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Depois do pico da semana passada, as temperaturas em Portugal continental regressaram às médias expectáveis para esta altura do ano. Mas as temperaturas recorde registadas nos últimos dias ficam para a história como um sinal claro de um país a aquecer a olhos vistos: na última quinta-feira, na estação meteorológica de Mora, no Alentejo, os termómetros chegaram aos 36,9ºC — a maior temperatura alguma vez registada em Portugal durante um mês de abril. No dia anterior, outras seis estações meteorológicas nacionais tinham ultrapassado o seu máximo histórico. |
Aos microfones da Rádio Observador, o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, Miguel Miranda, desvalorizou o “campeonato contínuo dos recordes, que na verdade não é assim tão importante”, mas deixou um aviso: “Podemos estar no início de um período de seca importante e de necessidade de ter em atenção os riscos relacionados com os incêndios rurais.” |
A título de exemplo, o responsável do instituto meteorológico português apontou para o que se está a passar em Espanha, onde “as condições de seca começam a agravar-se de forma significativa”. É certo que, em Portugal, “a situação não é ainda tão grave, mas para lá caminha”. |
Efetivamente, como noticiava recentemente o jornal espanhol El Mundo, o país vizinho está a atravessar uma seca de longa duração — e já havia zonas de Espanha que estavam há 100 dias sem um único dia de chuva relevante. Desde o primeiro dia do ano, só tinha caído em terras espanholas metade da água esperada para este período do ano — e a escassez de água, somada às altíssimas temperaturas que se têm registado na Península Ibérica, coloca o país em situação de forte seca. |
Os especialistas avisam que o grande problema nem são necessariamente os grandes picos de temperatura ocasionalmente registados — mas a duração prolongada destas condições excecionais, que vai gradualmente provocando a evaporação da água dos solos. |
Segundo o IPMA, o calor extremo verificado na semana passada em Portugal deveu-se à deslocação de uma “massa de ar quente com origem no norte de África” — e, mesmo não havendo um estudo de atribuição específico que permita associar este episódio diretamente às alterações climáticas, é impossível olhar para as condições meteorológicas atuais do país sem as ler à luz da informação científica acerca do aquecimento global, com especial destaque para dois estudos recentes. |
Um deles, realizado por cientistas da NASA e publicado em março na revista Nature, demonstrou, a partir da análise de mais de um milhar de episódios extremos entre 2002 e 2021, que a maior frequência destes fenómenos está correlacionada com o aumento da temperatura média do planeta — mais do que com oscilações meteorológicas cíclicas, como o fenómeno El Niño. |
O outro é a edição mais recente do European State of the Climate, estudo anual publicado pelo serviço de alterações climáticas do programa Copernicus, da União Europeia. Entre as muitas conclusões do relatório, surge a informação de que a temperatura média do continente europeu nos últimos cinco anos ficou cerca de 2,2ºC acima da era pré-industrial (período referencial de 1850 a 1900 usado para estas comparações), o que conduz a uma conclusão preocupante: considerando que, atualmente, o planeta já se encontra 1,1ºC acima da era pré-industrial, isto significa que a Europa estará a aquecer ao dobro do ritmo do que o resto do mundo. |
Mesmo que as temperaturas recorde da semana passada já tenham passado e os termómetros voltado à normalidade, o que é certo é que os próprios recordes servem para nos lembrar de uma realidade inevitável: o continente europeu está a aquecer (a um ritmo mais elevado do que o resto do mundo), Portugal está na região mais vulnerável do continente aos efeitos do aquecimento global e os episódios extremos, incluindo secas e inundações, estão a tornar-se mais frequentes à medida que o planeta aquece. É sobre esta realidade climática da Europa — na qual se enquadra o recente calor extremo verificado em Portugal — que pode ler no artigo em destaque nesta newsletter. |
Apesar de preocupados com o clima, europeus estão dispostos a poucos sacrifícios |
Mas se é verdade que a Europa está a aquecer a um ritmo maior do que o resto do mundo, é igualmente verdade que os europeus parecem dispostos a fazer pouco para mudar a situação: embora a maioria dos europeus estejam preocupados com o aquecimento global, poucos estão disponíveis para fazer mudanças substanciais ao seu estilo de vida no sentido de contribuir para uma redução das emissões de gases poluentes e com efeito de estufa que provocam o aquecimento global. |
As conclusões são de um inquérito feito pela empresa britânica de estudos de mercado YouGov, divulgado esta semana pelo jornal The Guardian. |
O estudo foi feito com base numa amostra de pessoas de sete países: Reino Unido, França, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Espanha e Itália. Os resultados do inquérito mostram que a maioria dos inquiridos está bastante ou muito preocupada com os efeitos das alterações climáticas — 60% na Suécia, 63% na Alemanha, 65% no Reino Unido, 77% em Espanha, 79% em França e 81% em Itália. Além disso, as posições negacionistas do impacto das alterações climáticas são residuais, ficando abaixo dos 5% em todos os países ouvidos — embora cerca de 20% dos inquiridos considerem que a atividade humana não é a principal culpada pelo aquecimento global. |
No mesmo sentido, a maioria dos inquiridos diz apoiar que sejam tomadas medidas de combate às alterações climáticas — entre 76% e 85% dos que responderam ao inquérito defendem que os governos deveriam trabalhar em conjunto para maior eficiência no combate às alterações climáticas. |
Contudo, no que diz respeito a medidas concretas que cada indivíduo pode tomar para contribuir para o combate às alterações climáticas, as respostas dos inquiridos mostram uma disponibilidade muito reduzida para assumir mudanças radicais no estilo de vida. Por exemplo, o apoio a medidas como a plantação de árvores por parte dos governos oscila entre os 45% e os 72% e o compromisso de não voltar a comprar produtos de plástico de uso único entre os 63% e os 75%. |
No que toca à adaptação das habitações para serem mais eficientes do ponto de vista energético, 67% a 86% dos inquiridos dizem ser favoráveis a medidas de apoio governamental a estas obras, mas apenas 19% a 40% dizem estar disponíveis para cobrir os custos do seu próprio bolso. Menos adesão ainda têm medidas como deixar de comer carne e produtos lácteos (entre 10% e 19%) e ter menos filhos do que se gostaria (9% a 17%). |