A 20 de maio, surgiu um publicação no Facebook, com uma imagem anexada, onde é descrita uma longa teoria com o seguinte título: “Covid-19 não existe”. Para além desta afirmação, a publicação afirma que “a pandemia foi combinada num encontro a 18 de outubro de 2019, o chamado evento 201, patrocinado pelo John Hopkins Inst. e por Bill&Melinda Gates Foundation”. Só dez publicações com este mesmo texto tiveram mais de 4,5 mil partilhas e mais de 300 mil visualizações desde 21 de maio. Para além de conter informações sem fundamento, trata-se de uma publicação falsa.

Só esta publicação teve 222 partilhas, mas no total o texto foi partilhado mais de 4,5 mil vezes

É necessário começar por dizer que esta publicação contém uma imagem de um folheto, com um texto, que foi aparentemente fixado na rua. Para além dos erros factuais incluídos, tem também alguns erros de português: por exemplo, logo no início, pode ler-se a palavra “pandemia” mal escrita.

Depois, convém esclarecer que, de facto, o “201 Event” ocorreu mesmo em outubro de 2019, como noticiado por diverso órgãos de comunicação social, portugueses e estrangeiros, incluindo o Observador , dois meses antes do início do surto em Wuhan, na China.  Nesse evento estiveram reunidos 15 indivíduos, da área dos negócios, governação e saúde pública, para simular a ocorrência de uma pandemia. Esse exercício foi realizado em Nova Iorque nesse ano, por parte do John Hopkins Center for Health Security em parceria com o Fórum Económico Mundial e a Fundação Bill & Melinda Gates, com a duração aproximada de três horas.

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A informação detalhada, quer em vídeo, quer em áudio, deste exercício pode ser encontrada no site do próprio evento, bem como um comunicado de imprensa em que se lê que vai ser discutida a “necessidade imediata de uma cooperação público privada à escala global para mitigar os múltiplos impactos sociais e económicos das pandemias”. Foi também acompanhado em direto, através da rede social Twitter.

No evento, este painel de especialistas teve de enfrentar uma nova pandemia, designada de “CAPS” (Coronavírus Associated Pulmonary Syndrome), que tinha a origem da infeção em animais (neste caso, morcegos que passaram para porcos) e depois em seres humanos. Nessa simulação, o surto começava primeiro no Brasil, em quintas com porcos, depois voava para Portugal, Estados Unidos da América e China e 18 meses depois, o cenário piorava bastante: o vírus matava 65 milhões de pessoas. No primeiro ano do surto, não tinha sido possível garantir uma vacina, sendo que nos meses iniciais os casos iam duplicando de semana a semana. Mas tudo não passou de uma simulação.

Mais: o próprio Johns Hopkins Center for Health Security veio esclarecer que aquele exercício “não era uma previsão” do que poderia acontecer durante a pandemia da Covid-19. “Nós não prevemos que a Covid-19 mate 65 milhões de pessoas. Apesar de o nosso exercício conter um coronavírus, os inputs que usamos para modelar o impacto potencial deste vírus ficcional não são semelhantes à do Covid-19”, lê-se num comunicado lançado já no início de 2020.

Esta ideia falsa de que a pandemia teria sido criada, com o apoio de Bill Gates, chegou mesmo a ser verificada — e  desmentida — nos Estados Unidos, por parte do USA Today.  A própria fundação de Gates respondeu ao órgão de comunicação social norte-americano, afirmando que a sua fundação tem feito várias contribuições na luta contra as pandemias. O também fundador da Microsoft tem falado sobre este tipo de situações a um nível global: em 2015 realizou uma Ted Talk onde falava da preparação antecipada para se prevenir a próxima pandemia.

Quanto às outras considerações que a imagem faz, também são falsas e com pouca ou nenhuma sustentação científica. Por exemplo, não é possível saber, mesmo depois de uma pesquisa com notícias relacionadas, em que é que se baseia o autor do texto para dizer que “há médicos forçados a assinar certidões de óbito” nas quais a causa é a Covid-19. Apesar das várias dúvidas relativas ao número de mortos em diferentes países, afirmar taxativamente que existem profissionais de saúde a “aumentar” o número de casos fatais é, no mínimo, conspirativo.

Outra das teorias escritas é a de que “o uso de máscara é prejudicial”, o que não é verdade. Apesar das dúvidas iniciais sobre o benefício do uso deste instrumento, variadas organizações de saúde — começando pela Organização Mundial de Saúde e pela Direção-Geral da Saúde, no caso de Portugal — nunca  a declararam como prejudicial para a saúde das populações. A grande questão continua a ser a de perceber se as sua utilização deve ser restringida aos infetados e aos profissionais de saúde ou às populações em geral. No nosso país, desde o início da fase de desconfinamento, passou a ser obrigatório usar máscaras em alguns locais como os transportes públicos ou os centros comerciais

O próprio site da OMS tem diversas recomendações para um melhor uso da máscara, quer seja de uso comunitário ou cirúrgica, por terem diferentes tempos de utilização, por exemplo. No entanto, deixa um aviso: “ o uso único de uma máscara não é suficiente para prevenir um nível adequado de proteção. Outras medidas como o distanciamento social e a higienização das mãos deverão ser adotadas”, lê-se no site  da organização.

Já quanto à DGS, a par do Infarmed, também têm divulgado o correto uso de máscaras, bem como as suas especificidades técnicas, definindo “quais os critérios e requisitos que estas devem cumprir em termos de concepção, desempenho e usabilidade”. Mas em nenhum lado é referido que o seu uso, por si só, possa ser prejudicial à saúde, como causar stress ou a baixa das defesas do sistema imunitário, como descrito na publicação inicial.

Em relação à afirmação de que os testes à Covid-19, que “não despistam nem isolam um micro organismo virulento que supostamente causa a dita doença”, também está repleta de falsidades e não contém nenhuma evidência científica, nem estudo citado. Existem dois tipos de teste efetuados durante a pandemia do novo coronavírus: os testes de diagnóstico e os testes serológicos.

Os primeiros confirmam se a pessoa está infetada num determinado momento, mas pode ser necessário repeti-lo — só ao fim de dois testes negativos é que determinado paciente está curado (se estiver hospitalizado). Por exemplo, em Portugal, os testes usados servem para estudar a sequenciação e identificação do gene para diagnóstico rápido, para que seja possível uma triagem. Este teste procura detetar o SARS-COV-2, que é o vírus da pandemia que todos estamos a combater e não outro tipo de patógeno , como explicado pela DGS.

Os segundos testam a presença de anticorpos para estudos de imunidade, dando dados sobre se uma determinada pessoa esteve infetada com o vírus ou não.  São por isso dois instrumentos  essenciais no combate à pandemia, principalmente o primeiro, porque permitiu aos governos de cada país, incluindo Portugal, adaptar as suas regras de confinamento mediante o número de casos infetados e de mortes por Covid-19. No entanto, ainda não é possível perceber se as pessoas infetadas com este vírus desenvolvem imunidade, como já foi dito pela DGS.

A própria OMS pediu recentemente prudência no uso destes testes por não haver base científica da tal imunidade relativa a esta doença.

É necessário dizer ainda que os testes rápidos de diagnóstico não tiveram parecer positivo por parte do Infarmed ou do Instituto Ricardo Jorge, como divulgado no passado mês de maro. A. A própria DGS informou que  esse tipo de testes ainda carece de informação clínica mais aprofundada. Ou seja, sendo estamos a combater uma ameaça desconhecida, é normal que toda a cautela e prudência seja posta em prática durante a pandemia, quer por parte da comunidade científica, quer por parte da comunidade de saúde pública e dos governos.

Quanto à afirmação de que houve “80% de falsos positivos” não é possível perceber em que é que o autor se baseia. Nem tão pouco é percetível a que homem que” criou o teste” o autor se refere. Mas sobre os “65 milhões de mortes por pneumonia por ano” é possível desmentir a afirmação: por exemplo, segundo o relatório de 2018 do Observatório Nacional de Doenças Respiratórias, estimava-se que este ano, iriam morrer 12 milhões de pessoas por causa de doenças respiratórias no mundo inteiro. Um número bastante inferior — e com diferentes doenças semelhantes à pneumonia — ao que é indicado no post.

A afirmação de que o Covid-19 “sai com sabão azul e branco”, questionando o usado de álcool, para além de ser enganadora, pode ser perigosa. De facto, a DGS recomenda a higienização com as mãos utilizando esse produto, mas durante uma lavagem com a duração de 20 segundos (duração igual à de cantar os “Parabéns”). Caso uma pessoa não tenha sabão azul e branco, a DGS recomenda o uso de uma solução à base de álcool a 70%. Ou seja, é uma alternativa ao uso do primeiro produto. E é preciso dizer que não basta uma lavagem diária das mãos: a recomendação é a de que se faça uma lavagem sempre que se chega a casa – ou a outro local. Ou sempre que se assoar, espirrar, tossir ou estar em contacto direto com pessoas doentes.

Por último, declarar que o “distanciamento social é estúpido” surge aqui mais como um desabafo pessoal, do que propriamente como uma evidência científica. O distanciamento social tem feito parte das regras de etiqueta respiratória amplamente divulgadas e aconselhadas pelas diversas autoridades de saúde mundiais. É também, por isso, perigoso retirar importância a esta medida.

Conclusão

No passado dia 20 de maio surgiu um publicação no Facebook, com uma imagem anexada, onde é descrita uma longa teoria com o seguinte título: “Covid-19 não existe”. Para além desta afirmação, a publicação afirma que “a pandemia foi combinada num encontro a 18 de outubro de 2019, o chamado evento 201, patrocinado pelo John Hopkins Inst. e por Bill & Melinda Gates Foundation”. Chegou a 17,5 mil visualizações e teve 239 partilhas. Para além de conter informações sem fundamento, esta publicação surge com diversos erros de português. O “201 Event” aconteceu, de facto, em outubro de 2019, mas tratou-se de uma simulação de uma pandemia, que reuniu 15 especialistas das mais diversas áreas, da governação à saúde pública. O próprio Johhn Hopkins Institute veio garantir que as conclusões deste evento não podem ser utilizadas como previsões para a pandemia que estamos a viver. Já quanto ao uso de máscara poder ser prejudicial, também se trata de uma informação falsa, porque a sua utilização tem sido recomendada, principalmente para os profissionais de saúde ou para pessoas infetadas. As dúvidas do post relativas tanto aos testes utilizados – que são um instrumento fundamental para que cada país perceba o número de infetados que tem – como ao uso de álcool, sendo que a Covid-19 “sai com sabão azul, são, para além de falsas, potencialmente perigosas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: Este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook e com base na proliferação de partilhas — associadas a reportes de abusos de vários utilizadores — nos últimos dias.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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