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Os jovens estão a viver "pequenos lutos" por causa da pandemia. Como a Covid-19 veio mudar a adolescência

Carolina sentia-se nervosa com a ideia de passar o vírus aos avós. Mariana diz que a passagem para a universidade não foi como imaginou. A pandemia deixou os jovens mais ansiosos. E mudou as famílias.

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Se 2020 fosse como se planeava no início do ano, Carolina Abel, 16 anos, estudante do ensino secundário em Lisboa, estaria agora a acabar de viver um verão em pleno. Tinha ido ao Rock in Rio em junho, ao Sol da Caparica em agosto e, pelo meio, visitaria pela primeira vez os Açores e Cuba. Mas todos estes planos ficaram em suspenso. Aliás, “a pandemia mudou praticamente tudo”: “Deixaram de haver saídas à noite com amigas, ir aos arraiais e concertos, os lanches e as conversas a seguir às aulas”, enumera a aluna que, em conversa com o Observador pelo WhatsApp, admite que “não tinha encarado de uma forma muito séria esta pandemia” quando o confinamento foi imposto em Portugal.

“Pensava que era uma coisa que ia durar um ou dois meses e depois voltaríamos à nossa rotina habitual”, conta. “Por um lado até fiquei contente porque sempre tive curiosidade em ter aulas em casa. Por outro lado, não tão satisfeita porque sabia que não poderia estar com os meus amigos e porque gosto mesmo muito de ir à escola presencialmente”.

Só quando “em quase todas as notícias era falado desta pandemia, quando pessoas começaram a morrer e a ficar com graves sequelas, os espaços a fecharem todos e as medidas de contingência a ficarem cada vez mais apertadas” é que a jovem percebeu a gravidade da epidemia de Covid-19 em Portugal e pelo mundo. E só então se apercebeu que também ela, o pai e os avós podiam ser atingidos pela doença.

Só quando "em quase todas as notícias era falado desta pandemia, quando pessoas começaram a morrer e a ficar com graves sequelas, os espaços a fecharem todos e as medidas de contingência a ficarem cada vez mais apertadas" é que a jovem percebeu a gravidade da epidemia de Covid-19 em Portugal e pelo mundo.

“Explicaram-me que os grupos de risco eram os idosos e as pessoas com problemas respiratórios. O meu pai e eu temos asma. E os meus avós também são de um grupo de risco. O que menos quero é que algo de mal aconteça aos meus avós e ao meu pai por irresponsabilidade minha“, desabafou Carolina. Sentiu-se ansiosa.

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Adolescentes estão mais ansiosos por causa da pandemia

Na verdade a adolescência já não é o que costumava ser desde que o novo coronavírus entrou nas nossas vidas. Foi uma das faixa etárias que mais sofreu, psicologicamente, os efeitos do confinamento, do fecho das escolas e fim de várias atividades. “Todos estamos a sentir-nos privados de determinadas experiências sociais e a ser obrigados a adaptar esses eventos às medidas de segurança exigidas, mas, para os adolescentes em particular, estas adaptações podem ser mais difíceis de aceitar e gerir“, confirma Raquel Carvalho, psicóloga clínica de crianças e adolescentes na Oficina de Psicologia, ao Observador.

Numa situação normal, ser adolescente já não é fácil. O corpo está a mudar, a personalidade começa a estruturar-se, a imagem que temos de nós próprios e dos outros também. “Há grandes descobertas e experiências, com vulnerabilidades e riscos específicos e que envolvem emoções à flor da pele difíceis de lidar numa fase de características únicas de maturação cerebral a decorrer”, descreve a especialista.

Mas esta metamorfose pode ser ainda mais dura quando, para lá das quatro paredes do quarto, um vírus ameaça o planeta inteiro. Numa altura em que “é comum haver um distanciamento das figuras parentais, devido à necessidade de afirmação e oposição à opinião dos adultos” e em que há uma “necessidade de pertença no grupo de amigos”, os adolescentes são obrigados em viver no sentido contrário: fecharem-se em casa com os pais e isolarem-se dos amigos.

O resultado? “Alguns jovens sentem que a sua adolescência foi interrompida“, relata Raquel Carvalho. Há vivências que ficaram em suspenso, não se sabe por quanto tempo e talvez para sempre. São os namoros que ficaram por concretizar, os concertos que ficaram por assistir, as competições que foram canceladas e os bailes e viagens de finalistas que nunca mais vão acontecer.

Numa altura em que "é comum haver um distanciamento das figuras parentais, devido à necessidade de afirmação e oposição à opinião dos adultos" e em que há uma "necessidade de pertença no grupo de amigos", os adolescentes são obrigados em viver no sentido contrário: fecharem-se em casa com os pais e isolarem-se dos amigos.

“Para os jovens são perdas dececionantes, pequenos lutos que se vão somando e não encontram espaço e nem relevância para serem ouvidos”, explica a psicóloga clínica. É desse vazio que brotam os episódios de ansiedade que Carolina Abel diz sentir: “Nos últimos meses temos recebido adolescentes em consulta que têm desenvolvido sintomas psicossomáticos de ansiedade”, confirma Raquel Carvalho.

Esses sintomas são, por exemplo, taquicardia, tremores, dor de cabeça e tonturas. A eles juntam-se também episódios de mudanças de humor repentinas, irritabilidade, agitação, choro fácil, tristeza, dificuldades em dormir, alterações no apetite, aborrecimento e perda de interesse por coisas que gostavam, acrescenta a psicóloga.

“Para alguns adolescentes, as mudanças decorrentes da pandemia, como a alteração de rotinas, interrupção de atividades de prazer e realização, afastamento dos amigos, ter mais tempo livre sem nada definido para fazer fê-los sentirem-se perdidos e provocou grande stress em relação à incerteza e desesperança em relação ao futuro”, explica a especialista.

Carolina Abel, a caminho do 11º ano, diz-se “um pouco frustrada”: “Nunca cheguei a aceitar muito bem, mas o que é que se pode fazer? Nestas situações temos de dar tempo ao tempo para ver como as coisas fluem. Talvez para o ano ou para o outro vá ter outra vez estas oportunidades. Não se sabe, tem de se esperar”.

“A passagem para a universidade foi muito diferente”

Mas há coisas que só acontecem uma vez e, para Mariana Sofia, 18 anos, a caminho do ensino superior, a pandemia impediu que se concretizassem. “Senti falta de coisas que, no fundo, fazem parte da vida de qualquer estudante, como o baile de finalistas e a despedida dos professores. Senti que a passagem para a universidade foi muito diferente”, analisa ela em conversa com o Observador.

Natural de Leiria, candidata ao curso de Engenharia Biomédica em Coimbra, Mariana acredita que “ficou imensa coisa por viver, principalmente por este ter sido o último ano no secundário”: “Tinha imensas coisas planeadas com amigos porque vamos todos para sítios diferentes e vai tornar-se complicado estarmos juntos”, conta.

Natural de Leiria, candidata ao curso de Engenharia Biomédica em Coimbra, Mariana acredita que "ficou imensa coisa por viver, principalmente por este ter sido o último ano no secundário": "Tinha imensas coisas planeadas com amigos porque vamos todos para sítios diferentes e vai tornar-se complicado estarmos juntos", contou.

Mesmo quando entrar para o ensino superior, as vivências da universidade podem ser diferentes: as praxes vão mudar, os jantares de cursos terão de ser organizados de acordo com as regras das autoridades de saúde e os estudantes terão de cumprir normas de distanciamento mesmo dentro das salas de aula. Nada do que imaginava há um ano.

Mariana diz-se “um pouco apreensiva”, mas sente-se mais “tranquila” quando pensa que tem amigos já na universidade a “fazer o melhor possível para haver segurança”. “A verdade é que nunca se sabe o que pode acontecer até se experimentar porque o vírus está em qualquer lado e não estamos seguros em praticamente lado nenhum”, relativiza.

Tem medo? “Claro”, responde, sobretudo porque vai estar sozinha pela primeira vez, longe da faamília e dos amigos mais próximos. Mas “vou fazer o meu melhor para me manter em segurança”, garante. E “se nesses jantares e praxes acabar por não me sentir segura, a decisão de deixar de ir terá de ser tomada”: “Sinceramente não sei o que esperar, é tudo uma grande incógnita, até estar mesmo lá e saber como vai ser tudo, não sei mesmo o que esperar”.

O que realmente é “stressante e revoltante” para Mariana é “ver como alguns presidentes reagiram a tudo isto, como no Brasil e nos Estado Unidos”: “Deixou-me frustrada por não reconhecerem o perigo e não cuidarem dos seus”. Por outro lado, a adolescente diz-se preocupada com os países que “não têm condições para se proteger”: “No fundo, toda esta situação faz-me sentir stressada e ansiosa por não saber o que vai acontecer e o que esperar”.

Pais e filhos vivem mais tensão familiar na era Covid-19

Não é complicado apenas para os adolescentes. “Foi definitivamente mais desafiante estar com a minha família 24 sob 24 horas fechados em casa. Havia muita tensão e qualquer coisinha gerava um stress e uma discussão enorme”, admite Carolina Abel. Parte do problema? “Desde que isto começou não tenho privacidade quase nenhuma”.

É uma queixa que Mariana Sofia também faz: “Estávamos seis em casa e eu não tinha o meu quarto, não tinha o meu espaço e andava sempre a saltar de sítio em sítio na casa. Sinto que perdi um pouco a minha privacidade e o meu espaço”, recorda a estudante. O confinamento trouxe tanto de bom como de negativo para Mariana: “O lado negativo foi ser muita gente a trabalhar ao mesmo tempo, mas também senti que as relações entre nós melhoraram um pouco”.

Num estudo do Instituto de Ciências Sociais publicado em junho descobriu-se que uma em cada cinco pessoas inquiridas reportou ter vivenciado mais momentos de tensão familiar durante o confinamento imposto pelo novo coronavírus do que sucedia antes da pandemia. Os jovens com 16 a 24 anos e os adultos com 45 a 54 anos — no fundo, os filhos e os pais — são os grupos etários que relatam ter vivenciado momentos de tensão familiar mais frequentes do que antes da Covid-19.

Uma em cada cinco pessoas inquiridas reportou ter vivenciado mais momentos de tensão familiar durante o confinamento imposto pelo novo coronavírus do que sucedia antes da pandemia. Os jovens com 16 a 24 anos e os adultos com 45 a 54 anos — no fundo, os filhos e os pais — são os grupos etários que relatam ter vivenciado momentos de tensão familiar mais frequentes do que antes da Covid-19.

O aumento dessa tensão familiar parece estar associada à alteração de rotinas, mas também à dificuldade em lidar com as restrições causadas pelo confinamento: “É também entre as pessoas cujos hábitos e rotinas se alteraram muito que se encontra uma maior proporção de inquiridos que reconheceram um aumento da frequência de tensões familiares”, sugere o relatório.

É assim porque “o confinamento obrigou a uma série de mudanças desafiantes”, nota Raquel Carvalho. A pandemia obrigou as famílias a criarem novas rotinas, a encaixar os horários de aulas online com o teletrabalho dos cuidadores e a reaprender a necessidade por privacidade dos membros da família.

E “conviver 24 horas por dia com a família, numa fase de vida em que naturalmente há uma preferência por convívio com o grupo de pares em detrimento da família”, pode tornar a tarefa mais difícil, considera a psicóloga, o que exige “compreender e gerir o turbilhão de emoções numa realidade nova e complexa tanto para os pais como para os filhos”.

Nem sempre isso acontece e, por isso, “os conflitos familiares podem ser mais frequentes e intensos, verificando-se um ambiente familiar mais tenso, e um maior isolamento dos adolescentes nos quartos”.

Mas o confinamento também trouxe pontos positivos à vida em família: “Algumas aproveitaram mais tempo passado em conjunto para conversar mais, criando oportunidades para conhecerem interesses e facetas dos filhos, partilharem o que pensam e sentem, algo que na azáfama da rotina é mais difícil de acontecer”.

Mas o confinamento também trouxe pontos positivos à vida em família: "Algumas aproveitaram mais tempo passado em conjunto para conversar mais, criando oportunidades para conhecerem interesses e facetas dos filhos, partilharem o que pensam e sentem, algo que na azáfama da rotina é mais difícil de acontecer".

Carolina Abel admite que sim, a pandemia também trouxe “bastantes pontos positivos”: “Estive muito mais tempo com a família, tive finalmente tempo para ver as minhas séries e filmes e ter tempo para mim própria”, acrescenta a adolescente.

Aliás, o mesmo estudo do Instituto de Ciências Sociais nota que um em quatro inquiridos afirma que o confinamento até trouxe menos conflitos familiares. Mas esses relatos vêm de estruturas familiares diferentes: são mais comuns nos participantes com 65 anos ou mais, em quem passou o confinamento em regime de layoff ou no caso de casais sem filhos.

Vida saudável, resiliência e inteligência emocional: como fazer frente à pandemia

Há três fatores que parecem determinar a capacidade de um adolescente digerir melhor ou pior o que está a acontecer. O primeiro é a “inteligência emocional”, isto é, da “capacidade de identificar e distinguir as emoções, em si e nos outros”, mas também de “expressá-las e geri-las de forma adequada”, explica Raquel Carvalho.

O segundo fator é “a rede socioafetiva, concretamente a qualidade das relações no grupo de amigos, bem como das relações familiares”. E o terceiro é a “resiliência”, ou seja, “a capacidade de adaptação que cada um de nós tem para lidar com a adversidade e os desafios, e ao stress que lhes é inerente”. É “algo que todos temos, nalguma medida, mas que requer ser desenvolvida ao longo da vida”, nota a psicóloga.

Mas é mais difícil para uns adolescentes do que para outros. “Há grupos de crianças e adolescentes que são particularmente afetados pelas consequências da pandemia”, nota a especialista. Um deles engloba os jovens com problemas de saúde, tanto físicos como mentais, ou os que já estavam socialmente menos integrados.

Outro grupo é o dos jovens cujos pais “apresentam vulnerabilidades emocionais”. Segundo Raquel Carvalho, os adolescentes que vivem com adultos “menos competentes em processar o sofrimento dos filhos” que os expõem a situação de stress — como em contexto de abuso de substâncias ou violência — são especialmente mais vulneráveis.

O terceiro grupo junta os filhos dos profissionais de saúde, que podem ser “mais intensamente atingidos pela pandemia”, que estão afastados dos pais e que “vivem com a ameaça constante da infeção”; e os adolescentes “cujos familiares foram infetados e ficaram gravemente doentes ou faleceram, ou cujos pais ficaram desempregados ou sofreram graves perdas económicas”.

O terceiro grupo junta os filhos dos profissionais de saúde, que podem ser "mais intensamente atingidos pela pandemia" que estão afastados dos pais e que "vivem com a ameaça constante da infeção"; e os adolescentes "cujos familiares foram infetados e ficaram gravemente doentes ou faleceram, ou cujos pais ficaram desempregados ou sofreram graves perdas económicas".

Mas há truques para tentar fazer frente a estas complicações. A psicóloga aconselha que se mantenha um estilo de vida saudável, com horários de refeições e rotinas de sono equilibrados, prática de exercício físico e atenção às horas que se passa à frente dos ecrãs.

Outra dica é “investir na autorregulação emocional”: é preciso estar “mais atento às emoções e oscilações comportamentais”. “A aprendizagem de exercícios de respiração ou meditação ajuda a reduzir o stress. Conversar com alguém de confiança sobre o que pensam e sentem e não ter receio de pedir ajuda, poderá fazer toda a diferença”, aconselha Raquel Carvalho. Além disso, por mais importante que seja manterem-se informados sobre a pandemia, “deve evitar-se a a sobre-exposição a informações se sentirem que isso lhes causa mais angústia e ansiedade”.

A última mensagem é para os cuidadores: “Os pais devem estar atentos, validar as emoções dos filhos e não minimizar as suas queixas. Devem ouvir, compreender e mostrar-se disponíveis para conversar e ajudar”.

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