Não será difícil recordar a noite eleitoral de 24 de janeiro de 2016. Marcelo Rebelo de Sousa ganhou, sem necessidade de segunda volta, com uns expressivos 52% do total de votos, mais do dobro do segundo candidato Sampaio da Nóvoa (que se ficou por menos de 23%), e o PCP acabou por ter o pior resultado de sempre em eleições presidenciais. Edgar Silva não conseguiu ir além dos 3,95% (183.009 votos) e os discursos da longa noite eleitoral acabaram por ficar marcados pela classificação de “candidata engraçadinha” colada a Marisa Matias, do BE (que conquistou mais de 10% dos votos).

Jerónimo não quis “uma candidata assim mais engraçadinha” para ter mais votos

“Nós podíamos apresentar um candidato ou uma candidata assim mais engraçadinha, portanto, enfim… Em que fosse fácil, com um discurso ajeitadamente populista, pudesse aumentar o número de votos. São opções e eu não quero criticá-las”, disse na altura Jerónimo de Sousa, uma afirmação que haveria de gerar alguma tensão entre o PCP e o BE ainda que Jerónimo tenha poucos dias depois pedido desculpa a quem pudesse ter ofendido diretamente. No intervalo da reunião do Comité Central, dois dias depois das eleições, Jerónimo foi questionado pelos jornalistas sobre a frase e respondeu que “não teve intenção de ser ofensivo” ou dirigido diretamente a alguém.

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“Se foi ofensivo para alguém ou se alguém enfiou a carapuça retiro já o que disse. Já cá não está quem falou. Se essa interpretação persistir já cá não está quem falou, foi uma imagem em sentido geral. Parece que alguém enfiou a carapuça, se assim entendem, fiquem descansados, que eu retiro o que disse”, disse na altura o secretário-geral do PCP, mas as desculpas não colaram e acabaria por marcar alguma tensão entre os dois partidos de esquerda nos tempos seguintes. E, ao que parece, ainda não caiu no esquecimento de todos, bastou uma publicação no Twitter para que os utilizadores voltassem a recordar esse momento.

PCP e BE: as tensões de uma relação “engraçadinha”

Quase cinco anos depois, após ser conhecida a recandidatura de Marisa Matias às eleições presidenciais do próximo ano, surgiram no Twitter várias publicações a criticar um rótulo que o PCP terá, agora atribuído, de “candidata do ombro de fora”. Do que se trata?

Publicações no Twitter sobre comentário do PCP a “candidata do ombro de fora”

Publicações no Twitter sobre comentário do PCP a “candidata do ombro de fora”

A publicação que esteve na origem de várias reações no Twitter é de Filipe Guerra, membro da Assembleia Municipal de Aveiro, eleito pela CDU nas autárquicas de 2017. Filipe Guerra escreve que “João Ferreira é a candidatura da Esquerda e da Constituição” e que “não será uma candidatura personalizada, do populismo fácil, de sorriso de selfie, ombro à mostra e gatinho ao colo”, naquilo que está a ser entendido como classificação das várias candidaturas já apresentadas à presidência.

Filipe Guerra é um dos eleitos pelo PCP, na coligação com Os Verdes. Cumpre, pela segunda vez, um mandato na Assembleia Municipal de Aveiro, conquistado nas eleições autárquicas de 2013 pela primeira vez e revalidado depois em 2017.

No Twitter, é possível encontrar registos de ações de campanha de 2013 e publicações frequentes sobre o PCP e a ação política do partido.

Publicações no Twitter de Filipe Guerra sobre campanha eleitoral às autárquicas de 2013, em Aveiro

Anúncio da candidatura feito pelo próprio Filipe Guerra meses antes do início da campanha eleitoral

Na ficha de apresentação de candidatura do partido, ainda disponível na página da internet, Filipe Guerra é também apresentado como membro da Direção da Organização Regional de Aveiro do PCP e é nessa condição que se pode, em parte, considerar que o comentário veicula o partido, ainda que seja uma dedução mais arriscada.

O Observador questionou o PCP sobre a afirmação do seu eleito, por Aveiro, da qual o partido não se demarcou claramente afirmando apenas que “as exigências da intervenção política do PCP não deixam espaço para andar a perscrutar e comentar os milhares de posts ou tweets que circulam”.

Ainda assim, colocar ao mesmo nível a afirmação de um eleito em Aveiro e as afirmações do secretário-geral do partido numa noite eleitoral é errado. Ainda que desempenhe um mandato pelo PCP, Filipe Guerra não integra nenhum órgão nacional do partido logo não pode ser entendido como representante do partido a nível nacional e muito menos ser colocada no mesmo patamar de uma frase dita por Jerónimo de Sousa.

Conclusão

Não é verdade que a direção do PCP (o Comité Central) ou alguma figura com peso nacional se tenha referido à recandidatura de Marisa Matias às eleições presidenciais como uma candidatura “de ombro à mostra”. As reações partilhadas no Twitter surgem de uma dedução de uma publicação de Filipe Garcia, que é membro eleito pelo PCP na Assembleia Municipal de Aveiro, mas assumi-las como uma declaração oficial do partido é excessivo. As críticas ao PCP fazem um paralelismo o episódio da “candidata engraçadinha” protagonizado por Jerónimo de Sousa na noite eleitoral de janeiro de 2016 e que também visou Marisa Matias. Mas há uma diferença considerável: as declarações consideradas “sexistas” pelo Bloco há cinco anos foram proferidas secretário-geral do PCP — o que tornou legítimo associá-las a uma posição oficial do partido –, mas atualmente trata-se de apenas de um dirigente regional que não representa a mensagem do partido a nível nacional.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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