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Nascido a 14 de setembro de 1978, Ron DeSantis nasceu em Jacksonville, na Florida, mas cresceu numa cidade mais a sul daquele estado, Dunedin

The Washington Post via Getty Im

Nascido a 14 de setembro de 1978, Ron DeSantis nasceu em Jacksonville, na Florida, mas cresceu numa cidade mais a sul daquele estado, Dunedin

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Ron DeSantis: o "Trump sem dramas" e "anti-woke" que ficou em terra de ninguém nas primárias republicanas

Governador baseou campanha em cativar eleitorado conservador, mas primárias mostram que republicanos estão com Trump e não querem um "de marca branca". DeSantis já só quer "salvar carreira política".

    Índice

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O ano era 2017 e alguém jovem e sem grande peso no Partido Republicano candidatava-se ao cargo de governador da Florida. Mas esse homem tinha do seu lado um apoio com grande influência: o do outrora Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, que o tinha conhecido através da televisão. Um dia, após um programa da Fox News, o magnata recorreu ao X (conhecido na altura como Twitter) para fazer uma declaração pública que ia mudar para sempre a carreira de Ron DeSantis: “É um jovem líder brilhante. Yale, Direito em Harvard e seria um excelente governador da Florida. Ele ama o seu país e é um verdadeiro lutador”.

“O verdadeiro lutador” patriota agradeceu igualmente em praça pública. Para publicitar a sua campanha para governador da Florida, Ron DeSantis gravou um vídeo cheio de referências ao antigo chefe de Estado norte-americano, como a célebre frase “You’re Fired” — usada pelo magnata no programa The Apprentice — ou o muro na fronteira. Era Casey DeSantis, mulher do então congressista nascido em 1978, quem começava logo por lembrar: “Todos sabem que o meu marido tem o apoio de Donald Trump. Mas ele também é um pai excelente. O Ron adora brincar com crianças”. 

Ao lado dos dois filhos, num momento de partilha bastante raro, Ron DeSantis mostrava uma faceta de pai preocupado e acérrimo apoiante de Donald Trump, uma combinação que serviu como um impactante cartão de visita para aquele novato em cargos de relevo na política norte-americana. E parece ter funcionado: o político de 39 anos conseguiu vencer as eleições, se bem que por apenas 32.463 votos, derrotando o democrata Andrew Gillum. Mas havia já uma frase na campanha publicitária, dita por Casey DeSantis, que parecia adivinhar o futuro: “As pessoas dizem que ele é apenas Trump, mas ele é muito mais”. 

Quase sete anos depois, a relação entre Ron DeSantis e Donald Trump azedou. Aliás, o magnata adotou de forma pejorativa o nome “Ron DeSanctiminous” (de sanctiminous, que pode ser traduzido para hipócrita ou falso beato em português) para se referir ao seu ex-aliado político. Entretanto, muito mudou. Donald Trump saiu da Casa Branca, foi substituído por Joe Biden, sendo subsequentemente alvo de vários processos judiciais. Quase em sentido inverso, o governador foi ganhando capital político: obteve uma vitória para ser reeleito na Florida em 2022 e foi muito aplaudido pelos republicanos pela sua gestão da pandemia da Covid-19 e pelo seu discurso contra o que diz serem as “políticas woke“, começando inclusivamente uma guerra judicial contra a Disney. Make America Florida [Tornem a América na Florida]” é inclusivamente um dos slogans da campanha de Ron DeSantis.

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Impulsionado por vários apoiantes — o próprio chegou a admitir que recebeu “imensas chamadas” de incentivo — e com bons resultados nas sondagens, Ron DeSantis avançou para uma candidatura às presidenciais de 2024 em maio do ano passado, sendo na altura visto como o futuro do Partido Republicano, principalmente da ala mais à direita. Muitos viam no governador alguém que podia seguir as pisadas das políticas e do estilo mais aguerrido de Donald Trump, mantendo simultaneamente uma postura mais discreta e com muito menos polémicas associadas. “Trump com cérebro”, “Trump sem bagagem”, “Trump sem dramas”: foram os cognomes que foi ganhando ao longo dos últimos meses.

Contudo, poucos, incluindo Ron DeSantis, contavam que o ex-Presidente voltasse a conquistar grande parte do Partido Republicano. As polémicas, a invasão do Capitólio e os processos judiciais até podem ter tido um efeito negativo em torno da imagem de Donald Trump. No entanto, tudo foi passageiro. O magnata voltou a cativar os republicanos, principalmente os mais radicais, com base numa ideia: de que está a ser alvo de uma “caça às bruxas” orquestrada por Joe Biden e pela “extrema-esquerda radical” — os democratas —, que estão a instrumentalizar a Justiça e a tentar ganhar na secretaria.

Donald Trump Holds Make America Great Again Rally In Tampa

Ron DeSantis e Donald Trump juntos em 2018

Getty Images

Tudo isto fez a candidatura nas primárias republicanas de Ron DeSantis perder grande impulso. As sondagens assim o mostram, tal como o resultado que obteve no caucus do Iowa: em segundo lugar com 21%, mas muito longe dos 51% do seu antigo aliado e muito perto de Nikki Haley, a antiga embaixadora das Nações Unidas que está a ganhar grande relevância na campanha ao cativar os mais moderados. Questionado durante uma entrevista sobre o que mudava na sua campanha se pudesse, o governador da Florida admitiu abertamente: “Eu desejava que Trump nunca tivesse sido indiciado em nada… Distorceu as primárias. Distorceu a Justiça. Também acho que muita coisa ficou de fora [do debate]. E sugou muito oxigénio”.

Na mesma entrevista, Ron DeSantis parecia já justificar os resultados aquém do esperado, disparando contra os democratas. Atirando a Joe Biden e ao Departamento de Justiça, o governador sublinhou que a Justiça “como extensão da política” leva a situações “muito perigosas”. “Os democratas têm um plano, os meios de comunicação social têm um plano e chega a um ponto em que Trump já foi nomeado candidato dos republicanos seis meses antes. Há um plano para as coisas funcionarem deste modo”, afirmou. Ou seja: o antigo congressista sugere que há um plano para o derrotarem, numa estratégia que é, de resto, idêntica à do antigo Presidente, para descredibilizar os processos judiciais de que é alvo.

Todos estes indicadores negativos fazem com Ron DeSantis possa estar à beira de anunciar a sua desistência das primárias republicanas. Ideologicamente, o seu espaço está ocupado pelo antigo chefe de Estado, enquanto os republicanos anti-Trump preferem Nikki Haley, que se distancia do magnata e tenta seduzir os mais moderados. Em declarações ao Observador, Bernard Tamas, professor de Ciência Política na Universidade Estatal de Valdosta, na Georgia, diz mesmo que o governador já não está na corrida para “vencer”. Ao invés disso, está a “tentar salvar a sua carreira política”: “Se ele conseguir pelo menos chegar a um segundo lugar respeitável contra Trump, pode ter uma chance de tentar e concorrer a Presidente outra vez no futuro”.

"Se Ron DeSantis conseguir pelo menos chegar a um segundo lugar respeitável contra Trump, pode ter uma chance de tentar e concorrer a Presidente outra vez no futuro"
Bernard Tamas, professor de Ciência Política na Universidade Estatal de Valdosta

O arranque com falhas no X, o Trump de “marca branca” e o ‘não’ dos eleitores moderados: o que correu mal na campanha do republicano?

A 24 de maio de 2023, Ron DeSantis inaugurou uma nova plataforma no X, na altura ainda chamado de Twitter. O governador ia anunciar a sua candidatura no X Spaces, em que os utilizadores podem falar uns com os outros livremente. Numa conversa com o dono da rede social, Elon Musk, o republicano tentou apresentar as suas ideias. Mas começou logo por correr mal: o sistema foi abaixo várias vezes durante a transmissão, que começou 20 minutos atrasada, devido às falhas técnicas.

Donald Trump não perdoou o deslize do adversário. Numa publicação na rede social fundada pelo magnata, Truth Social, o antigo Presidente considerou um “desastre” o que aconteceu no X, vaticinando que toda a sua campanha seria outro “desastre”. Noutro post, o antigo Presidente questionou (e respondeu logo a seguir): “Foi o lançamento da campanha de DeSantis fatal? Sim!”.

Em resposta a todas as críticas, Ron DeSantis defendeu a sua estratégia e justificou as falhas técnicas com o número elevado de pessoas a entraram no X Spaces que queriam assistir à sua conversa com Elon Musk. O governador desejava igualmente fazer chegar a sua mensagem a novos públicos — mais jovens e urbanos. Apesar das justificações, a imagem de uma campanha pouco promissora começava a ficar colada à sua pele, ao mesmo tempo que Donald Trump ia ganhando mais força.

"Foi o lançamento da campanha de DeSantis fatal? Sim!"
Donald Trump sobre lançamento da campanha de Ron DeSantis no X

O mau arranque da campanha de Ron DeSantis, capitalizado igualmente pelos adversários, fez a sua candidatura perder muito do seu brilho. Em meados de janeiro de 2023, por exemplo, o governador da Florida tinha cerca de 30% das intenções de voto. Donald Trump continuava à frente com 45%, mas havia uma esperança de que a corrida seria, pelo menos, competitiva. Aconteceu precisamente o inverso: o magnata canibalizou os possíveis eleitores daquele que um dia havia sido o seu protegido político.

Aqueles bons números nas sondagens deveram-se a duas grandes vitórias políticas de Ron DeSantis no ano de 2022. Uma delas passou por ser reeleito com 59,4% dos votos nas eleições para governador, ao passo que os democratas se ficaram pelos 40%. A ínfima vantagem de 2018 de cerca de 30 mil votos tinha-se convertido numa diferença de mais de 1,5 milhões de votos em relação aos rivais. Além disso, as eleições intercalares não correram tão bem quanto esperado para os republicanos, que não conseguiram tirar o Senado ao Partido Democrata e obtiveram uma maioria pouco expressiva na Câmara dos Representantes.

Na altura, o partido ainda era liderado de facto por Donald Trump, o que fez com que vários republicanos temessem que este fosse um sinal de que as presidenciais de 2024 iam ser difíceis para o partido. Assim sendo, incentivados pelos bons resultados de Ron DeSantis na Florida e pelo estatuto de político antissistema que foi ganhando ao longo dos anos, olharam para o governador como alguém capaz de enfrentar os democratas, a uma escala federal.

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Ron DeSantis juntamente com a mulher e os filhos a celebrarem a vitória nas eleições governamental da Florida de 2022

AFP via Getty Images

Isso foi, não obstante, um erro de avaliação dos republicanos, considera Bernard Tamas. “DeSantis não é claramente um político carismático como ele se tinha vendido”, diz o docente universitário, que elabora sobre os bons resultados obtidos pelo republicano nas eleições para governador na Florida. “Embora ele tenha recebido uma alta percentagem dos votos quando foi reeleito em 2022, o que foi apresentado como uma prova da sua força para candidato presidencial, outros candidatos republicanos na Florida também receberam mais ou menos a mesma percentagem dos votos”, explica o professor de Ciência Política, concluindo: “Não houve realmente nada de excecional sobre o número elevado de votos que DeSantis recebeu”.

Para além de os republicanos o terem sobrevalorizado, também houve um erro nas prioridades da sua campanha. O governador da Florida envergou várias bandeiras de Donald Trump, juntando um travo ainda mais conservador. Por exemplo, Ron DeSantis aprovou uma lei no estado que governa para proibir a discussão sobre orientação sexual ou identidade de género nas salas de aula até ao fim do ensino secundário. E começou uma luta contra a Disney, porque a multinacional criticou a legislação, sendo que o político terá retaliado ao retirar privilégios fiscais àquela empresa — o que motivou um processo em tribunal.

“DeSantis apresentou-se como uma alternativa muito conservadora face a Trump. O problema é que a maioria dos conservadores republicanos são apoiantes acérrimos de Trump que parecem  manter inabalável o seu apoio. Parece improvável que algum candidato possa vencer Trump entre esses eleitores republicanos”, clarificou ao Observador Bernard Tamas, autor do livro The Demise and Rebirth of American Third Parties. 

"DeSantis apresentou-se como uma alternativa muito conservadora face a Trump. O problema é que maioria dos conservadores republicanos são apoiantes acérrimos de Trump que parecem manter inabalável o seu apoio a Trump"
Bernard Tamas, professor de Ciência Política na Universidade Estatal de Valdosta

O professor de ciência política norte-americano insiste que o “grande problema” de Ron DeSantis durante esta campanha foi “apresentar-se como a melhor alternativa a Trump”, dando a entender que era “alguém que tinha as mesmas visões populistas e políticas agressivas contra liberais e que era mais capaz, face a Trump, de ganhar uma eleições presidenciais e depois governar”. Ou seja, o governador da Florida desejava que os republicanos considerassem que ele era a melhor pessoa para chegar à Casa Branca — não por causa da suas ideias políticas (idênticas à do ex-Presidente), mas antes pela sua conduta sem grandes controvérsias. A idade também entrou na equação da campanha do antigo congressista, arrogando ser um rosto jovem com 45 anos, em oposição a Donald Trump (74 anos) e Joe Biden (81 anos).

Nenhuma destas estratégias resultaram. Em declarações ao Observador, Stephen Craig, professor de ciência política na Universidade da Florida, opina que alguns republicanos querem “realmente livrar-se de Trump”, mas a maioria continua a apoiá-lo. “Não vejo nada que me faça pensar que possa fazer Trump ser desafiado”, assegura, assinalando que os processos judiciais não influenciaram a opinião do partido. “Não vejo nenhuma razão para acreditar que ele não será o candidato republicano.”

Como analisa o jornalista Zack Beauchamp do site Vox, Ron DeSantis tentou fazer com que o trumpismo vingasse sem Donald Trump. Por conta de um perfil mais discreto e usando uma retórica bastante crítica do movimento woke, o governador da Florida esperava que os apoiantes abandonassem o ex-Presidente e estivessem do lado dele. Mas vários republicanos prefere escolher, continua o jornalista, o Trump “genuíno” em vez do “Trump de marca branca”.

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Republicanos mais conservadores preferem Donald Trump a Ron DeSantis

AFP via Getty Images

Donald Trump continua a ser rei e senhor da ala mais radical do Partido Republicano — e Ron DeSantis não teve sucesso em tirar-lhe esse estatuto durante a campanha. “A lógica por detrás da sua candidatura nunca se materializou”, vinca Bernard Tamas. Já a ala mais moderada também não considera o governador um bom candidato. “Os conservadores mais centristas parecem ter gravitado para a campanha de Nikki Haley”, revela Bernard Tamas, clarificando o motivo: “Em parte, porque DeSantis fez campanha tão à direita para atrair os apoiantes de Trump”. Como não conseguiu, o docente universitário não tem dúvidas: “Não existe qualquer caminho realista para vencer as primárias”.

A antiga governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora da Organização das Nações Unidas durante o mandato de Donald Trump aparece agora em várias sondagens em segundo lugar nas primárias, superando Ron DeSantis. Isso acabou por não se materializar no Iowa, em que Nikki Haley ficou em terceiro com menos dois pontos percentuais do que o governador da Florida, mas no próximo estado a votar para as primárias — o New Hampshire — há boas perspetivas para a candidata.

Um duelo entre Donald Trump e Nikki Haley aparenta, assim, ser o mais provável, deixando de lado Ron DeSantis. Sem embargo, o candidato ainda está concentrado em conquistar estados em que o partido republicano costuma dominar, como curiosamente na Carolina do Sul, de onde a antiga diplomata é natural. Isto porque, segundo acredita Bernard Tamas, o governador da Florida não vai desistir da corrida das primárias pelo menos para já. 

epa10642429 Florida Governor Ron DeSantis speaks during the Florida Family Policy Council 18th Annual Dinner Gala at the Rosen Plaza Hotel in Orlando, Florida, USA, 20 May 2023. According to several media sources, DeSantis is expected to file Federal Election Commission paperwork declaring his candidacy next week in Miami, Florida. Florida Family Policy Council (FFPC) is one of 38 state-based policy councils around the country associated with the Family Policy Alliance.  EPA/CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH

Governador da Florida não deve desistir da corrida das primárias pelo menos para já

CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH/EPA

“Pelos seus cálculos mais prováveis, se ele desistir agora, vai parecer fraco”, conjetura o docente na Universidade Estatal de Valdosta, acrescentando que isso pode ser uma machadada nas suas “ambições presidenciais a longo prazo”, ou seja, numa era pós-Trump. E talvez, prossegue Bernard Tamas, pode “prejudicar a sua capacidade de governar a Florida”. “Por todas estas razões, é provável que ele se mantenha na corrida até que ele fique sem dinheiro e não tenha outra escolha a não ser desistir.”

Os doadores privados da campanha de Ron DeSantis já admitiram que poderão cortar o financiamento ao republicano. À Bloomberg, um deles, David Bahnsen, já reconheceu que é “improvável” que o governador da Florida receba mais “apoios” nesta fase das primárias. “Ele teve um desempenho inferior às expectativas que estavam colocadas nele há seis meses. Foram expectativas que fizeram que lhe atribuíssem dez milhões de dólares no Iowa para visitar todos os 99 condados do estado”, acrescentou.

Católico, com um currículo invejável e reservado. Quem é Ron DeSantis?

Nascido a 14 de setembro de 1978, Ron DeSantis nasceu em Jacksonville, na Florida, mas cresceu numa cidade mais a sul daquele estado, Dunedin. Os seus bisavós maternos e paternos eram originários do sul de Itália e estabelecerem-se, quando chegaram aos Estados Unidos da América, entre o estado da Pensilvânia e o do Ohio. Devido às suas raízes italianas, o atual governador da Florida é católico, tendo inclusivamente estudado numa escola católica.

Ron DeSantis aos 18 anos

Na Florida, Ron DeSantis nasceu no meio de uma família de classe média: a mãe era enfermeira, o pai instalava aparelhos da empresa Nielsen para medir audiências. Em entrevista ao Politico, o republicano identificou-se mais com a personalidade da mãe: “Era confiável, muito equilibrada e muito concentrada, como um laser”. Os seus avôs eram operários; uma campanha publicitária até o apresentava como o “neto de operários”, tendo como objetivo compatibilizar-se com os eleitores brancos norte-americanos e não apenas com colarinhos brancos.

Apesar de nascer na Florida, o republicano não se identificava com a cultura heterogénea do estado do sunshine. A localidade onde cresceu sofreu uma modificação nos anos 80, principalmente pela abertura de um negócios LGBT+, como conta o jornal Miami Herald. Este ambiente cultural mais vibrante, contudo, não entrava na rotina do jovem Ron DeSantis, que se baseava em três pilares: escola, igreja e basebol. Este desporto é, aliás, uma grande paixão do atual governador da Florida, que ainda hoje em dia acompanha tudo o que acontece naquela modalidade.

Desportista nato, excelente aluno e católico praticante. Tudo isto o fez tornar-se num dos estudantes mais populares da escola que frequentava, em que pertencia à tribo dos jocks — os típicos atletas que eram bastante populares durante o secundário, ainda que Ron DeSantis nunca descurasse os estudos e até conseguisse conciliar tudo isto com alguns empregos em part-time. Todo este percurso escolar brilhante fez com que entrasse nas melhores universidade dos Estados Unidos: a de Yale, onde estudou História, disciplina que sempre havia sido a sua favorita.

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Ron DeSantis em 2013 quando era congressista

CQ-Roll Call, Inc via Getty Imag

Em Yale, Ron DeSantis teve a perceção real do que era a política. Como escreve o jornal Times, o “miúdo de colarinho azul” da Florida estava entre “estudantes de famílias milionárias”. O republicano achava estranho que muitos considerassem, no campus da universidade, que “o comunismo era superior”. Na sua autobiografia The Courage to Be Free, o republicano fez uma autorreflexão sobre o seu percurso político. “Lembro-me de estar numa aula em que um grupo dizia que a culpa não era toda da União Soviética. Que a América tinha originado muitas coisas más. Mas deixem-me ser claro: não há equivalente moral entre o Ocidente e a União Soviética. Sabe-se que pessoas morreram na União Soviética às mãos do comunismo.”

“Nunca experimentei isto em Dunedin”, prossegue Ron DeSantis, dando a conhecer mais sobre a atmosfera política daquela cidade. “Não havia um ambiente em que as pessoas questionavam a existência de Deus, onde as pessoas eram tão negativas com a América. Eu não sabia se era republicano ou democrata quando estava a crescer e isso não importava”, lembra, acrescentando: “Quando entrei em Yale, foi aí que experienciei o pensamento mais à esquerda. E foi contra isso que lutei e me rebelei”.

A par de estudar História, Ron DeSantis foi o capitão da equipa de basebol, tal como tinha sido o ex-chefe de Estado norte-americano, George W. Bush. Na biografia The Courage to Be Free, o governador lembra que simpatizava mais com as políticas de Ronald Reagan, ainda assim. “No meu último ano em Yale, amadureci para um pensamento mais conservador e mais parecido com o do Ronald Reagan, que tinha mais a ver com os populistas, com os conservadores mais de raiz. Bush representava para muitos o establishment da Costa Leste.”

"No meu último ano em Yale, amadureci para um pensamento mais conservador e mais parecido com o do Ronald Reagan, que tinha mais a ver com os populistas, com os conservadores mais de raiz. Bush representava para muitos o establishment da Costa Leste"
Ron DeSantis, governador na Florida

Concluída a licenciatura, o republicano ainda dá aulas de História durante um ano numa escola privada, mas volta aos estudos, ingressando em Direito na Universidade de Harvard. Daí partiu para a Marinha norte-americana. Chegou a fazer parte de um task force para vigiar a baía de Guantánamo e esteve no Iraque, a desempenhar funções de aconselhamento às tropas dos Estados Unidos naquele país. Apostou depois numa carreira de procurador federal, até entrar na política.

O Partido Republicano era, obviamente, a escolha de Ron DeSantis. E, dentro daquela força política, o atual governador da Florida escolheu associar-se às fações mais radicais e mais conservadoras. Em 2012, chega a congressista e integra mais tarde o Freedom Caucus, um grupo de republicanos com lugar no Congresso assumidamente mais à direita. É neste contexto que o antigo procurador começa por integrar os círculos mais próximos de Donald Trump, ao mesmo tempo que fazia comentário político na Fox News.

Não há dúvidas de que Ron DeSantis tem um currículo invejável. Mas, mesmo assim, é descrito como alguém reservado — e que não gosta, pelo menos publicamente, de se gabar dos seus feitos. Um antigo assessor descreveu ao Financial Times que, no Congresso, o republicano era conhecido por usar auscultadores para evitar interações sociais, não lhe sendo conhecidos grandes amigos. Uma das suas maiores confidentes era a mulher, Casey, com quem casou em 2009.

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Ron DeSantis é conhecido por ser uma pessoa mais reservada — e até tímida

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Esta propensão para a introversão de Ron DeSantis faz com que fale poucas vezes de si publicamente. Não obstante, o governador da Florida mostra durante a campanha por várias vezes a mulher e os três filhos — Madison, Mason e Mamie —, um dos poucos momentos em que o republicano desvenda mais de si e da sua vida familiar.

Num país como os Estados Unidos, o poder de uma boa história convence muitos eleitores. “Um político dotado torna a história do seu passado numa narrativa sobre como ele entende os outros, como ele entende os seus problemas e os seus desafios”, diz ao New York Times Whit Ayres, consultor político que trabalhou para Ron DeSantis na campanha de 2018, que nota que essa “conexão emocional” é algo que o governador na Florida tem muita dificuldade em fazer.

Este poder da “conexão emocional” é uma habilidade que Donald Trump domina, assim como Nikki Haley. O primeiro é um magnata, mas consegue transmitir ideia de que se preocupa com outras classes sociais; a segunda fala muitas vezes sobre as suas origens e como se tornou um exemplo do American Dream. A história de vida do homem da Florida, que nasceu na classe média, mas que estudou nas melhores universidades, também dava para fazer este tipo de associações — mas Ron DeSantis rejeita-a. Por exemplo, apenas revelou recentemente que a mulher teve cancro da mama em 2021.

"Um político dotado torna a história do seu passado numa narrativa sobre como ele entende os outros, como ele entende os seus problemas e os seus desafios"
Whit Ayres, consultor político que trabalhou com Ron DeSantis em 2018

Ainda que seja um fator que parece ser pouco determinante, a personalidade mais reservada do republicano pode ter contribuído para uma campanha pouco marcante, mostrando-se distante aos eleitores. “Ele tem a reputação de ser fraco nas relações interpessoais, tem problemas em conectar-se com os eleitores e até a construir relações com outros políticos“, resume ao Observador Bernard Tamas.

O católico da Florida que conheceu a política na Universidade de Yale está, nesta campanha das republicanas, em terra de ninguém — a sua hipotética base de apoio mais conservadora e radical está maioritariamente ao lado de Donald Trump. No final destas primárias, Ron DeSantis poderá colocar mais uma linha no seu currículo invejável. E o tempo dirá se essa linha será uma mancha ou apenas o início de uma nova caminhada para chegar um dia à Casa Branca.

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