O clima é de primeiro dia de aulas para os três deputados do Livre a estrear-se no Parlamento e Rui Tavares, o quarto elemento, é o aluno mais velho a mostrar os cantos à casa. É com grande entusiasmo que apresenta Jorge Pinto, eleito pelo círculo eleitoral do Porto, ao bibliotecário da Assembleia da República. O novo parlamentar, que não se inibe de fotografar os vários cantos da nova casa, já sabe que o porta-voz do Livre “é o melhor cliente” do espaço e não sabe se estará à altura de competir com ele, ainda assim promete tentar.

“Caso o trabalho permita, quero passar aqui muitas horas”, afirma o novo parlamentar, apontando que trouxe consigo, para o primeiro dia, um “livro muito republicano” da sua coleção pessoal — Dos Deveres, de Cícero — uma obra que, considera, deveria ser lida por todos os parlamentares, para que ninguém se esqueça da razão de estar naquele local. “Tenho de admitir que o momento em que nos sentamos pela primeira vez na cadeira e vemos a estátua da representação da República, sentimos o peso de responsabilidade para com o futuro, que até nos assoberba”, admite Jorge Pinto já depois da sessão de abertura dos trabalhos parlamentares.

Paulo Muacho, deputado eleito pela lista do Livre em Setúbal, revela que sente o mesmo em relação ao “novo mundo” onde acaba de aterrar enquanto parlamentar. Admite que está nervoso, mas entende que é um “nervosismo normal e bom, “que chega com o peso da responsabilidade das pessoas que votaram” no partido.

Esta era a disposição dos novos deputados pela manhã e início da tarde, ao final da noite e três tentativas de eleição do Presidente da Assembleia da República depois, o semblante entusiasmado da estreia já se tinha dissipado e os três deputados ladeavam Rui Tavares enquanto este acusava Luís Montenegro de descer ao “grau zero da política”, apelando a que o primeiro-ministro indigitado saia “de cima do muro” em relação ao Chega para que o impasse se resolva. Não respondeu claramente, no entanto, se estará disposto a votar favoravelmente um candidato do PSD esta quarta-feira, depois de a escolha da liderança do Parlamento transitar para o dia seguinte.

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Na segunda ronda de votação, o Livre anunciou o sentido de voto em Francisco Assis, candidato apresentado pelo PS. Antes, já Muacho atirava à “falta de clarificação” do PSD em relação aos acordos que fez, ou não, com o Chega, apelando a que Luís Montenegro “fale com os democratas” e esclareça a sua posição. “Enquanto não o fizer não vai contar com o apoio do Livre”, garantiu.

A herança de um gabinete que já foi do PCP e da “luz natural” que faltou nos últimos dois anos ao Livre

O sofá vermelho que pertencia até agora ao único gabinete reservado ao Livre no Parlamento é transportado por funcionários da Assembleia da República pelas escadas — do piso inferior para o piso do Plenário. Tem uma nova morada: o novo gabinete que o grupo parlamentar do Livre conquistou a par com o crescimento da sua representação parlamentar. O novo espaço ainda tem à porta uma placa a sinalizar a presença extemporânea de um gabinete que pertenceu ao PCP. A luz natural e vista para o jardim do Parlamento agrada aos membros do partido, já que nos últimos dois anos trabalhavam num gabinete no piso inferior.

Com a nova morada ainda despida dos pertences do Livre, é no espaço que lhe é familiar que Isabel Mendes Lopes treina o discurso que julgava que iria fazer nos próximos minutos, ao púlpito da AR. No gabinete do piso inferior  quase desprovido da recém conquistada luz natural, a ansiedade que antecede o momento solene é palpável. A recém nomeada líder parlamentar é estranha ao novo cargo e à exposição que o mesmo implica, mas não aos trabalhos parlamentares, integrava o gabinete do Livre desde 2022. Revela que preparou o discurso reunida com os restantes deputados do Livre no dia anterior e mostra-se ansiosa para o momento em que o vai proferir.

Mas a deputada não chegou a subir ao púlpito para o seu primeiro discurso oficial enquanto líder da bancada parlamentar. Após a não eleição de José Pedro Aguiar-Branco, na primeira ronda de votação à presidência da Assembleia da República, a deputada do Livre acusou o PSD do “imbróglio” que criou por se ter “fiado na extrema-direita” sem ter procurado entendimento com a esquerda, revelando que o Livre nunca foi sequer contactado pelos sociais-democratas.

“Esperamos que o PSD tenha aprendido que não é possível confiar na extrema-direita”, apontou, referindo que a apresentação de três candidaturas — do PSD, PS e Chega — mostram aquilo que o Livre sempre defendeu, “que existem três blocos: um à esquerda, outro à direita e ainda um da extrema-direita”. A líder da bancada parlamentar não tem dúvidas: “Qualquer acordo com a extrema-direita prejudica principalmente quem o faz e foi isso que aconteceu hoje ao PSD, depois de lhe ter sido puxado o tapete.”