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Em dezembro de 2019, a Comissão Europeia apresentou uma proposta ambiciosa: um European Green Deal para transformar a Europa no primeiro continente do planeta a atingir a neutralidade carbónica. “Ao mostrar ao resto do mundo como ser sustentáveis e competitivos, poderemos convencer outros países a avançar connosco”, disse na altura a presidente da Comissão, a alemã Ursula von der Leyen. Um mês antes, os Estados Unidos de Donald Trump haviam dado início formal à sua intenção de abandonar o Acordo de Paris que, em 2015, ajudaram a forjar. A meta europeia era bem clara: chegar a 2050 sem contribuir positivamente para as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera (com uma meta intermédia de, até 2030, reduzir as emissões em 40% face aos valores de 1990). |
A ideia de um European Green Deal não era propriamente original. Já durante o mandato de Barack Obama na Casa Branca tinham surgido apelos para a implementação, nos Estados Unidos, de um Green New Deal, um grande plano de investimentos públicos destinados a transformar a economia americana numa economia mais sustentável e preparada para o século XXI — uma versão “verde” do New Deal implementado pelo Presidente Roosevelt na década de 1930 para recuperar o país na sequência da Grande Depressão. Obama implementou, em 2009, um pacote de medidas sem precedentes, investindo 90 mil milhões de dólares em energias renováveis. O investimento ambiental na ressaca da crise de 2008 geraria controvérsia política — mas o conceito de Green New Deal tem sido nos últimos anos uma bandeira política de uma ala do Partido Democrata, encabeçada pela congressista Alexandria Ocasio-Cortez. |
Durante o mandato de Trump em Washington, Bruxelas antecipou-se e pôs em marcha o seu próprio Pacto Verde. Para dar um sinal de que o European Green Deal seria um pilar central da política europeia, Ursula von der Leyen pôs o primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, o holandês Frans Timmermans, número dois do executivo comunitário, com a pasta do clima. Ao longo dos últimos dois anos, Bruxelas multiplicou-se em designações para políticas climáticas: o Pacto Ecológico Europeu, o Plano Meta Climática 2030, o Pacto Europeu para o Clima, o Novo Bauhaus Europeu, o Plano de Ação Poluição Zero e o pacote Fit for 55 são apenas alguns projetos com nomes sonantes que a Comissão Europeia divulgou entre 2019 e 2021. Mas, afinal, o que é que isto tudo quer dizer? |
Foi isso que perguntei esta semana a Frans Timmermans, numa entrevista à distância. A partir de Bruxelas, o vice-presidente da Comissão Europeia explicou que a primeira meta é garantir que em 2030 as emissões de dióxido de carbono na UE terão caído pelo menos 55% em relação aos valores de 1990 — e que em 2050 o continente europeu é neutro em termos de emissões de dióxido de carbono. Para Timmermans, a ambição desta meta obrigou os líderes europeus a criar a Lei Europeia do Clima, um texto legislativo e vinculativo que consagra na lei os objetivos climáticos da UE. Mas porquê? O compromisso já conhecido não era suficiente? “O que se passa na política é que, quando temos objetivos a longo prazo, objetivos que são mais longos do que o tempo entre eleições, objetivos que têm a ver com o modo como sobrevivemos enquanto humanidade, não podemos depender do que decidimos apenas para hoje. Temos de decidir hoje dar passos consistentes entre hoje e 2050”, explicou Timmermans. Em suma: não chega que os políticos de hoje concordem — é preciso responsabilizar também as próximas gerações de decisores. |
O acordo para a Lei Europeia do Clima foi alcançado em maio deste ano, sob a presidência portuguesa do Conselho da UE — e Frans Timmermans não tem dúvidas em classificá-lo como um dos grandes sucessos negociais de Portugal, numa entrevista em que se multiplicou em elogios a António Costa e até admitiu que o primeiro-ministro português daria, no futuro, um bom presidente do Conselho Europeu. O vice-presidente da Comissão Europeia fala ainda sobre as expectativas para a COP26, em Glasgow, sobre a reforma da Política Agrícola Comum (e como a pandemia expôs graves situações de abusos laborais na agricultura, como em Odemira), sobre a relação com os EUA durante a administração de Trump e sobre as reformas necessárias para tornar a energia europeia mais sustentável. Pode ler a entrevista na íntegra aqui. |
As profecias de um apocalipse climático são contraproducentes |
E, por falar em Green Deals, há mais uma entrevista para ler por estes dias no Observador. Muitas das políticas climáticas implementadas em 2009 por Barack Obama ao abrigo daquele primeiro protótipo de um Green New Deal foram inspiradas num roteiro elaborado alguns anos antes, também batizado como a reencarnação de um outro projeto histórico norte-americano — o New Apollo Project. Um dos seus autores, o ambientalista Michael Shellenberger, teve um percurso curioso ao longo dos últimos vinte anos. Depois de se apresentar ao mundo como um fervoroso defensor das energias renováveis, abandonou a ideia para se dedicar à defesa da energia nuclear enquanto solução para as alterações climáticas e hoje luta, essencialmente, contra o “ambientalismo apocalíptico” e contra os erros e contradições que identifica no ativismo pelas energias renováveis. |
Vários anos de viagens e investigações estão agora reunidos no livro Apocalipse Nunca. Como o Alarmismo Ambiental nos Prejudica a Todos (D. Quixote), que saiu para as livrarias portuguesas no final de maio. A propósito da edição nacional do livro, Michael Shellenberger deu uma entrevista ao Observador para dizer o que pensa sobre os grupos ambientalistas que semeiam o pânico em vez de contribuir com soluções e sobre as informações erradas que levam toda uma geração a acreditar que o mundo está a encaminhar-se para um desastre anunciado. “As pessoas estão, basicamente, a sofrer lavagens ao cérebro para achar que as coisas estão a piorar, quando na verdade estão a melhorar”, aponta Shellenberger, sublinhando que os países mais desenvolvidos passaram o pico das emissões e estão em rota descendente — o que, argumenta, prova que o crescimento económico não é inimigo da sustentabilidade. A entrevista a Michael Shellenberger serviu também de base à discussão sobre o “apocalipse climático” no Contra-Corrente desta terça-feira na Rádio Observador, que pode voltar a ouvir aqui. |
Um dos alvos centrais de Shellenberger, além da ativista sueca Greta Thunberg, é o grupo ambientalista Extinction Rebellion, que se tornou conhecido pelos seus protestos que terminam frequentemente em violência ou na disrupção da vida quotidiana de várias cidades por todo o mundo. O grupo tem ramificações em vários países, incluindo em Portugal, onde o grupo Climáximo já se tornou conhecido por ter um manual interno para ensinar aos seus ativistas o que fazer quando forem detidos pela polícia depois de manifestações na via pública. O mesmo grupo aproveitou recentemente a tragédia humanitária que se vive em Moçambique para atacar a Galp com uma campanha falsa — e, mais recentemente ainda, tentou bloquear o aeroporto de Lisboa, num protesto que levou à detenção de 26 jovens entre os 17 e os 28 anos, que entretanto estão a ser investigados por eventuais crimes de desobediência e de atentado à segurança rodoviária. |