793kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Incendiários detidos na semana crítica. Quem são?
i

Incendiários detidos na semana crítica. Quem são?

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Incendiários detidos na semana crítica. Quem são?

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Vídeos no telemóvel, cadastro por violência, crimes por "acidente". Quem são os incendiários detidos na semana crítica dos fogos em Portugal

Nos últimos dias foram detidos pelo menos nove incendiários. Um deles usava uma mota para fazer entregas e a cada passagem sua acendia-se um novo fogo.

Assim que a GNR chegou a Pinhel, no concelho de Trancoso, percebeu logo que ali não estava o incendiário comum. Atrapalhado, e mesmo arrependido, António (nome fictício), de 39 anos, tentava apagar a consequência de um erro que acabaria por consumir 2,39 hectares de floresta: andava a limpar um terreno com uma moto-roçadora com fio quando ateou um fogo. Dois dias depois, o Governo declarava o estado de contingência devido às altas temperaturas que se previa para os dias seguintes e pelo elevado risco de incêndio. Durante este período, que durou cerca de uma semana, foram detidos pelo menos nove incendiários. Uns, como António, cometeram um erro; outros, fizeram-no intencionalmente.

Já passava das 11h do dia 7 de julho quando o alerta chegou aos bombeiros, vindo de uma torre de vigia que avistou uma coluna de fumo. Além dos bombeiros, foi também chamada a GNR e o suspeito do incêndio não teve problemas em assumir o “acidente”. Estava até atrapalhado e a tentar apagar as chamas como podia, depois de os trabalhos de limpeza terem tomado proporções inesperadas. A GNR, que é sempre a primeira força policial no terreno nestes casos (depois, a investigação dos crimes passa para a competência da PJ), já consegue distinguir pelo comportamento quem ateia um fogo sem querer, por negligência, ou quem o faz com uma intenção. E isso é percetível pela atitude do suspeito assim que é abordado pelas autoridades.

“Um criminoso vai sempre tentar iludir as autoridades”, diz ao Observador o tenente-coronel Marco Marques, oficial que assume as relações públicas do Comando da GNR da Guarda. “Normalmente, são pessoas que têm um problema e que provocam o fogo para o ver arder e para assistirem a todas as manobras do combate. Aqui no distrito não temos tido casos de incêndios por razões económicas, daqueles em que a intenção é limpar o terreno para tirar depois proveitos”, como também acontece, afirma.

O primeiro-ministro, António Costa (3-D), acompanhado pelo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro (2-D), pela ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes (2-E), pela ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras (3-E), pela secretária de Estado da Proteção Civil, Patrícia Gaspar (D), e pelo presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, brigadeiro-general José Manuel Duarte Costa (E), fala aos jornalistas após a visita ao Comando Nacional de Emergência e Proteção Civil e ao Núcleo de Apoio à Decisão para a Análise de Incêndios Rurais (NADAIR)e da reunião com o Centro de Coordenação Operacional Nacional (CCON), na sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, em Oeiras, 12 de julho de 2022. Portugal encontra-se em Situação de Contingência em todo o território do continente até às 23h59 do dia 15 de julho. MÁRIO CRUZ/LUSA

O primeiro-ministro, António Costa acompanhado pelo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, durante a semana do estado de contingência

MÁRIO CRUZ/LUSA

Intencional ou negligente, certo é que, avisa o oficial, a maior parte dos fogos tem mão humana e só uma ínfima parte está ligada a causas naturais, como trovoadas, por exemplo. Disso mesmo dão conta os últimos dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), de outubro de 2021, relativos aos 7.610 incêndios rurais registados nos nove meses anteriores. Foi possível encontrar uma causa em 85% deles e a principal apontada foi o “uso negligente do fogo“, em 47% dos incêndios. Dentro desta categoria incluem-se queimadas extensivas para gestão de pasto (14%), queimadas extensivas de sobrantes florestais ou agrícolas (20%), queimas de amontoados de sobrantes florestais ou agrícolas (10%), queimas de lixo (2%) e realização de fogueiras (1%). Em segundo lugar, surge o incendiarismo, o que é provocado intencionalmente e que aconteceu em 23% dos casos. Só depois estão as causas acidentais, que incluem situações relacionadas com transportes e comunicações (7%) e com o uso de maquinaria (6%).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

"Um criminoso vai sempre tentar iludir as autoridades"
Tenente-coronel Marco Marques (GNR)

Naquele dia, António, entre a atrapalhação de estar a trabalhar, ter provocado um incêndio e de o tentar apagar, acabou detido. Ao perceberem que não tinha tido qualquer intenção, que estava arrependido e que assumira os factos, a GNR constituiu-o arguido, mandou-o para casa e entregou o caso ao Tribunal Judicial de Trancoso. No comunicado sobre a detenção, a GNR lembrava que as queimas e queimadas são das principais causas de incêndios em Portugal; que a realização de queimadas, de queima de amontoados e de fogueiras, é interdita sempre que se verifique um nível de perigo de incêndio rural “muito elevado” ou “máximo”, estando dependente de autorização ou de comunicação prévia noutros períodos. E insistia para que todas as pessoas andassem com um telemóvel e alertassem a Linha SOS Ambiente e Território (808 200 520) caso detetassem um ignição.

Reportagem. De Leiria a Ourém, as chamas passam, mas acabam por regressar: “O último dia ainda não sabemos qual é”

O homem que puxou o isqueiro a um arbusto e que pensava que não tinha ateado um fogo

No dia seguinte à detenção de António, eram os militares de Santa Maria da Feira os alertados para um foco de incêndio em Escapães. Os habitantes tinham visto um homem de 47 anos atear fogo numa zona agrícola perto da sua casa. O suspeito admitiu ter chegado um isqueiro a um arbusto, como apurou o Observador junto de fonte da GNR, mas no seu relato daqueles acontecimentos António disse estar convencido de que as chamas não tinham vingado. No cadastro deste homem havia já registo de crimes de furto e violência doméstica, mas o suspeito acabaria libertado, com o processo a ser enviado para o tribunal — que deverá decidir se entrega o caso à PJ para prosseguir com a investigação. As chamas foram rapidamente dominadas. O pior estava para vir nos dias seguintes.

A 9 de julho, e face às previsões meteorológicas que apontavam para o agravamento do risco de incêndio rural, os ministros da Defesa Nacional, da Administração Interna, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, da Saúde, do Ambiente e Ação Climática e da Agricultura e da Alimentação determinavam a Declaração da Situação de Contingência em todo o território do Continente a começar a 11 de julho e a terminar a 15 (o que depois foi prolongado por mais dois dias) passando a ser proibido o acesso, circulação e permanência no interior dos espaços florestais, caminhos florestais, caminhos rurais; a realização de queimadas e de queimas de sobrantes de exploração e de trabalhos nos espaços florestais com recurso a qualquer tipo de maquinaria, com exceção dos associados a situações de combate a incêndios rurais; a realização de trabalhos nos demais espaços rurais com recurso a motorroçadoras de lâminas ou discos metálicos, corta-matos, destroçadores e máquinas com lâminas ou pá frontal e a utilização de fogo de artifício.

Incêndio lavra perto de habitações em Quebrada de Baixo, freguesia de Freixianda, concelho de Ourém, 09 de julho de 2022. O ministro da Administração Interna destacou hoje a "capacidade de fiscalização" mobilizada no combate aos incêndios, após ter sobrevoado os fogos de Carrazeda de Ansiães e de Ourém, a bordo de uma aeronave P-3C Cup+ da Força Aérea. PAULO CUNHA/LUSA

Fogo na Freixianda, concelho de Ourém, que alastrou depois aos concelhos vizinhos. Aqui foi detido um incendiário

PAULO CUNHA/LUSA

Nesta altura, já lavrava o incêndio que maior preocupação gerou numa semana em que as temperaturas foram anormalmente quentes, no concelho de Ourém. Um fogo que acabaria por atingir também parte do concelho de Alvaiázere e estender-se para Leiria, com milhares de bombeiros na frente de combate. No dia em que o Governo tomou a decisão de reforçar os meios de combate e proibir ações que pudessem provocar fogos, a GNR e a PJ acabariam por deter outro suspeito do crime de incêndio, na zona da Freixianda, graças a testemunhas já atentas ao seu passado criminal. Não era a primeira vez que ele punha um fogo e disso mesmo dá conta o seu registo criminal.

Reportagem na Bemposta. A aldeia de 20 pessoas que as chamas cercaram em minutos: “Era como um chapéu de fogo”

“Não devia estar bom da cabeça”

A 12 de julho, militares do Posto Territorial de Montemor-o-Novo e do Núcleo de Proteção Ambiental (NPA) de Montemor-o-Novo detinham também um homem suspeito de incêndio florestal na localidade do Escoural. “Não devia estar bom da cabeça”, disseram os militares da GNR para tentar explicar o ato do homem de 54 anos, que será sem-abrigo. Há quem avance que terá atuado por motivos passionais, uma tese que não foi no entanto bem sustentada e que poderá ser tão válida como qualquer outra. Certo é que, presente a um juiz, acabou por ficar em prisão preventiva.

Dois dias depois, na Trofa, o alerta às autoridades chegava pelas 10h: um homem estava a queimar cobre quando as regras do estado de contingência imposto pelo Governo o impediam. Os militares deslocaram-se de imediato ao local e encontraram o suspeito já de partida. Mas o saco com cabos de cobre que trazia denunciou-o: os cabos ainda estavam quentes. Também este suspeito não tem qualquer registo criminal que leve a rotulá-lo como um incendiário.

Ao que o Observador apurou, será um toxicodependente, de 50 anos, que estaria a furtar cobre para vender. “É mais ou menos o que se passa com grande parte dos incendiários, as pessoas querem queimar algumas coisa e [as chamas] acabam por propagar. Ele estava a queimar para vender, o que faz com que aquilo se transforme num incêndio”, avança o oficial responsável pelas Relações Públicas do Comando do Porto, o tenente-coronel Rui Silva.

Área ardida pelo incêndio de quarta-feira em Palmela, 14 de julho de 2022. O fogo mobilizou 423 operacionais, com o apoio de 129 meios terrestres. RUI MINDERICO/LUSA

Área ardida pelo fogo que deflagrou em Palmela

RUI MINDERICO/LUSA

Suspeito tinha vídeos de fogos no telemóvel

Nesse mesmo dia, a GNR de Setúbal detinha no Pinhal Novo  — enquanto vários meios de combate enfrentavam um fogo em Palmela  – um homem de 45 anos, operário de construção civil, que foi também apanhado por habitantes a lançar brasas para um terreno, na Estrada dos Espanhóis. Quando a GNR chegou perto do suspeito, havia ainda quem o agarrasse para que não se pusesse em fuga. “Foi possível confirmar a veracidade dos factos, motivo pelo qual o suspeito foi detido”, lê-se no comunicado enviado às redações. Nesse mesmo dia, os militares identificavam um outro homem, também apanhado por habitantes, por suspeitas de incêndio. Neste caso, o suspeito explorava um café na zona. Foi apanhado na Rua Chefe da Estação.

Em 85% dos fogos rurais registados nos primeiros nove meses de 2021, a principal causa foi o “uso negligente do fogo“,
Dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas

Se, aparentemente, nestes dois casos os incêndios poderão ter sido provocados por negligência, dias antes o homem de 34 anos que a GNR de Setúbal deteve tinha características bem diferentes. Segundo fonte da GNR, o suspeito foi avistado por testemunhas numa mota — que usava para fazer entregas — e a cada passagem sua acendia-se um novo fogo. Quando foi intercetado, o suspeito tinha no telemóvel vários vídeos de incêndios. O caso está agora nas mãos da PJ, que deverá perceber o significado destas imagens — se eram fogos iniciados por si ou se era simplesmente o prazer que sentia ao ver as chamas, como outros casos semelhantes que constam na base de dados de incendiários criada pela Polícia Judiciária.

Base de dados da PJ já tem 700 registos

Esta base de dados conta já, segundo o jornal Expresso, com 700 registos, mais 200 do que em 2016, quando o Observador contou os pormenores de como funciona este sistema. Criada em 1997, esta base permite à polícia perceber que tipo de incendiários existe em Portugal. E também permite perceber se há reincidências.

Há seis anos, estavam definidos três perfis de incendiários distintos: os “incendiários de história clínica”, que são os autores de incêndios florestais a quem foram detetados problemas psicológicos. Os problemas mais frequentes resultam do álcool, da depressão ou do défice cognitivo. À data, eram responsáveis por 55% dos fogos.

No grupo dos “incendiários retaliatórios” estavam 43% dos incendiários registados pela PJ e, nesse caso, estão em causa, por exemplo, casos de partilhas. Normalmente, conhecem os donos dos terrenos que escolhem para queimar e querem atingi-los por uma questão de vingança.

Já os “incendiários de benefício” têm uma intenção económica, ou seja, procuram um benefício quando ateiam um fogo. Segundo a PJ, são uma minoria e representam apenas 1,6% dos incêndios criminosos.

O Observador tentou obter um esclarecimento da PJ para perceber a atualização destes perfis, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.

PJ tem 500 incendiários identificados. Nenhum é pirómano

Enquanto a GNR de Setúbal não tinha mãos a medir, também ainda no dia 14, mas em Monção, era detido um homem, suspeito de fogo posto, de 44 anos. Ao Observador, uma fonte da GNR diz que o homem, com problemas de alcoolismo, tem já um histórico de episódios de violência. Naquele dia, terá ateado as chamas com um isqueiro. Presente a um juiz, ficou em prisão preventiva. Foi o 53.º detido por incêndio florestal pela GNR em todo o país, até esse dia, só este ano — mais do que em todo o ano passado, num período em que foram detidas 52 pessoas por suspeitas da prática deste crime.

Só 10% dos incendiários são presos. Há cada vez mais mulheres condenadas. Assim são julgados os incêndios em Portugal

Portugal está agora em estado de alerta por causa dos incêndios, o que ainda implica proibições como a circulação em florestas e a realização de queimadas e a utilização de maquinaria nos espaços rurais. Até 19 de julho, segundo dados do ICNF, já tinham ardido em Portugal 46.861 hectares em espaços rurais.

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos