As eleições legislativas de janeiro parecem longínquas, mas no PAN o impacto da redução do grupo parlamentar para apenas uma deputada única — a líder Inês Sousa Real — e a insistência da atual direção continuar sem ser novamente sujeita a votos num Congresso Eletivo, mantêm-se atuais. Depois de falharem o objetivo de convocar um Congresso extraordinário e com o avolumar das demissões nos vários níveis do partido, o grupo de críticos que se apresenta como “coletivo de filiados” já se organiza numa “corrente política interna própria” com o Congresso de 2023 no horizonte. E até já tem nome: Mais PAN.
As conquistas que o Pessoas-Animais-Natureza tem conseguido nos Orçamentos do Estado, para 2022 e agora para 2023, estão longe de contentar quem há muito vê o PAN afastado da sua verdadeira essência. “Se sem maioria absoluta do PS a taxa de cumprimento das medidas era de 25%, agora com maioria absoluta podemos imaginar como será”, diz ao Observador uma dos críticos da atual direção.
E até a falta de presença pública nas recentes manifestações pelo Clima são fator de incómodo nas estruturas que lamentam a deriva que, dizem, “já nem é dos animais, é mesmo só o cão e o gato”.
“Há concelhias que já desapareceram e não vai ficar por aqui”, diz um dos críticos
Numa altura em que se aproximam, ou já foram ultrapassados, prazos para eleições nas estruturas concelhias ou distritais do partido, os críticos internos denunciam também “demora na aceitação de novas filiações” e duvidam da conduta do partido na hora de aceitar, ou não, mais filiações que podem ter um peso importante em estruturas mais pequenas do PAN.
“A nossa perceção é que está neste momento a ser executada uma ação concertada no sentido de ter comissões políticas favoráveis à atual direção do PAN, numa tentativa de condicionar as escolhas dos delegados ao Congresso previsto para 2023, que irão eleger a nova Comissão Política Nacional”, afirma Maria João Sacadura, comissária política distrital de Faro, um dos dez elementos que se demitiu há cerca de uma semana.
A concelhia de Odivelas, por exemplo, que era liderada por Nelson Silva, ex-deputado do PAN na Assembleia da República e um dos críticos que veio a público no pós-legislativas pedir a realização de um Congresso extraordinário, deixou de ter atividade.
Ao que o Observador apurou, tendo sido ultrapassado o prazo para convocar eleições eletivas, em outubro, e com a demissão dos membros que a compunham, terá “desaparecido”. Certo é que há vários meses não se lhe conhece qualquer atividade. O mesmo, garantem fontes do PAN ao Observador, “vai acontecer noutras estruturas, com as demissões e a falta de convocatória de eleições”. “É inevitável”, comenta-se.
Sem data para o Congresso do próximo ano, a corrente que se organiza já como “Movimento Mais PAN” assume como data limite o mês de junho do próximo ano para apresentar o projeto a eleições, com uma lista que desafie a da atual direção. Mas isto porque o último Congresso do PAN se realizou em junho de 2021 e os estatutos preveem dois anos de intervalo entre reuniões do órgão máximo do partido, não porque haja até ao momento qualquer indicação do partido nesse sentido.
Recorde-se que também os estatutos aprovados pelo PAN no último Congresso, em junho de 2021, receberam um chumbo do Tribunal Constitucional, o que fez cair alterações importantes com a legitimação nos estatutos da autonomia do PAN-Açores e Madeira, uma luta antiga no partido. Apesar de este ter sido um dos argumentos usados para tentar forçar um Congresso antecipado, a própria líder do PAN, Inês Sousa Real, frisou em fevereiro, que o PAN “está a atuar dentro da mais normal legalidade” e que “estão em vigor os estatutos antigos” enquanto defendia a “auscultação dos filiados” como solução para as críticas que saíam a público.
“Estratégia de comunicação infantilizada e condescendente” de um partido “monotemático” e “satélite do Governo”
A trabalhar, já divididos por grupos de trabalho, os críticos da atual direção de Inês Sousa Real falam num “forte sentimento de frustração dos que querem continuar a defender as causas do PAN” e lamentam que o partido se tenha reduzido à condição de “monotemático.”
Consideram que o PAN tem, agora, “uma estratégia de comunicação infantilizada e condescendente, que prefere a quantidade à qualidade e que apregoa conquistas que raramente têm efeitos reais” e não poupam críticas à postura do PAN no Parlamento.
“Mesmo em cenário de maioria absoluta do PS, continua a atuar como mero satélite do Governo aprovando o Orçamento do Estado na generalidade em troca de migalhas”, apontam os críticos lamentando ainda que “esta direção deixe cair a indefetível defesa do ambiente numa era de graves alterações climáticas.”
E, sem medo das palavras, assumem mesmo “temer o fim do partido se o rumo não se alterar”. Com algumas dezenas de pessoas já a trabalhar em vários setores, o debate sobre quem encabeçará a lista alternativa que desafiará a liderança de Inês Sousa Real será deixado para o fim.
“Para já estamos concentrados na estratégia política, é o essencial. Definimos que só depois, talvez no início do ano, começaremos a debater internamente essa questão de quem será a cara”, explica ao Observador uma das pessoas envolvidas na organização do “Mais PAN”.
A “auscultação de filiados” que deixou mais dúvidas do que certezas
A solução alternativa ao Congresso Extraordinário que a direção de Inês Sousa Real encontrou foi a promoção de uma “auscultação de filiados“, mas sem nunca revelar detalhes de como o processo de desenvolveu. Há algumas semanas, o partido anunciou que “apenas 14% dos filiados auscultados são a favor de um Congresso Extraordinário Eletivo”, mas o número não convence a corrente interna que está desalinhada da direção.
“Como é possível que esta direção afirme que apenas 14% dos filiados auscultados são a favor de um Congresso Extraordinário Eletivo se não existiu qualquer tipo de votação nestas sessões e ainda, recusaram divulgar a iniciativa para a convocação de um Congresso Extraordinário por via de angariação de assinaturas, como preveem os estatutos?”, questiona Ana Mendes, comissária política da Distrital de Setúbal do PAN. Já Fernando Geração, comissário da Trofa, frisa ao Observador que “quem esteve nas auscultações não viu votação nenhuma” questionando a origem de um número tão concreto.
Com dúvidas sobre a forma como a direção do partido conseguiu chegar a um número, não tendo alegadamente realizado “votações”, o coletivo de filiados acusa a direção do PAN de se “multiplicar em ações no sentido de silenciar quem não lhe é favorável”, considerando o processo de auscultação interno “o exemplo mais gritante.”