O anúncio por Viktor Órban da intenção de constituir um novo grupo político europeu – juntando o seu Fidesz ao FPÖ da Áustria e ao ANO da Chéquia – veio tornar ainda mais confusa a situação no espaço político europeu à direita do PPE. De facto, apesar dos notáveis resultados alcançados em muitos países nas últimas eleições europeias por vários partidos situados à direita do PPE, traduzir o crescimento eleitoral deste espaço político na constituição de um bloco europeu minimamente funcional não se tem revelado nada fácil.

Para que os “Patriotas pela Europa” de Órban se constituam formalmente como grupo no Parlamento Europeu precisam de um mínimo de 23 eurodeputados (marca que já ultrapassaram) e de ter representantes de pelo menos sete países da UE. Curiosamente, a primeira manifestação de interesse em aderir ao novo grupo europeu veio do português André Ventura e outros muito provavelmente se seguirão, não devendo ser problemático ultrapassar rapidamente a fasquia dos sete países. Veremos no entanto até onde chegará o poder de atracção de Órban, e nomeadamente se o objectivo anunciado de constituir o segundo maior grupo político europeu – logo a seguir ao PPE – se virá a revelar mais do que mera retórica vazia.

Para já, a verdade é que o desígnio longamente discutido de unir ECR e ID para formar um grande grupo à direita do PPE parece neste momento uma possibilidade bastante remota. Aliás, ironicamente, um espaço político que tinha como grande objectivo estratégico antes das eleições europeias passar de dois para um único grupo parece depois das eleições mais próximo de passar de dois grupos para três ou mesmo quatro (contando com os “Soberanistas” liderados pela AfD), fraccionando-se ainda mais.

Haverá certamente tanto razões geopolíticas como ideológicas para estas divisões. Como bem sintetizou João Miranda  com a sua habitual argúcia: “Nós nacionalistas não temos razões ideológicas para estar divididos (tirando defendermos uma ideologia que enfatiza a compartimentação de grupos por fronteiras)”. Os fetiches nacionalistas de uma parte considerável dos novos movimentos e partidos de direita radical e populista tendem a fomentar a discórdia intra-europeia, exponenciando velhos e novos conflitos regionais e disputas territoriais e favorecendo a pulverização e fragmentação. Tendem também a favorecer a actuação dos principais actores geopolíticos extra-europeus que podem assim mais facilmente escolher parceiros preferenciais para a defesa dos seus interesses em contexto europeu.

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Mas a compreensão plena do agravamento destes problemas à direita do PPE exige também olhar para Moscovo e para a desastrosa decisão de Putin de invadir a Ucrânia. A invasão e a guerra – absolutamente trágica para a Europa que se seguiu e que continua a ter lugar em solo europeu – veio dificultar e muito os esforços de longa data para a unificação deste espaço político. Como escrevi aqui há mais de dois anos:

“A invasão coloca seriamente em causa também os esforços promovidos, entre outros, por Viktor Orbán para promover uma aproximação entre os grupos europeus ID e ECR (European Conservatives and Reformists), que muitos viam como provável no contexto pós-Brexit. Os Conservadores britânicos, fundadores do grupo ECR, tinham sempre vetado qualquer aproximação ao grupo ID, em boa parte por causa das posições de política externa de Marine Le Pen, vistas como problemáticas e excessivamente próximas de Putin. No contexto do ECR, a invasão russa reforça necessariamente o cepticismo dos polacos do PiS e dos checos do ODS, ao mesmo tempo que dá um importante argumento aos Fratelli d’Italia de Giorgia Meloni no combate político interno contra a Lega de Salvini e permite também ao Vox reforçar as suas críticas aos sectores da esquerda espanhola tradicionalmente próximos de Putin.”

Mais recentemente, Meloni também não ajudou com a sinalização de abertura para uma aproximação a Ursula e ao PPE (com os resultados que estão à vista) e os resultados de tudo isto, como diria Pedro Nuno Santos, são uma verdadeira balbúrdia à direita. Os próximos episódios desta saga deverão ter lugar logo depois da segunda volta das eleições legislativas em França e dependerão, em parte, dos resultados das mesmas. Eleições essas nas quais, ironicamente, um dos principais factores de mobilização de eleitores para o RN é a ameaça da extrema-esquerda. A reacção contra a ameaça da NFP e em especial de Mélenchon são os maiores trunfos eleitorais de Le Pen e Bardella. Órban observa certamente com atenção a partir de Budapeste, na esperança de que um eventual sucesso interno de Le Pen em França possa ter implicações à escala europeia para os seus Patriotas.