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João Varandas Fernandes, Médico ortopedistaJoão Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central, vai estar no seminário "Urgências Hospitalares" na Escola Nacional de Saúde Pública esta quarta-feira
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João Varandas Fernandes, Médico ortopedistaJoão Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central, vai estar no seminário "Urgências Hospitalares" na Escola Nacional de Saúde Pública esta quarta-feira

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

João Varandas Fernandes, Médico ortopedistaJoão Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central, vai estar no seminário "Urgências Hospitalares" na Escola Nacional de Saúde Pública esta quarta-feira

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Varandas Fernandes sobre a crise hospitalar: "Bastava ter uma ou duas urgências em Lisboa e Vale do Tejo"

Varandas Fernandes sugere fecho de urgências para resolver crise. Pulseiras azuis e verdes esperam em casa — medidas que exigem "coragem", diz. E critica primeiro-ministro por dar Norte como exemplo.

Quando João Varandas Fernandes anunciou que implementaria no Hospital de São José a Triagem de Manchester, o sistema que avalia os quadros clínicos dos casos agudos em função da sua gravidade e recomenda tempos máximos de atendimento, deparou-se com o modelo de uma caveira à porta do serviço de urgência.

Era um protesto. Os médicos antecipavam a morte do Serviço Nacional de Saúde com a instituição de novas regras: não concebiam que a triagem fosse feita em primeira instância pelas equipas de enfermagem; e a mudança parecia-lhes confusa. “Está a ver como é preciso coragem para implementar novas medidas de organização?”, exemplificou o médico ortopedista em entrevista ao Observador.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” como médico Varandas Fernandes.

Há remédio para as urgências?

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É preciso coragem novamente para resolver a crise das urgências hospitalares em Portugal — mas as soluções existem e Varandas Fernandes apresentou as que defende ao Observador na véspera do seminário “Urgências Hospitalares” na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, moderado pelo antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes e por Carlos Costa, do Conselho Executivo da escola. O evento acontece no mesmo dia em que Manuel Pizarro, ministro da Saúde, apresenta o plano de saúde para o inverno e um dia depois de o tempo de espera das urgências no Hospital de Santa Maria ter atingido as 14 horas.

João Varandas Fernandes quer encerrar urgências e centralizá-las em um ou dois hospitais por região — algo que o ministro Manuel Pizarro já recusou fazer a curto prazo —, mobilizar recursos humanos para os serviços de urgência em funcionamento, enviar os casos avaliados com as pulseiras azuis e verdes para casa à espera de consulta e iniciar uma grande campanha de sensibilização para que os cidadãos não entupam o sistema. Mas tem a nova Direção Executiva do SNS essa “coragem política” para levar avante as recomendações do médico? É “ver para crer”.

Há três princípios fundamentais que são indesmentíveis: o Serviço Nacional de Saúde é um pilar que temos de preservar, mas de modo adaptado aos tempos atuais e aos tempos futuros; o trabalho do SNS é um trabalho de equipa, que demora anos a formar para dar uma boa resposta em cuidados de saúde. E depois há outra questão, que para mim é fundamental: não é por criarmos comissões de acompanhamento que resolvemos as questões de organização.
João Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central

Esta terça-feira o tempo de espera dos casos urgentes no Santa Maria chegou a ser superior a 14 horas. Já foi diretor do serviço de urgência no São José, entre 2004 e 2008. Estamos piores agora do que há quase 20 anos?
As coisas estão diferentes. Obviamente que estes tempos de espera chocam sempre muito e obviamente que eles não devem existir. Mas eles têm em conta os tempos de espera para atendimentos de casos menos graves, com pulseiras verdes e azuis. Os doentes mais graves não estão à espera este número de horas. É que há uma diferença entre casos urgentes e casos emergentes — e há quem confunda urgências com emergências. São situações distintas.

Então vamos às definições.
Nas situações de urgência corre-se o risco de perda de funções vitais, mas nunca existe a intervenção de cuidados médicos no imediato; enquanto que, numa situação de emergência, existe um risco de perda de vida ou de funções orgânicas e necessita-se de intervenção médica o mais rapidamente possível.

De qualquer modo, a recomendação para casos urgentes é de 60 minutos.
Em relação a esse tempo de espera que me diz: o Serviço Nacional de Saúde, ao longo do tempo, tem sido um bem. Não nos podemos esquecer disso, mas temos de ter a consciência de que, se nada for feito de forma refletida e eficaz, corremos o risco de nos estarmos a despedir da utilidade do Serviço Nacional de Saúde — que é, de facto, um pilar social importante, que tem satisfeito de uma forma positiva a população e que tem provado, ao longo do tempo, que funciona. Portanto, é preciso analisar, refletir, decidir e executar reformas atuais do Serviço Nacional de Saúde — que não é a mesma coisa que era naquela altura. Muita coisa mudou — nomeadamente a demografia, as patologias da população — por isso é importante refletir sobre o que se deve fazer para se ter serviços de urgência com uma resposta mais pronta. Nós não podemos estar a viver só de boas intenções. Essas boas intenções de que todos nós falamos muitas vezes não são suficientes para resolver o problema do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente das urgências.

A que boas intenções se refere?
Para mim, há três princípios fundamentais que são indesmentíveis: o Serviço Nacional de Saúde é um pilar que temos de preservar, mas de modo adaptado aos tempos atuais e aos tempos futuros; o trabalho do SNS é um trabalho de equipa, que demora anos a formar para dar uma boa resposta em cuidados de saúde. E depois há outra questão, que para mim é fundamental: não é por criarmos comissões de acompanhamento que resolvemos as questões de organização — bem pelo contrário. Não trazem qualquer benefício, portanto tem de se pensar qual é a melhor maneira de podermos fazer uma reforma.

E qual é?
Para além de protestarmos e denunciarmos os problemas existentes nas urgências hospitalares, que continuam a ser um tema atual e são uma preocupação geral, devemos, na minha opinião, desenvolver modelos de prestação locais, regionais e estruturados, vinculados a compromissos estabelecidos. Ou seja, nós sabemos que as urgências são sempre um local para quem precisa de consulta urgente ou não consegue consultas de outro modo. Há que ver que as urgências têm uma dificuldade acrescida, não só porque o ambiente da própria urgência é mais caótico por natureza, como entopem os serviços a jusante, de internamento, e também acabam por atrasar as verdadeiras urgências muitas das vezes.

Implementaram-se medidas na tentativa de solucionar esse problema. A Triagem de Manchester, por exemplo, foi o senhor que implementou.
Eram medidas corretivas, mas não deram grande resultado. Eu implementei a Triagem de Manchester no Hospital de São José, enquanto diretor de urgência, em 2004, 2005. Até aí, as urgências funcionavam por ordem de chegada. Com a triagem tentava-se classificar a entrada dos doentes no serviço de urgência por grau de gravidade, como também para dar alguma resposta em termos de organização nas urgências. Também foram feitos incentivos para as equipas dedicadas da área de medicina interna, nomeadamente nos serviços de urgência. Foram implementadas também as taxas moderadoras e inclusivamente foi feito um serviço de telefone de contacto com os próprios doentes. Mas essas medidas, no conjunto, não retiraram doentes dos serviços de urgência.

João Varandas Fernandes considerou que a Triagem de Manchester não resolveu o problema do excesso de afluência nos serviços de urgência, mas diminuiu tempos de espera por consulta com médico

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Porque não?
Há uma população que não está informada. Falta uma divulgação, uma sensibilização e uma informação às pessoas. Falta uma grande campanha com a comunidade, que não seja feita apenas a nível nacional, mas que seja feita muito por focos, a nível regional e local. Porque cada distrito e cada região tem características próprias, em relação à demografia, às doenças e à idade. As pessoas devem estar informadas do que devem fazer. E eu penso que as pessoas, em Portugal, não sabem o que devem fazer. Em última instância, vão sempre ao serviço de urgência.

Os números comprovam isso?
A percentagem de episódios de urgência com níveis de prioridade mais baixa (azul, verde e branco) foi de 44% em 2021, mais 1,5 pontos percentuais do que em 2020. Ou seja, os indicadores de acesso ao serviço de urgência mantiveram o padrão dos últimos anos. Aliás, até mais: no ano de 2021, os doentes com pulseiras azuis, verdes e brancos são quase metade do número de pessoas atendido nas urgências. Mesmo assim, o grau de cumprimento dos tempos de espera previstos para o contacto com o médico foi de 62,1%, mais 4,4 pontos percentuais que no ano anterior. Ou seja, o doente está a chegar ao médico um bocadinho mais cedo do que chegava antes. Portanto, houve aqui uma melhoria objetiva. Mas há um fenómeno em que a percentagem de episódio de urgência que geram internamento é muito grande e tem vindo a aumentar — tem estado na ordem dos nove a 10%. E temos de recordar que, historicamente, Portugal é o país da OCDE com mais episódios de urgência per capita, o que revela a persistência de situações de recurso inadequado ou evitável aos serviços de urgência. São casos de doença aguda de baixa gravidade, descompensações de condições crónicas ou utilizadores frequentes.

Mas isso não é porque os serviços fora do hospital também falham?
Há uma insuficiência de respostas quer a montante, quer a jusante do hospital. Os cuidados de saúde primários não estão a dar resposta, obviamente, assim como o pré-hospitalar todo e os cuidados continuados. O setor social, com os cuidadores formais e informais, têm de se desenvolver ainda mais. Apesar de que, nos últimos anos, o número de camas hospitalares no SNS tem-se mantido na mesma linha e com uma demora média de internamento que ronda os 8,7 dias. E a taxa de ocupação no internamento até tem vindo a aumentar nos últimos anos — ou seja, baixou em 2020 e em 2021 subiu para 77,2 para 81,3%. Portanto, a procura crescente nos serviços de urgência pressiona os hospitais e obriga a que seja feito um redirecionamento dos recursos da atividade programada. Obviamente, os hospitais têm sido confrontados com períodos de excesso de afluência aos serviços de urgência, não só por causa da Covid-19. E toda a gente sabe que a população é idosa, é a que está em maior número nas urgências hospitalares.

Não nos podemos esquecer que há três tipos de urgência: polivalente, médico-cirúrgica e básica. Isto também tem muito a ver com a importância do número de unidades de saúde familiar por região: esse número pode ajudar a contribuir para que os doentes vão menos à urgência. Para isso, temos de ter médicos com a especialidade em medicina geral e familiar que possam ocupar esses postos. Mas nós temos um problema de falta de recursos em médicos desta especialidade. Muitas das pessoas não têm consultas a tempo e horas nos seus centros de saúde.

Como é que se resolvem esses problemas?
Quanto aos centros de saúde, nós temos de apostar cada vez mais na hospitalização domiciliária. Temos algumas iniciativas a nível nacional, mas temos de começar a prestar assistência aos doentes, se possível, quando reúnem condições clínicas para isso, em casa. Já se faz isto, mas a assistência domiciliária tem de ser desenvolvida para evitar que o número de doentes que acorrem às urgências diminua.

Primeiro aspeto: centralização de urgências. Com atenção à demografia, à incidência de doenças, ao meio ambiente e às vias de acesso, inicialmente essa centralização devia ser das 20h às oito da manhã. Ou seja, nas cidades ter uma ou duas urgências unicamente a funcionar e encerrar as outras urgências. Bastava. Isso obriga provavelmente, em algumas das vezes, a uma mobilização dos recursos humanos para reforçar a urgência aberta nesse período.
João Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central

Também temos de apostar muito na prevenção, isso alivia muito as idas às urgências. E nós não somos um país forte em prevenção, gastamos muito pouco nisso. Temos de ter uma aposta na prevenção da doença, o que exige que os doentes estejam mais vigiados e controlados. Há que apostar nestes fatores todos, porque o alívio das urgências depende de um conjunto de decisões e de execuções.

Depois, é importante ser estabelecido um plano de urgência no atendimento. Para isso, é preciso ter conhecimento de vários indicadores, entre os quais a taxa de ocupação do serviço de urgência, a média de permanência nesse serviço, as tecnologias disponíveis, a experiência dos profissionais… Tudo isso é importante para definirmos uma organização, um plano para que os serviços de urgências possam vir a modificar o atendimento.

Que medidas concretas sugere?
Antes de organizarmos a rede de urgência, é importante como base sabermos o que diz o Plano Nacional de Saúde e os planos de saúde regionais. E é importante termos o conhecimento das variáveis distrito a distrito, possivelmente até em alguns concelhos com mais população. Além disso, é preciso ter objetivos para estabelecer um pacto para as urgências inter-institucionais, entre as urgências de vários hospitais, acima de tudo ao nível da comunicação médica. Sabemos que a resolução é difícil, mas não é impossível, e muitas das vezes depende da execução e da liderança. Isso é uma coisa que, de facto, há que ressalvar: hospitais com lideranças nos serviços de urgência com um instinto mais executivo acabam por ter uma resposta melhor.

Mas que pacto seria esse?
Primeiro aspeto: centralização de urgências. Com atenção à demografia, à incidência de doenças, ao meio ambiente e às vias de acesso, inicialmente essa centralização devia ser das 20h às oito da manhã. Ou seja, nas cidades ter uma ou duas urgências unicamente a funcionar e encerrar as outras urgências. Bastava. Isso obriga provavelmente, em algumas das vezes, a uma mobilização dos recursos humanos para reforçar a urgência aberta nesse período e dentro dos números que estão estabelecidos pela Ordem dos Médicos. Sobre essa mobilização na mesma região ou no distrito, se for preciso deve ser alterada a legislação para que se permita essa centralização.

Varandas Fernandes, que já chefiou o serviço de urgência do São José, quer centralizar as urgências regionalmente. Em Lisboa e Vale do Tejo bastariam duas: São José e Santa Maria

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Seriam quantas urgências em proporção ao número de habitantes? É que algumas povoações ficariam com mais isoladas, menos próximas dos serviços de urgência.
Hoje em dia o país tem bons meios rodoviários. Tem bons meios para as pessoas se deslocarem facilmente; e tem uma urgência pré-hospitalar que funciona, de transporte de doentes para o hospital. Não estamos a falar de situações emergentes, mas sim de urgentes. Obviamente que há boas condições de acesso aos hospitais. Meios de transportes, há. E em todos os distritos temos hospitais muito bem qualificados, temos um corpo clínico competente — profissionais de saúde que trabalham nos seus postos muitas vezes com sacrifício enorme e que fazem o melhor que podem. Temos é de lhes dar organização.

Em Lisboa e Vale do Tejo, quantas urgências eram precisas?
À noite, das 20h às oito da manhã, uma a duas urgências polivalentes: o Santa Maria, do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, e o São José, do Centro Hospital de Lisboa Central. Eram suficientes para a região inteira nesse período: das 20h às oito da manhã, havendo mobilização dos recursos humanos e havendo sucessivas triagens, uma a duas urgências. Provavelmente uma urgência da meia-noite até às oito da manhã; e duas urgências no período diurno, das oito da manhã à meia-noite. Isto tinha de ser adaptado em cada região, se fosse adaptado a nível nacional, mas provavelmente no Norte teríamos a mesma organização se forem seguidos os mesmos critérios.

O que eu sugiro é dar formação às pessoas para elas poderem decidir por si mesmas. Obviamente que a Linha de Saúde 24 tem os seus benefícios, mas eu acho que há que fazer um pouco mais. E fazer um pouco mais é criar vários focos de triagem. A Linha de Saúde 24 é uma triagem; se o próprio hospital enviar os [doentes com pulseiras] verdes e azuis para casa, isso já é outra triagem.
João Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central

Ainda assim, continua-se com o problema dos casos não urgentes nos hospitais.
Para isso deve ser estabelecido um call center para os doentes que são classificados com as pulseiras verdes e azuis. Aí há dois caminhos: ou o doente regressa a casa e aguarda a chamada do serviço de urgência para ser atendido ou opta por ser atendido por teleconsulta. Isto tem de ser feito porque temos de descomprimir, aliviar a afluência aos serviços de urgência. Para além do funcionamento que há a montante: os cuidados primários de saúde podem precisar de um maior número de horas de atendimento em determinados períodos do dia. A questão é que os doentes precisam de ter apoio e precisam de sentir que estão a ser apoiados. Não temos forma nenhuma de os impedir de ir ao serviço de urgência, mas fazem-no porque não têm mais nenhuma alternativa. Portanto, é aí que devem ser oferecidas várias soluções — assim não chegam a entrar dentro do serviço de urgência propriamente dito, daquilo que é a alma do serviço de urgência, que se deve concentrar em tratar doentes graves e emergentes.

Por outro lado, é importante criar vias de acesso aos hospitais — uma interligação — para os doentes serem encaminhados para consultas da especialidade. Quando nesse hospital a consulta da especialidade está preenchida passado um número de dias aceitável, poderá ser opção recorrer a outros hospitais da mesma região que estejam mais aliviados ou que possam ter vagas. Acho que deve haver essas vias de acesso através da urgência, com ligação a consultas de especialidade, de forma integrada e regional. Não de uma forma unicamente local.

Como é que convenceria a população de que estas alterações seriam as melhores?
É importante que o país tenha uma campanha de sensibilização e de informação, quer a nível nacional, quer a nível regional, atendendo às características dos locais. Essa campanha servirá para orientar as pessoas sobre o que devem fazer, onde se devem dirigir, em que situações o devem fazer. Deve ser feito um empenhamento dos órgãos públicos e do poder político para que esta campanha seja feita de esclarecimento, de informação à população.

Também houve essa campanha para a Linha de Saúde 24, mas as urgências continuam a encher quando algumas das situações poderiam ter sido triadas por telefone. Porque é que agora seria diferente?
Essa campanha não foi continuada. Aqui seria diferente. Na Linha de Saúde 24, a campanha dizia que, em determinadas situações, telefona-se e faz-se uma pré-triagem. O que eu sugiro é dar formação às pessoas para elas poderem decidir por si mesmas. Obviamente que a Linha de Saúde 24 tem os seus benefícios, mas eu acho que há que fazer um pouco mais. E fazer um pouco mais é criar vários focos de triagem. A Linha de Saúde 24 é uma triagem; se o próprio hospital enviar os [doentes com pulseiras] verdes e azuis para casa, isso já é outra triagem. É um conjunto de ações que tem de ser feito em simultâneo ou em continuidade para apostar no serviço de urgência, na formação, na informação que as pessoas devem ter para não irem quando não precisam realmente ir.

Não quer dizer que não haja especialidades em que não haja carências: existem na anestesia, na obstetrícia, na ginecologia, na pediatria muitas vezes, na medicina geral e familiar. Mas se optarmos por uma política de centralização das urgências com mobilização de recursos, na minha opinião, essas carências tornam-se menores. Notar-se-ia menos essas carências.
João Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central

Com essa centralização e com mais recurso a tecnologia, como é que garantimos que as populações mais envelhecidas e menos habituadas a estas ferramentas continuam a ter acesso ao SNS?
Claro que os idosos não podem ser informados através dos meios digitais, é natural. Mas há campanhas de televisão, há campanhas de rádio, há campanhas de folheto à porta, através das juntas de freguesia. O país tem de verdadeiramente olhar para os serviços de urgência como se olha para um problema que tem de ser resolvido. Não pode ser rápido, mas tem de se começar a resolver. Com este conjunto de ações que lhe acabei de dizer — nomeadamente, a centralização das urgências, o call center nos hospitais, a mobilização dos recursos humanos, as vias de acesso para consultas da especialidade e uma campanha de sensibilização regional e nacional para orientar as pessoas e informar para onde se devem dirigir e em que casos se devem dirigir.

Mas mudanças estruturais como estas que propõe não costumam ser bem recebidas. O que me está a descrever é um modelo como o que levou José Sócrates a fechar maternidades em 2006, mas as alterações não foram bem recebidas na altura.
Mas eis o que temos de pesar: é melhor termos uma urgência a 30, 40, 50, 60 ou 70 quilómetros de distância, mas que é boa e é rápida; ou uma urgência a 20 quilómetros em que estamos 14 horas à espera de uma resposta? Temos de informar as pessoas, temos de esclarecer as pessoas. Não é possível hoje em dia termos todas as urgências abertas com um grau de diferenciação como o que desejamos. Tem de haver vários graus de diferenciação na hierarquia das urgências. Agora, a comunicação entre elas é importante, assim como a organização por região. Temos de explicar às pessoas que o melhor sítio para ir em situações bem esclarecidas é àquela urgência. Nós não somos um país que possa ter uma urgência à porta de cada casa.

João Varandas Fernandes considera que o modelo de reforma que sugere para o SNS pode esbater as dificuldades criadas pela falta de médicos em algumas especialidades

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Este modelo de funcionamento em rede tem provas dadas?
Por exemplo, nós criámos os centros de responsabilidade integrados. Eu sou o diretor do Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Temos um serviço que se dedica ao trauma ortopédico, que trata os doentes multidisciplinarmente, temos fisioterapia de reabilitação 365 dias no ano, temos um colega de medicina interna — portanto, envolvemos várias especialidades em prol do doente. E temos tido resultados espantosos: cinco médicos operam 1.100 doentes por ano. É um serviço de grande rotatividade, fazemos consultas telefónicas 24 horas a 48 horas depois de os doentes terem alta, temos uma assistente social em permanência e temos tido uma resposta positiva. Porquê? Porque temos esta integração de cuidados.

Os incentivos não ajudam nesse sucesso?
Pode dizer-me que isso também é porque temos incentivos — e temos. Se cumprirmos os indicadores que foram contratualizados com o conselho de administração, temos incentivos. Temos remunerações adicionais. Mas eu não acho que as pessoas têm de ser remuneradas todas de forma igual porque as pessoas são diferentes: quem tem melhores indicadores deve ser mais bem remunerado do que quem tem piores indicadores, se tiverem sido dadas as mesmas condições a todos os intervenientes.

Acho que é preciso coragem política para enfrentar determinados problemas que existem. O país deve ter, em determinadas áreas, coragem para enfrentar esses mesmos problemas. Porque temos no país pessoas capazes de resolver os problemas. Portanto, é uma questão de coragem. E que a política sirva para satisfazer as populações. Que não empate.
João Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central

Com as medidas que propõe, os recursos humanos chegam? Mesmo com falta de médicos?
Sim. Não quer dizer que não haja especialidades em que não haja carências: existem na anestesia, na obstetrícia, na ginecologia, na pediatria muitas vezes, na medicina geral e familiar. Mas se optarmos por uma política de centralização das urgências com mobilização de recursos, na minha opinião, essas carências tornam-se menores. Notar-se-ia menos essas carências.

Já apresentou estas propostas a um decisor político?
Não. Em várias publicações que faço em termos públicos — artigos e publicações de livros — já tenho falado na centralização das urgências. Sem especificar quais.

Esta crise nas urgências era previsível?
Era, há muitos anos. Há muitos anos que se falava, desde 2000. Há um relatório da Organização Mundial de Saúde e da OCDE, penso eu, que já previa que em 2020 iríamos ter um fosso entre as pessoas à beira da reforma e a substituição por gerações mais jovens. Já se sabia que haveria uma redução dos recursos humanos a nível dos serviços públicos de saúde.

Então também era evitável?
Tinha sido evitada com um estudo e com a aplicação de preenchimento de vagas de todas as especialidades, incluindo a medicina geral e familiar, e com a colocação em abertura dessas vagas. Obviamente que me pode dizer: “Há muitas vagas que não são preenchidas e que ficam a deserto”. Nesse caso, então vamos centralizar os hospitais. Vamos organizar os hospitais de uma forma mais central.

A culpa é de quem?
Eu não aponto culpas, não é a minha característica apontar culpas. Houve medidas que deviam ter sido tomadas e não foram.

Mas não foram porquê?
Olhe, é falta de opções políticas, é falta de conhecimento do setor muitas das vezes, é falta de coragem. Enfim, acho que é preciso coragem política para enfrentar determinados problemas que existem. O país deve ter, em determinadas áreas, coragem para enfrentar esses mesmos problemas. Porque temos no país pessoas capazes de resolver os problemas. Portanto, é uma questão de coragem. E que a política sirva para satisfazer as populações. Que não empate e que seja dinamizadora da sociedade civil. Há muita gente a pensar estes assuntos há muito tempo. É uma questão de nos acertarmos. É acertarmos e pormos em prática. É executar.

Não vejo grande justificação para isto. Nós temos as Administrações Regionais da Saúde que poderiam perfeitamente desempenhar esse papel. Não desempenharam, mas agora a pergunta é: qual será o papel que as administrações regionais de saúde vão ter no meio desta direção executiva do SNS. De qualquer modo, tínhamos meios para podermos implementar isto. As administrações regionais de saúde tinham meios. Não é agora a direção executiva do SNS que chega e que, de um momento para o outro, vai fazer tudo.
João Varandas Fernandes, médico ortopedista e traumatologista que lidera o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do Centro Hospitalar Lisboa Central

Que futuro antecipa para o Serviço Nacional de Saúde?
O Serviço Nacional de Saúde corre o risco de sofrer ainda mais. E já está a sofrer bastante.

Corre o risco de colapsar?
Colapsar não: viu-se com a Covid-19 que o SNS não colapsou. Trouxe grandes problemas, trouxe uma sobrecarga de trabalho de todos os profissionais, trouxe bastantes preocupações, mas não colapsou. Somos um país que respondeu bem à Covid-19. Estamos é num momento, numa fase, em que é imperativo haver medidas organizacionais. E com esta nova formulação de uma direção executiva do Serviço Nacional de Saúde, é muito importante. Direi que a reestruturação das urgências não pode ser adiada mais.

Deve ser essa a prioridade de Fernando Araújo?
Deve. Uma grandes prioridades é começar pela organização dos serviços de urgência, nomeadamente nesta latitude que lhe expus, desde a prevenção até chegar ao serviço — e mesmo aí ter várias alternativas para oferecer aos doentes. Tem de haver de facto uma resposta para essas pessoas.

Faz sentido existir esta entidade que é a Direção Executiva do SNS?
Não vejo grande justificação para isto. Nós temos as Administrações Regionais da Saúde que poderiam perfeitamente desempenhar esse papel. Não desempenharam, mas agora a pergunta é: qual será o papel que as administrações regionais de saúde vão ter no meio desta direção executiva do SNS. De qualquer modo, tínhamos meios para podermos implementar isto. As administrações regionais de saúde tinham meios. Não é agora a direção executiva do SNS que chega e que, de um momento para o outro, vai fazer tudo. Não vai: vai ter um grande trabalho pela frente. Espero que consiga, todos os profissionais de saúde vão estar disponíveis.

Varandas Fernandes afirmou que a reforma no SNS podia ser efetuada pelas ARS, sem necessidade de criar a direção executiva do SNS

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Acha que a coragem política e a execução vêm agora com a nova direção executiva do SNS?
Não sei se vêm ou não, vou ver. Ainda não iniciou funções, vou ver para crer. É muito difícil, mas espero que esta direção executiva do SNS seja capaz de por em prática aquilo que o sistema hospitalar, o sistema de cuidados primários de saúde, o sistema de cuidados continuados e paliativos estão tão necessitados há tanto tempo: uma reforma em benefício do doente e das populações.

O primeiro-ministro António Costa disse que o país tinha muito a aprender com as pessoas do Norte. Temos um diretor executivo do SNS saído do São João, uma secretária de Estado, Margarida Tavares, que vem do mesmo hospital; e o ministro Manuel Pizarro, que por lá passou. O Norte tem assim tanto a ensinar, é um exemplo para o resto do país?
As pessoas têm o direito de escolher as equipas que muito bem entenderem. Serem do Norte, do Sul, do Centro ou das ilhas é-me completamente indiferente. Trabalha-se tão bem a Norte como se trabalha a Sul: é igual. Trabalha-se bem em todo o país no Serviço Nacional de Saúde. Com algumas dificuldades, com problemas e com algumas carências, é verdade. Mas pelo menos todos os profissionais de saúde estão empenhados no SNS e têm uma grande vontade de trabalhar. Querem é organização, querem condições para trabalhar como idealizaram quando estudavam. Para mim, é-me indiferente a origem. Quando o senhor primeiro-ministro disse essas palavras, pareceu-me um pouco despropositado dizer que o Norte é melhor que o Sul, achei que não era apropriado. O país é só um e todos somos poucos para estarmos unidos neste combate que é a defesa do Serviço Nacional de Saúde.

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