Circula nas redes sociais uma publicação que alega que, no que toca às alterações climáticas e ao aumento das temperaturas médias globais, em 42 anos “literalmente nada mudou”. “Há 42 anos a CBS dizia-nos qual seriam as consequências do aquecimento global, depois de quatro décadas, nada mudou”, lê-se na publicação, que acompanha um vídeo que aparenta ser um excerto de um noticiário da estação televisiva norte-americana CBS do início da década de 1980.

Trata-se de uma peça noticiosa que dá conta do início das preocupações da comunidade científica com o facto de a queima de combustíveis fósseis a nível global estar a contribuir para o efeito de estufa e, por conseguinte, para o aumento das temperaturas do planeta. A reportagem apresenta mesmo imagens que ilustram a preocupação com o degelo nos polos e com a subida do nível médio da água do mar, que poderá inundar várias zonas do planeta no futuro.

A peça televisiva mostra ainda uma explicação científica sobre como funciona o efeito de estufa e inclui até declarações de Al Gore, apelando a mais investigação científica sobre o assunto.

A publicação, contudo, sem apresentar qualquer dado concreto, desconfia da veracidade das alterações climáticas, um fenómeno sobre o qual a comunidade científica é unânime, dizendo que desde a década de 1980 “literalmente nada mudou”. “Será que se enganaram?”, pergunta mesmo a publicação. “Reparou que o discurso de hoje é exatamente o mesmo? Até parece que nunca falaram sobre isso antes, né? Falam como se fosse novidade. Esse discurso se repete desde o final dos anos de 1970, e ano após ano, tudo continua igual.”

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A publicação, que inclui, entre outras, a hashtag #fraudeambiental, procura, depois, dar uma suposta explicação científica para o facto de haver temperaturas mais elevadas atualmente: “Mas neste ano o calor está mais intenso, alguém pode dizer. Sim, isso deve-se a um aumento na atividade solar, como foi noticiado durante o ano passado inteiro. Esse fenómeno ocorre a cada dez ou doze anos, a última vez foi em 2012, onde diziam que o mundo ia acabar, lembram-se?”

Trata-se, contudo, de uma publicação repleta de erros, falsidades e meias-verdades já amplamente desmentidas pela comunidade científica.

Em primeiro lugar, olhemos para a afirmação mais taxativa da publicação: a de que, desde o final dos anos 70, “literalmente nada mudou” e “tudo continua igual”. Trata-se de uma evidente informação errada. Para o perceber basta olhar para indicadores tão básicos como os dados climáticos da NASA sobre a temperatura média global registada desde 1880.

O gráfico seguinte mostra a diferença entre a temperatura média de cada ano e a temperatura média do período 1951-1980, escolhido como termo de referência. O gráfico fala por si: entre 1880 e 1940, as temperaturas do planeta estiveram sempre abaixo da média desse período de referência. O período da II Guerra Mundial representa um pico nas temperaturas, que se mantém relativamente estáveis até aos anos 80. A partir do início da década de 1980, é possível observar uma subida consistente nas temperaturas médias do planeta: em 2023, a temperatura do planeta era já 1,17ºC mais elevada do que a média do período 1951-1980. Os últimos dez anos representam a década mais quente alguma vez registada.

Em suma: não é verdade que desde o final da década de 1970 nada tenha mudado na temperatura média do planeta Terra. Os registos comprovam que o planeta está, em média, objetivamente mais quente do que estava no final dos anos 70.

Coisa diferente é o modo como esse facto é sentido pelos humanos. Recentemente, o climatologista Mário Marques explicava ao Observador como um dos principais fatores a influenciar a subida das temperaturas médias é o aumento das temperaturas mínimas, mais do que o aumento das temperaturas máximas: ou seja, mesmo que as temperaturas máximas não sejam significativamente mais elevadas, os termómetros à noite descem cada vez menos, o que faz subir a média. Ao mesmo tempo, o aumento das temperaturas médias do planeta traduz-se no aumento da frequência dos fenómenos meteorológicos extremos. Basta estar atento às notícias nos últimos anos para perceber como sucessivos recordes de temperaturas têm sido batidos e como são cada vez mais frequentes e violentos fenómenos extremos como incêndios, inundações, ondas de calor ou tempestades.

De seguida, a publicação afirma que a razão pela qual o planeta está mais quente este ano é um “aumento na atividade solar” que regista a cada “dez ou doze anos”.

Trata-se apenas de uma meia-verdade. É, de facto, verdade que o Sol tem uma atividade cíclica. Aproximadamente a cada 11 anos, os polos do Sol invertem-se, fenómeno que marca o início de um novo ciclo solar. Como explica a NASA, a meio do ciclo solar é quando a atividade solar é mais intensa, enquanto no início/fim do ciclo é menos intensa. Nos últimos anos, a comunidade científica já concluiu que é verdade que estas flutuações da atividade solar têm, de facto, uma influência sobre o clima da Terra.

Trata-se, porém, de uma influência cíclica que não explica a evolução sistemática das temperaturas terrestres. Novamente, basta regressar ao gráfico apresentado acima para perceber como desde o início do século passado tem havido um aumento consistente da temperatura média do planeta Terra — um aumento que já atravessou cerca de uma dezena de ciclos solares diferentes.

Conclusão

Trata-se de uma publicação falsa. Os dados mostram que, pura e simplesmente, não é verdade que “tudo continua igual” desde o final da década de 1970 no que toca à temperatura do planeta Terra: a temperatura média global já está mais de 1ºC acima dos valores dessa altura. No discurso dos cientistas, têm-se intensificado os alertas para o impacto das alterações climáticas no planeta. Além disso, sendo verdade que o ciclo solar influencia as temperaturas da Terra, esse ciclo de cerca de 11 anos não explica um aumento consistente dessas temperaturas ao longo de mais de um século.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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