Existem não uma nem duas nem três razões para Passos Coelho ser impedido de aceitar o convite para ser professor convidado no ISCSP. Existem sim 1.993.921 razões a impedi-lo de ocupar esse cargo. Essas 1.993.921 razões são os 1.993.921 votos que a coligação liderada por Passos Coelho obteve nas eleições de 2015. Como sabemos, Passos devia ter perdido essas eleições. Nesse sentido os 1.993.921 que Passos obteve em 2015 são uma heresia. Uma afronta. Uma blasfémia. E sobretudo um erro que convém apagar.

Por um conjunto de circunstâncias, nem todas decorrentes da sua vontade, Passos Coelho protagonizou um facto que a esquerda não tolera em Portugal (e frequentemente também fora dele mas fiquemos por aqui): afirmou-se como líder. Não, não estou a falar de ganhar eleições no país ou no seu partido. Ou melhor dizendo também estou a falar de ganhar eleições mas não só (basta pensar que Durão Barroso ganhou ambas e nunca foi um líder no sentido popular do termo).

Passos Coelho deve sem dúvida à sua enorme resistência mas também às circunstâncias excepcionais em que governou e a um errático Paulo Portas, o ter afirmado a sua capacidade para chefiar um governo. O que vai fazer ou não com esse capital é algo que por enquanto se desconhece e que o próprio ainda deve desconhecer mais que os restantes.

Mas seja como for a ida de Passos Coelho para o ISCSP interessa e muito. Aliás no ponto em que estamos o assunto já deixou de ser algo que só a ele e a quem o convidou diz respeito. O que está em causa é o poder da cidadela. Esse Estado dentro do Estado, constituído por um emaranhado de comissões, gabinetes, departamentos, empresas públicas, observatórios, centros de estudos, unidades de missão, comissariados mais ou menos altos, institutos… É um mundo de representatividades ficcionadas, importâncias não aferidas, onde se entra preferencialmente com o salvo-conduto do marxismo ou da maçonaria e onde abundam os filhos de…gente casada com… que namorou com ou se divorciou de…. Todos separados por mil quezílias institucionais mas unidos por um credo inquestionável: o Estado é deles.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O seu idioma é a língua de pau do marxismo agora revista e a actualizada: não dizem luta de classes mas sim justiça social; já quase não falam de operários mas sim de comunidades; não amaldiçoam o capitalismo mas sim o neoliberalismo… No fim exigem sempre mais recursos. Ou seja mais poder e meios para si mesmos. Aliás eles nunca falham. Têm sempre é poucos meios. Os governos mudam e mudam os partidos que os lideram. A cada uma dessas mudanças a cidadela fecha-se ainda mais.

Mas em 2011 a cidadela tremeu quando viu chegar os homens da troika. Não, as pernas dos banqueiros alemães nunca tremeram. Quem tremeu foi esse mundo blindado nas suas certezas. Desamparados, fulanizaram em Passos os seus medos e os seus ódios. Depois chegou 2015 e aconteceram os tais 1.993.921 votos que a cidadela entendeu como uma afronta a si mesma.

Repostas que estão agora as coisas na sua ordem por assim dizer natural nos sentidos político e biológico do termo – o PS assume-se como fiel da balança, o PSD acomodado na oposição cumpre a função de provar que o país é uma democracia (e generosa porque é necessária uma forte dose de tolerância para aturar tal dislate ambulante) – Passos torna-se obviamente um corpo estranho. A contestação à sua contratação pelo ISCSP é o ajuste de contas da cidadela com Passos Coelho. Mas não só. A cidadela quer mostrar quem manda aos 1.993.921 portugueses que a ignoraram em 2015.

Ps. A EMEL – Empresa Pública Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa assinou dois contratos de aquisição de serviços, um de 22.500 euros e outro de 20.000, por ajuste directo e com um deles a envolver uma antiga deputada socialista. Não pretendo discutir a natureza dos contratos nem a quem foram atribuídos. O que não percebo mesmo é a razão de ser de ambos: em primeiro lugar nunca se viu uma instituição que empregue tanta gente alegar com tanta ligeireza a ausência de recursos próprios para levar a cabo as mais triviais funções. Contudo neste caso, e aqui chegamos ao segundo ponto da minha perplexidade, é que algumas dessas funções não são triviais. São absurdas. Inexplicáveis, até. Mais precisamente como é possível que a EMEL precise de contratar a “concepção de uma metodologia de relacionamento da EMEL com as instituições públicas de âmbito municipal, nomeadamente a Câmara Municipal de Lisboa e Juntas de Freguesia, o levantamento das questões pendentes no relacionamento da EMEL com as freguesias de Lisboa e o estabelecimento de contactos com as Juntas de Freguesia de Lisboa tendo em vista a elaboração do plano de implementação do Plano de Actividades e Orçamento (PAO) para o ano de 2018“?

Portanto a EMEL que por sinal é uma empresa municipal do universo CML teve de contratar serviços externos para saber como relacionar-se com a mesma CML e respectivas juntas de freguesia? Sem desmerecer na pessoa contratada a EMEL faria melhor em recorrer a aconselhamento psicológico ou terapia conjugal. Quiçá a um padre. Enfim a  agente com provas dadas nas metodologias do relacionamento.

Sendo isto já de si bizarro mais bizarro se torna quando se lê a documentação produzida pela dita EMEL. Pois aí tudo vai no melhor dos mundos – por exemplo, após leitura aturada creio ter percebido que os fiscais se chamam agora Coordenadores de Cidadania e Estacionamento – e então no que à comunicação respeita nem há palavras para descrever tal maravilha. Por exemplo no Plano e Orçamento para 2017 da EMEL temos um item dedicado ao “Interface com Interlocutores Institucionais” (os mesmos com que agora a EMEL precisa que alguém de fora ajude a criar uma “metodologia de relacionamento”): “É o interface que faz fluir a informação e a ação. Conectando os diversos interlocutores e agilizando as etapas de cada processo.” O que aconteceu ao interface que em 2017 fazia fluir a informação? Gripou?