Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa foram os autores das agressões que duraram cerca de 20 minutos e que levaram à morte de Ihor Homeniuk. Mas, na madrugada antes, houve vigilantes que amarraram o cidadão ucraniano “como uma embalagem, com fita adesiva”, houve pessoas que o viram a ser agredido e nada fizeram, outras que viram o estado em que ficou depois e não chamaram ajuda. E houve ainda elementos com funções de chefia que sabiam que Ihor tinha sido deixado algemado e não mostraram preocupação.

António Henriques, João Agostinho, João Diogo, Manuel Correia, Paulo Marcelo, Rui Rebelo e Jorge Pimenta. São estes os nomes dos novos sete suspeitos no caso da morte de Ihor Homeniuk.

Inspetores do SEF mataram, mas sem intenção. Queriam que Ihor percebesse que tinha de ficar “quieto” — e fizeram-no com violência

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Quase três meses depois dos três inspetores do SEF terem sido condenados, o Ministério Público extraiu uma certidão do acórdão que os condenou para que mais pessoas sejam investigadas por suspeitas de crimes de omissão de auxílio e ofensas à integridade física graves. Os novos suspeitos foram testemunhas durante o julgamento de Luís Silva, Duarte Laja e Bruno Sousa, mas os seus depoimentos deixaram dúvidas sobre se teriam também tido alguma responsabilidade na morte do cidadão ucraniano ou se a podiam ter evitado e não o fizeram.

Agora, vão ser investigados e poderão vir a enfrentar um julgamento. Mas quem são, o que fizeram, segundo o acórdão de onde foi extraída a certidão, e o que mostram as imagens de videovigilância do Centro de Instalação Temporária (CIT)?

Diretor de fronteiras do SEF, inspetores e vigilantes. Ministério Público quer acusar mais sete suspeitos pela morte de Ihor Homeniuk

Diretor de Fronteira de Lisboa do SEF, António Henriques

Após receber uma queixa pelo comportamento de Ihor Homeniuk, pediu que fossem enviados inspetores à sala

Não teve contacto direto com a vítima, mas foi a pessoa que fez a comunicação via rádio a pedir que fosse enviado alguém ao Centro de Instalação Temporária para ir “falar com o passageiro”, depois de ter recebido uma queixa “pelo comportamento de Ihor Homeniuk”, detalha o acórdão. No entanto, neste pedido que faz, “não concretiza qual o resultado pretendido a não ser que era preciso falar com o passageiro”. O problema, no entender do tribunal, veio depois.

Após ter sido “informado pelo inspetor-coordenador João Agostinho de que o problema estava resolvido, não se preocupou mais com o assunto“. Agora, o Ministério Público quer investigá-lo por um alegado crime de omissão de auxílio. Durante oito horas, Ihor Homeniuk esteve algemado com as mãos atrás das costas e de barriga para baixo, tal como os três inspetores condenados o deixaram — esta posição provocou uma asfixia mecânica que, segundo a autópsia, foi a causa da morte. Ouvido como testemunha, “escudado na delegação de competências” no entender dos juízes, António Henriques disse que “quem algema tem de comunicar à hierarquia” e cabe à hierarquia “acompanhar e mandar alguém acompanhar” — neste caso, o inspetor-chefe João Diogo e o inspetor de turno João Agostinho, que o MP quer também investigar, eram quem tinha a responsabilidade de garantir que o cidadão tinha sido desalgemado, segundo explicou.

Inspetor-coordenador João Agostinho

Foi à sala diversas vezes, incluindo quando Ihor estava a ser agredido: “Nada fez, comentou ou comunicou”

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Há vários momentos que os juízes apontam no acórdão sobre o inspetor-coordenador João Agostinho que terão levado o MP a querer investigá-lo pelo crime de omissão de auxílio. O primeiro é ainda antes da chegada dos três inspetores condenados à sala onde viriam a agredir Ihor Homeniuk. O inspetor-coordenador “espreitou duas vezes pela porta” da sala e “nada fez”. “Diversos relatos confirmam que antes da chegada dos arguidos a vítima estava presa com fita adesiva nas pernas. Não lhe suscitou qualquer reação?”, questionaram os juízes.

Depois, também durante o momento em que os três inspetores estavam a agredir Ihor Homeniuk, João Agostinho “espreitou duas vezes pela porta” e “nada fez”: “Nada viu que suscitasse a sua intervenção”, refere o acórdão. Aliás, ouvido como testemunha em tribunal, afirmou que quando espreitou para dentro da sala, Ihor Homeniuk estava até “de pé, sem algemas, com os arguidos” — algo que foi desmentido pelos próprios inspetores. “Nem estes confirmam tal postura. Ihor Homeniuk terá estado sempre contido, no chão, de mãos presas”, lê-se no acórdão.

Nos momentos que se seguiram, e apesar de ser coordenador, João Agostinho foi “tomar o pequeno-almoço, como foi dito por vigilantes, como fazia sempre que estava de serviço”, indica o acórdão. “Apesar de se estar a desenrolar todo o drama que envolveu esta vítima, alheou-se dos eventos e nada fez, comentou ou comunicou”, criticam os juízes.

Inspetor-chefe João Diogo

Após o pedido do diretor de fronteira, escolheu três inspetores para ir à sala. Sabia que Ihor tinha ficado algemado

Também o inspetor-chefe João Diogo “não teve contacto direto com a vítima”. Foi a pessoa que escolheu os três inspetores para ir à sala onde estava o passageiro. Explicou que a sua escolha foi feita “sem qualquer critério” sem ser o facto de Luís Silva, Bruno Sousa e Duarte Laja estarem disponíveis para ir. Em tribunal, repetiu que o objetivo era apenas “acalmar” Ihor Homeniuk, embora nunca tivesse esclarecido como isso seria feito.

O inspetor-chefe João Diogo garante que, já depois de os três arguidos terminarem a sua “intervenção”, um deles lhe disse que “Ihor Homeniuk tinha ficado algemado”. Na sequência disso, assegura “ter transmitido tal informação ao inspetor-coordenador João Agostinho e ao diretor de fronteira”. No entanto, os juízes ressaltam que “depoimento começou a ficar menos coerente e, por isso, menos credível, menos esclarecedor, quanto a esta questão”. Certo é que nem ele nem ninguém foi verificar o estado em que tinha ficado Ihor Homeniuk, que acabou por morrer após mais de oito horas algemado. Agora, o Ministério Público também o quer investigar por omissão de auxílio.

Vigilante Manuel Correia

Admitiu que colocou fitas adesivas nas pernas de Ihor por duas vezes “sem ordem ou autorização” para o fazer

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Manuel Correia era um dos vigilantes que estava no CIT na madrugada anterior à sua morte. Ihor Homeniuk passou essa madrugada agitado, provocando diversos distúrbios — o que levou os vigilantes a chamarem por várias vezes inspetores do SEF para tentarem resolver a situação. Numa dessas vezes, por volta da 1h00 da manhã, depois de os inspetores abandonarem o CIT, o vigilante Manuel Correia e o colega Paulo Marcelo tomaram a iniciativa de prender o cidadão ucraniano “com fita adesiva à volta dos tornozelos e dos braços”, por iniciativa própria “sem ordem ou autorização” para o fazer, segundo o acórdão.

O mesmo voltou a acontecer às 5h00 da manhã. Por volta dessa hora, inspetores do SEF voltaram a ser chamados porque Ihor continuava agitado: prenderam o cidadão ucraniano com lençóis e deram indicações aos vigilantes para os cortarem assim que o homem adormecesse. Mas nem meia hora depois, Manuel Correia voltou a ir à sala e, como Ihor Homeniuk estava a tentar libertar-se dos lençóis, voltou a prendê-lo com fitas adesivas nas pernas.

Ouvido como testemunha em tribunal, Manuel Correia admitiu que tomou a “iniciativa” de colocar as fitas adesivas nas pernas de Ihor Homeniuk. E agora o Ministério Público quer investigá-lo pela prática, em concurso efetivo, de um crime de ofensas à integridade física e um crime de omissão de auxílio.

Vigilante Paulo Marcelo

É visto a sair da sala a coxear — o que fez com que fosse apontado como agressor — e também atou Ihor com fita

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As imagem de videovigilância que mostram Paulo Marcelo a sair da sala onde estavam Ihor Homeniuk a coxear fez com que fosse “muitas vezes apontado pelas defesas [dos três inspetores julgados] como um agressor da vítima. Sobre isso, diz apenas que se tinha magoado porque o cidadão ucraniano teria mandado um sofá contra si. Certo é que o Ministério Público quer investigá-lo pela prática, em concurso efetivo, de um crime de ofensas à integridade física e um crime de omissão de auxílio.

Ouvido como testemunha, “assumiu com frontalidade que o uso de fita adesiva partiu dos vigilantes e que colaborou na sua colocação, pois esse terá sido o único método pelo qual conseguiram manter Ihor Homeniuk numa condição na qual ele não provocaria distúrbios”.

Vigilante Jorge Pimenta

Apercebeu-se da “incapacidade” de Ihor para “se mexer” após a intervenção dos inspetores, mas relativizou

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Faz parte da equipa de vigilantes que começou a trabalhar às 8h00 de dia 12 de março, pouco antes de os três inspetores terem entrado na sala onde estava o passageiro. Jorge Pimenta garantiu em tribunal que “não se terá apercebido da conduta dos arguidos”, mas assumiu “o pouco que foi feito durante o dia para acudir a Ihor Homeniuk no seu martírio“, lê-se no acórdão. Os juízes que julgaram o caso criticaram o facto de “a incapacidade da vítima de reagir, se mexer, alimentar-se” ser “notória”, mas “mesmo assim, as algemas terem-se mantido “colocadas”. Os magistrados entenderam que, apesar de Jorge Pimenta descrever “um quadro compatível com dor e sofrimento”, “relativiza os sinais e afirma que não percebeu que Ihor Homeniuk estivesse com dores”. Vai ser investigado por suspeitas do crime de omissão de auxílio.

Vigilante Rui Rebelo

É conhecido como um vigilante “proativo”, mas naquele dia não terá chamado ninguém para ajudar Ihor

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O vigilante Rui Rebelo também fazia parte do turno que entrou pouco antes de Ihor Homeniuk ser agredido e que esteve de serviço nas horas que se seguiram. Os juízes concluíram, através do depoimento dos vigilantes, que Rui Rebelo era visto entre os colegas como “o mais proativo”. Por isso, o tribunal não percebe “o vazio de ações” naquele dia 12 de março. Ihor Homeniuk esteve durante mais de oito horas algemado e ninguém chamou ajuda.

Certo é que estes sete nomes foram apenas indicados pela procuradora Leonor Machado, que entendeu que há indícios suficientes para os investigar. A lista pode aumentar ou diminuir. Mais: caso venha a provar-se que estas pessoas fizeram o que estava ao seu alcance, poderão nunca ser acusadas. Este é, no entanto, um sinal de que o caso da morte nas instalações do SEF ainda não chegou ao fim.