Amazónia em grande medida. Quando se fala em Brasil, na maior parte do mundo fala-se em questões ambientais. E eu acho que há um terceiro motivo, que é literário. Nos últimos anos houve um crescimento da não ficção literária, especialmente livros que tratam de temas autobiográficos ou histórias familiares — e isso culminando no Prémio Nobel para a Annie Ernaux no final de 2022. Acho que estas coincidências todas ajudaram o livro a chegar a vários lugares.

A sua editora inglesa, a Fitzcarraldo Editions, compara-o a vários Prémios Nobel, como Annie Ernaux e Svetlana Alexievich. O que é que isto significa para si?
O Roland Barthes, que é alguém que admiro muitíssimo, dizia que é possível identificarmo-nos com um grande autor sem nos compararmos e eu levo isso muito a sério. É uma identificação no sentido de ter uma relação de espelho, de afeto, de ver elementos ali que acendem uma luz dentro de mim. E, de certa forma, identifico-me com a literatura dessas duas autoras de forma muito intensa — a Svetlana Alexievich pelo uso das linguagens, pelo uso dos relatos orais de uma forma muito criativa que acho deslumbrante. Houve dois livros dela muito marcantes para mim, A Guerra não tem Rosto de Mulher e O Fim do Homem Soviético, e que me incentivaram literariamente a usar os relatos do meu pai na primeira pessoa. É uma literatura que se cruza um pouco com o jornalismo. A Annie Ernaux evidentemente pela questão de classe social, a história familiar como uma história que pode ser vasculhada nos detalhes e produzir grandes relatos.

O livro tem uma mistura de memórias, ensaio, reflexão, quase uma vertente de romance quando entramos nas histórias das viagens. Como é que, não tendo escrito nada minimamente parecido ainda, conseguiu publicar O Que é Meu?
Quase tropecei na Fósforo [editora no Brasil] antes de o livro existir. Eu estava a começar a anotar algumas coisas, a levar mais a sério a voz na minha cabeça que me dizia que devia escrever um livro sobre o meu pai e sobre o Brasil, isto em 2019. Tinha ideias muito genéricas, tópicos em duas ou três páginas. Um dia fui conversar com a Rita [Mattar, a editora] sobre outro livro, a minha tese de doutoramento. Sabia que ela tinha acabado de abrir uma editora, confiava muito no trajeto dela e queria saber se ia publicar livros académicos. Ela disse: “Não, mas não está a escrever mais nada?” Eu disse que sim, que queria escrever sobre o meu pai. Ela disse-me para avançar e acho que houve um match literário muito rápido entre mim e a Rita. Ela é uma editora excecional, tem um radar muito grande para coisas do mundo, foi ela que levou para o Brasil a literatura da Annie Ernaux, portanto estava muito mergulhada nestas auto/socio-biografias. Ela percebeu muito depressa a minha ideia. Primeiro fiz um plano do livro, com umas 15 páginas, com algum material e os livros de referência. Quando ela recebeu essas páginas disse-me logo que achava que estava ali um livro que teria interesse internacional. Enviou para uma editora espanhola, que achou o mesmo. Escrevi o livro em ano e meio e o manuscrito começou então a circular.

"A toda a hora pegava no carro, ia a casa da irmã, arranjava uma torneira, ia comprar pão, lanchava em casa de uma outra irmã, não parava em casa. No dia em que foi internado pela última vez — morreria três dias depois —, ele fez o almoço para a minha mãe. A polenta, exatamente o prato que digo que era o meu favorito, foi a última coisa que cozinhou."

A sua infância conviveu com as histórias que o seu pai trazia da estrada. Houve alguma que o tenha marcado mais?
Há várias, por diversos motivos. A história em que arrancaram um soldado de um trator acho que é fascinante porque é o momento do auge da ditadura militar. Essa história mostra muitas coisas. Primeiro, mostra como havia uma presença física do exército nesses lugares, como apenas dois soldados conseguiam parar um comboio de camiões. Mas depois mostra também como é que eles conseguiam impor uma decisão popular sobre aqueles soldados. Há uma negociação entre exército e trabalhadores naquele momento, uma negociação tensa porque podia ter morrido alguém. E depois há as incertezas. Depois disso, o meu pai acha que vai ser torturado. Só que não diz isso porque essas palavras não fazem parte da forma como narra a história. Ele diz: “A gente vai se dar mal, prepara pra tomar porrada”, diz tudo isso. O governo fazia desaparecer corpos e ele conta tudo isso, mas nas entrelinhas. Gosto muito das histórias todas da lua de mel dos meus pais, são muito divertidas. Eu cresci a ver o álbum de fotos.

A impressão com que ficamos do seu pai é que era muito pessoa muito bem resolvida. Nunca se revoltou com todos os problemas de saúde que teve ao longo da vida.
Ele era uma pessoa muito pragmática com a vida e com a morte. Teve problemas de saúde muito sérios, quase morreu com 48 anos, viu os amigos camionistas morrerem muito jovens. Portanto, ele viveu muito para um camionista da geração dele. Acho que aguentava bem os solavancos da vida e também aproveitava a vida mesmo em momentos de muita dificuldade. Mesmo nos últimos três anos, muito difíceis, ele não parou de viver. A toda a hora pegava no carro, ia a casa da irmã, arranjava uma torneira, ia comprar pão, lanchava em casa de uma outra irmã, não parava em casa. No dia em que foi internado pela última vez — morreria três dias depois —, ele fez o almoço para a minha mãe. A polenta, exatamente o prato que digo que era o meu favorito, foi a última coisa que cozinhou, viveu até ao fim.

A sua infância não foi fácil, teve muitas dificuldades e ao mesmo tempo era um miúdo muito curioso, queria ler e queria aprender. Na sua família, como disse há pouco, os seus pais não tinham o hábito de ler nem gostavam. Em miúdo sentia que não tinha apoio ou, pelo contrário, acha que fizeram tudo e mais alguma coisa para que o José pudesse ser diferente?
Tristeza, sim, havia. Angústia, sim. Angústia por ver a situação difícil da família, ver como a minha mãe sofria pela falta de recursos, pela distância do meu pai, como ela tinha de dar conta de muito trabalho doméstico, porque além de cuidar de dois filhos muito pequenos, ela costurava, trabalhava muito para ajudar nos gastos da casa. Tive de amadurecer muito depressa, sentia-me adulto.

Era o homem da casa?
De certa forma, sim. Mas não me lembro de sentir revolta ou de sentir que havia possibilidades que me estavam a ser vedadas. Pelo contrário, lembro-me de, com sete ou oito anos, pedir aos meus pais para fazer um cartão da Biblioteca Municipal. Eles não sabiam que existia a biblioteca mas lembro-me de o meu pai me levar de carro e eu voltar a ler no carro, a sentir aqueles enjoos que sentimos quando lemos no carro. Ao mesmo tempo, tenho um certo carinho por esse enjoo, por aquele cheiro de livros velhos na biblioteca. Eles sempre me incentivaram, mesmo não tendo nós livros em casa. Sempre permitiram que eu desenvolvesse esses interesses e habilidades, eles, a escola e a igreja. Acho que a minha formação passa por esses três espaços.

Há uma parte do livro em que diz que dar educação a alguém, vê-lo prosperar, era quase uma missão de família.
Exatamente. No ensino secundário, comecei a participar em conferências. Algumas cobriam os custos, outras não totalmente. Então o meu pai fazia rifas para vender e poder pagar essas despesas, mesmo não sabendo exatamente o que eu estava a fazer, qual era o propósito.

Como é que se vive num mundo onde já não existe o seu pai?
Estou a descobrir. Além das palavras, tínhamos uma relação muito física, de carinho um com o outro. Ele era muito de abraços, de conversar, de colocar a mão no ombro, sentar no colo. Sinto muita falta dessa dimensão.

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