Eles vivem numa animação chamada activismo: num dia combatem as vacas e salvam o planeta. No outro, correm atrás da história do bebé cujo sexo os seus pais não deixam que seja conhecido para, dizem, “evitar os preconceito de género“. Ainda mal refeitos de tanto combate enchem as ruas com manifestações em que criticam os políticos mas os políticos que eles criticam são sempre do mesmo lado. (Para quando uma manifestação sobre a poluição produzida pela China? Sobre os atentados ao direitos humanos na Turquia? Sobre a corrupção em África?)

Os filhos do Vasco Granja começaram por ser aqueles pequenos telespectadores que ele tratava por “amiguinhos” e a quem mimoseava semanalmente com “excelentes animações” provenientes da Bulgária, da Roménia, da RDA, da Checoslováquia, da URSS e às vezes, numa deriva para fora do Pacto de Varsóvia, do Canadá. No fim, lá vinha o rebuçado do Mickey ou outra animação do nefando capitalismo.

Os amiguinhos e os filhos dos amiguinhos cresceram e revelaram-se uns monstros de presunção e ignorância. Repare-se no que aconteceu em Coimbra: o reitor proibiu a carne de vaca mas vários alunos defendem a proibição de todo o tipo de carnes. E a Associação Académica explicou que cabe aos que são, “em certa parte, considerados os cérebros da sociedade” “consciencializar toda a comunidade”. Esta frase seria só ridícula caso não ilustrasse o que nos coube viver: estão a ditar a nossa vida, imiscuindo-se nos nossos hábitos, determinando o que vamos comer, dizer, fazer e o que podemos pensar, uns seres tão ignorantes quanto convencidos, uns egocêntricos habituados a não prestarem contas. “Os cérebros” que querem “conscencializar toda a comunidade” para a problemática do bife organizam uns festejos académicos que deixam toneladas de lixo no chão, geram dezenas de comas alcoólicos e imagens de depravação que deixam o país em choque.

Amanhã outra causa aparecerá – não me admirará  nada que os mesmos que agora vêem nos bifes um inimigo público acabem dentro de alguns anos a promover uma candidatura do bitoque a património imaterial da humanidade –  e a ela teremos de aderir com o mesmo sentimento de culpa, com a mesma incapacidade de pensar e o mesmo medo de dizer algo que vá contra a corrente. Por exemplo,  no meio da presente histeria em torno do ambiente e da ecologia acontece essa coisa extraordinária de os auto-proclamados defensores dos animais passarem por ecologistas. Mesmo que estejam exageradas  as conclusões de estudos sobre o impacto ambiental dos animais domésticos como os efectuados por Brenda e Roberto Vale  – segundo estes investigadores o impacto ecológico de um cão é duas vezes superior ao de um carro que faça 10 mil quilómetros por ano –  não deixa de ser sintomático do desnorte em que vivemos que não se aborde a questão do impacte ambiental da produção de rações para cães e gatos.

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Os amiguinhos e os filhos dos amiguinhos funcionam como uma espécie de animação da RDA- República Democrática Alemã, a república que não era uma república, que não era democrática e também não era alemã porque não passava de uma invenção soviética. Tal como a RDA os “amiguinhos” não são nada do que dizem, nem são escrutinados pelo que dizem porque a própria forma como se apresentam – “amigos de” ou “defensores de” – traz implícita a virtude do seu desígnio e deles mesmos. Eles são os amigos do ambiente. São os defensores das minorias. São os amigos dos desfavorecidos. São os amigos dos excluídos… Em resumo, odeiam as democracias parlamentares e a liberdade. E declaram a sua amizade a tudo aquilo em que vislumbram a possibilidade de as corroer.

Assim que um grupo perde essa funcionalidade de destruidor do capitalismo, passa de imediato de protegido a ostracizado. Veja-se por exemplo o que acontece com os operários que, de classe dirigente da revolução, passaram a “lixo branco”, pois as minorias étnicas e a racialização da sociedade são agora a animação preferida dos amiguinhos.

“A urgência climática” é apenas a nova “revolução permanente” e a menina Greta, que não precisa estudar para elucidar o mundo sobre as alterações climáticas, causa o mesmo entusiasmo nas élites ocidentais que as funestas brigadas médicas do Cambodja, no tempo dos khmers vermelhos: sendo a medicina um saber burguês, entenderam os comunistas cambodjanos que os camponeses e as crianças substituiriam os intelectuais-médicos.  O resultado foi um verdadeiro filme de terror para aqueles que caíram nas mãos dessas brigadas de ignorantes-iluminados e uma tragédia sanitária cujo impacto ainda se faz sentir hoje.

Sim, a paixão dos estudantes e muitos professores das democracias ocidentais pelos regimes mais tirânicos da terra não é de agora (não há ditador de esquerda que não tenham transformado em intelectual) mas agora “os amiguinhos” controlam os departamentos universitários, determinando sovieticamente o que se pode estudar, dizer, ouvir…  “Os amiguinhos” passaram do sofá da sala onde viam as animações para as cadeiras do poder. A liberdade não cabe na sua animação. Com eles a  contestação tornou-se ofensa e rapidamente a divergência passará a crime.