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MP diz que prostituta que acusou juiz de ser seu cliente "mentiu" para "destruir" a vida dele. Magistrado pondera não voltar ao serviço

Ana Loureiro Marques acusou publicamente o juiz Joaquim Manuel Silva de frequentar as suas casas de alterne e ver imagens de menores em pleno ato sexual. Juiz pode não voltar a trabalhar.

Afastado de funções desde que uma prostituta o acusou publicamente de frequentar as suas casas de serviços sexuais e de visualizar testemunhos de menores em pleno ato sexual — num processo que acabou arquivado —, o juiz Joaquim Manuel Silva pode não voltar à barra do tribunal. Dois anos depois de ser investigado e de ele próprio avançar com processos de difamação contra quem lhe apontou o dedo, o magistrado viu o Conselho Superior da Magistratura (CSM) arquivar o processo disciplinar que lhe foi movido. Mas, ao Observador, o juiz diz que pondera não voltar a trabalhar.

“Foram dois anos muito desgastantes. Um inferno que não desejo a ninguém, mas penso não ter condições para voltar. Se calhar, vou reformar-me”, disse por telefone ao Observador o juiz do Tribunal de Família e Menores de Mafra, que se tem dedicado às matérias da alienação parental e da igualdade parental. O magistrado tem estado de baixa médica e nunca chegou a ser suspenso de funções durante o procedimento disciplinar aberto e arquivado pelo CSM.

É preciso, porém, recuar a 2020 para perceber como a vida de Joaquim Manuel Silva se transformou a partir do momento em que é acusado de pagar por serviços sexuais. A primeira referência a um juiz que seria seu cliente é feita por Ana Loureiro, empresária na área dos serviços sexuais, em pleno Parlamento, em junho de 2020, durante uma audição promovida por uma petição pública que defendia a criação de um enquadramento legal da prostituição e a despenalização de lenocínio simples. Mais tarde, Ana Loureiro seria chamada à Procuradoria-Geral da República, onde acabaria por revelar que a sua declaração se referia a Joaquim Manuel Silva (num momento em que o Conselho Superior da Magistratura já investigava o caso).

Na altura, o magistrado trabalhava no Tribunal de Família e Menores, tinha livros publicados sobre a guarda parental, defendendo que a regra na lei quando um casal se separa fosse a guarda partilhada dos filhos em comum. Joaquim Manuel Silva participava frequentemente em conferências sobre o tema e era uma figura reconhecida no meio quando Ana Loureiro Marques fez a revelação que iria abalar sua reputação: o juiz era seu cliente e visualizava, em pleno ato sexual, vídeos com menores que descreviam abusos sexuais de que eram vítimas.

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"Foram dois anos muito desgastantes. Um inferno que não desejo a ninguém, mas penso não ter condições para voltar. Se calhar vou reformar-me"
Juiz Joaquim Manuel Silva

Uma audição para legalizar a prostituição que terminou com uma revelação bombástica

4 de junho de 2020. Ana, que o Ministério Público identifica como uma empresária de casas de acompanhantes que prestam serviços sexuais, foi ouvida na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias como uma das subscritoras da petição “Legalização da prostituição em Portugal e / ou Despenalização do lenocínio, desde que este não seja por coação”. Já quase no final da audição, para explicar as dificuldades da sua vida profissional, contou ter um cliente que era juiz e que em pleno ato sexual se excitava por visualizar imagens com menores que denunciavam terem sido vítimas de abusos sexuais. Seriam menores dos processos de que o juiz era titular.

Perante a gravidade da denúncia, a Comissão mandou o caso para a Procuradoria-Geral da República. Até ser aberto o inquérito, Ana recusou sempre revelar a identidade do magistrado, mesmo ao Conselho Superior da Magistratura. Só a 9 de julho, quando chamada a depor, diria sob juramento que o magistrado a que se referia era Joaquim Manuel Silva, juiz de direito no Tribunal de Família e Menores de Torres Vedras. Já à saída, interpelada por jornalistas da TVI, acabaria por divulgar o nome do magistrado.

Nos dias seguintes, Joaquim Manuel Silva ainda deu uma entrevista à Rádio Renascença alegando que nunca tinha estado em nenhum dos estabelecimentos de diversão explorados por Ana Loureiro Marques, que raramente recolhia depoimentos de menores, e quando o fazia ficavam no tribunal. Ao Ministério Público, mais tarde, acabaria por dizer que o único ponto que a ligava a esta mulher seria um despacho que proferiu num processo relativo aos pais dela por burla e falsificação e de usurpação de funções feito em 2004.

Fachada da Procuradoria-Geral da República, Lisboa, 23 de janeiro de 2020. MÁRIO CRUZ/LUSA

A Comissão de Assuntos Constitucionais participou à Procuradoria-Geral da República a denúncia de Ana Marques na audição parlamentar

MÁRIO CRUZ/LUSA

Conselho Superior da Magistratura abre processo

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) abriu um processo disciplinar e, ainda em setembro de 2020, começou a chamar testemunhas. Além de Ana Loureiro, chamou também um advogado, Gameiro Fernandes, que Joaquim Manuel Silva suspeitou estar envolvido numa “cabala montada contra si”. O advogado Gameiro Fernandes, que sempre defendeu que a guarda partilhada não devia ser uma regra da lei, mas aplicável consoante cada caso, tinha tentado contactar o juiz dias antes da aparição de Ana Loureiro na comissão parlamentar. É que, um dia depois de a prostituta conseguir falar da sua petição aos deputados, deveria ser o juiz Joaquim Manuel Silva a marcar presença naquela mesma comissão para — num contexto completamente diferente daquele que levou Ana Loureiro ao Parlamento — defender precisamente a imposição da guarda partilhada em processos de guarda de menores. Mas essa audição do magistrado não chegou a acontecer.

Ao que o Observador apurou, o advogado Gameiro Fernandes terá garantido aos juízes do CSM que desconhecia a empresário da área do sexo e nunca tinha falado ou estado com Ana Loureiro. E que tentou contactar Joaquim Manuel Silva precisamente pela questão da guarda partilhada.

O CSM arquivaria o processo disciplinar já em junho deste ano, depois de saber do arquivamento do processo-crime aberto na sequência da queixa da Comissão de Assuntos Constitucionais por alegado crime de pornografia infantil. Para o procurador Vítor Magalhães, que assina o despacho final a que o Observador teve acesso, não foi recolhida ao longo da investigação qualquer prova para indiciar o juiz da prática do crime.

Nesse despacho final, o procurador sublinha que, neste caso, não estava em causa sequer provar que Joaquim Manuel Silva frequentava casas de alterne — como o próprio tentou provar em documentação que juntou ao processo. Porque, “independentemente de quaisquer considerações de ordem moral e ética, [essa possibilidade] não integra a prática de qualquer crime”. Mas assume que a investigação se revestiu “de diversas dificuldades”: desde logo, não havia mais testemunhas além das denunciantes, e uma delas acabou por recuar no seu depoimentos. Mais. Os sistema de videovigilância existentes nas casas de alterne só gravavam imagens durante sete dias e, soube o Observador junto de uma fonte da investigação, até o tablet que o juiz alegadamente usava durante os atos sexuais fora furtado da sua casa, segundo uma queixa do próprio magistrado já depois da revelação de Ana.

Juiz acusado de pagar 1500 euros por uma hora de sexo para comprar o “silêncio” das acompanhantes

Nesse processo-crime por pornografia infantil, Ana Loureiro pormenorizou as vezes que Joaquim Manuel Silva teria estado com ela. Primeiro, numa casa em Lisboa que foi encerrada pelo SEF em 2019; e, depois, num segundo e espaço, também na capital, que Ana abriu posteriormente.

A empresária, que diz que o juiz só queria sexo oral, disse também que ele chegou a estar com outras acompanhantes, dando o nome da colega Ana Gomes, que se sentou ao seu ao lado durante a audição no Parlamento, quando apresentou a petição para legalizar a prostituição.

Conselho Superior de Magistratura abre inquérito a juiz acusado por prostituta de usufruir de práticas sexuais durante o trabalho

Ana Gomes, por seu turno, corroborou inicialmente a história e disse mesmo que, numa das vezes em que o magistrado a procurou, recusou fazer o serviço e foi Ana Loureiro Marques quem o fez. O magistrado, diziam, pagava 1500 euros à hora, um preço muito acima do praticado, mas que elas cobravam a quem tinha gostos mais “bizarros” e que funcionava também para pagar o seu “silêncio”.

Ambas as prostitutas desconhecem se o magistrado estava a ver vídeos de testemunhos, porque apenas ouviam a voz. Mas, disseram no processo, numa das vezes aperceberam-se mesmo de uma alegada interação entre o magistrado e uma criança.

Ambas as testemunhas garantiram ao Ministério Público que o magistrado teria estado na casa de alterne de Ana, em Lisboa, no final do ano de 2019 por três vezes, pelo menos, sempre ao final da tarde, início da noite.

Segundo a exposição enviada ao Conselho Superior da Magistratura

O Conselho Superior da Magistratura arquivou o processo disciplinar contra o juiz depois de o processo crime ter sido arquivado

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Acompanhante chamada a testemunhar volta atrás e diz que mentiu

Já em 2021, porém, acabaria por haver um volte face na investigação. O então namorado de Ana Gomes, que a conhecera na casa de alterne que entretanto Ana Loureiro abriu em Évora, terá contactado o juiz Joaquim Manuel Silva via rede social Linkedin para um encontro pessoal. Tinha algo muito importante a dizer-lhe. O encontro acabaria a acontecer no Redondo, uma vila a cerca de meia hora de Évora, em maio de 2021.

Nesse encontro, o companheiro de Ana Gomes acabaria por contar que a namorada — que até poucos meses antes tinha trabalhado para Ana Loureiro Marques, mas saíra incompatibilizada com a empresária — mentira no seu testemunho e que tinha sido coagida pela anterior empregadora a falar. Esta mudança de posição foi depois comunicada ao Ministério Público, que ordenou mesmo que Ana fosse alvo de um outro processo pelo crime de falsidade de testemunho. “Que razão tinha eu para inventar uma coisa destas?”, questiona agora Ana Loureiro numa entrevista que deu à SIC.

Ana Marques acusou o juiz Joaquim Manuel Silva de frequentar as suas casas para pagar por sexo oral enquanto visualizava imagens de menores a descreverem abusos sexuais de que foram vítimas.

Juiz faz queixa por difamação. Prostituta é acusada

Por esta altura, enquanto o procurador Vítor Magalhães investigava o alegado crime de pornografia infantil,  já o juiz Joaquim Manuel Silva tinha apresentado também uma queixa-crime por difamação contra a empresária.

Nesse processo, o juiz queixou-se de como Ana Loureiro divulgou o seu nome à comunicação social logo após prestar declarações. “Entre os dias 12 de julho de 2020 e 22 de setembro de 2020, em diversas ocasiões e lugares, tanto nos órgãos de comunicação social como nas redes sociais, a arguida reproduziu a história, que inventou contra o juiz”, escreve o Ministério Público no despacho final proferido já este mês de outubro de 2022 — e em que Ana é acusada dos crimes de denúncia caluniosa, falsidade de testemunho agravado e um crime de difamação agravada.

O Ministério Público recorreu mesmo a uma perícia que foi feita a Ana Marques em 2011 e que refere uma “imaturidade psicoafetiva, fraca expressão de afetos e emoções, dificuldades no controlo dos impulsos nas relações interpessoasis e socialização, traços narcísicos, ansiedade e depressividade” para descrever a denunciante e para provar que mentiu.

“Ao denunciar os factos que sabia serem falsos, o Dr. Joaquim Manuel Silva seria enxovalhado na praça pública”, escreve, desta vez, a procuradora Cláudia Ribeiro. “Mentiu” e sabia que “iria destruir a vida pessoal e profissional do juiz Joaquim Manuel Silva”, lê-se no despacho final.

O outro acusado no processo de difamação é um advogado

Também o advogado Gameiro Fernandes, que prestara declarações ao CSM, seria acusado de difamação. Mas num contexto diferente. É que durante todo este processo, uma antiga namorada do juiz contactou-o via rede social Facebook e chegou mesmo a encontrar-se com ele. Nas várias conversas que ambos mantiveram via redes sociais, pelo chat privado — algumas delas anexadas ao processo —, Gameiro Fernandes terá insultado Joaquim Manuel Silva.

Ministério Público acusou Ana Marques de difamação e um advogado que trocou mensagens com a antiga namorada do juiz e que o também terá difamado.

Segundo o Ministério Público, o advogado terá mesmo escrito a Ana Sofia Crespo que o juiz era “adito à cocaína e que frequentava casas de swing com outras colegas e que recebia dinheiro dos pais para beneficiar nas decisões que tomava”.

A procuradora considerou estas descrições “falsas e atentatórias da honra e consideração de qualquer pessoa”e acusou o advogado de um crime de difamação agravada no mesmo despacho em que acusou Ana Loureiro — que o advogado diz não conhecer.

Contactado pelo Observador, o advogado garantiu isso mesmo. Nunca a conheceu e não percebe como agora é acusado no mesmo processo que a empresária.

Sessão solene comemorativa do 48º aniversário do 25 de Abril na Assembleia da República. Contou com a presença do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, do primeiro-ministro, António Costa, do Governo, dos deputados e de vários convidados. Lisboa, 25 de Abril de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Ana Loureiro Marques apresentou uma petição na Assembleia da República para legalizar a prostituição

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Juiz disparou contra mais pessoas. Achou que estava a ser vítima de uma “cabala”

De acordo com o despacho do MP assinado pela procuradora Cláudia Ribeiro, Joaquim Manuel Silva começou por processar Ana Sofia Loureiro Marques por difamação, o Grupo Media Capital, um  jornalista e o então diretor de informação da TVI, Sérgio Figueiredo, por terem divulgado a informação. E já depois o magistrado acrescentaria mais nomes à lista de denunciados, além do de Gameiro Fernandes: a IURD, a empresa EBA — Emotional, Business Academy e a Dignidade, Associação para os Direitos das Mulheres e das Crianças. O juiz Joaquim Manuel Silva alega que foi vítima de “uma cabala” montada por Ana Loureiro, por uma estação de televisão, por um advogado, apoiada por várias associações que defendem posições diferentes das suas quanto à guarda parental.

A procuradora concluiu, porém, não haver provas suficientes para acusar todos os suspeitos indicados pelo juiz do crime de associação criminosa, de coação contra órgão constitucional ou de difamação agravada. “As conjeturas realizadas pelo assistente e a sua companheira da altura não são suficientes para construir uma versão sólida sobre a eventual intervenção destas pessoas e entidades, nem se pode ligar as tentativas de contacto do arguido Gameiro Fernandes a este factos”, entendeu a procuradora.

Porém, quanto ao advogado Gameiro Fernandes, a magistrada teve outra posição. O advogado foi alvo de duas queixas feitas no Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora pela então namorada de Joaquim Manuel Silva, Ana Crespo. Essas queixas foram juntas ao processo de difamação contra a prostituta, mas mais tarde Ana Crespo viria também a desistir delas (já depois de se separar do juiz).

Ainda assim, o Ministério Público entendeu estar perante um possível crime de “ameaça agravada e de coação” — crimes públicos — pelo que de nada valia à antiga companheira do juiz desistir da queixa. A procuradora acabou por acusar o advogado de um crime, embora de difamação agravada, considerando que o advogado trocou informações com uma pessoa “que não conhece ou conhece mal”, pelo que devia, segundo o Ministério Público, ter consciência de que aquele conteúdo poderia ser divulgado. Gameiro Fernandes, que recusou prestar declarações no inquérito, vai pedir a abertura de instrução para poder defender-se.

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