Os últimos meses têm sido férteis em crenças religiosas. Pessoas que imaginaríamos estarem pouco inclinadas declararam que afinal estavam. As grandes peregrinações adquiriram proeminência. Aumentou em geral o respeito pela religiosidade popular, comparada em magnitude com as manifestações sindicais. Agentes culturais discutiram em público o que lhes aconteceu em matéria de religião com uma liberdade que até aí tinham reservado apenas às suas perplexidades sexuais.
Esta franqueza é uma franqueza pública acerca dos nossos sentimentos. Um sentimento é uma coisa que nos passa pela cabeça e depois pode provocar pele de galinha; e depois de provocar pele de galinha leva muitos irresistivelmente a falar dele. Poderíamos assim concluir, e não seria disparatado, que nos últimos tempos se verificou uma quantidade enorme de sentimentos religiosos.
A relação entre religião e sentimento não augura nada de bom; não porque os sentimentos das pessoas não sejam genuínos (não há maneira de um sentimento não ser genuíno) mas porque o que se diz sobre religião é quase sempre um efeito desses sentimentos: as pessoas falam sobre religião sob o efeito de sentimentos religiosos. No momento, assim, em que tais sentimentos seguirem o caminho de todos os outros sentimentos, e forem parar ao caixote do lixo da mente, as crenças religiosas darão lugar àquilo que aconteça vir a sentir-se nessas alturas.
O problema mais importante, e realmente o único problema interessante, não é o do que acontece passar pela cabeça das pessoas; e com certeza não é o daquilo que elas dizem sobre o que lhes passa pela cabeça. É antes o da insistência na ideia de que os sentimentos religiosos são evidência para crenças religiosas; e a ideia de que as crenças religiosas dependem de evidências. O Evangelista conta a história com valor admonitório de um cavalheiro que insistia na importância de ter certas percepções, para poder desenvolver certos sentimentos e para enfim poder endossar certas crenças. Foi-lhe lembrado rispidamente que pelo contrário todas as crenças realmente importantes são independentes das percepções e dos sentimentos de quem as tem.
A imagem negativa e cómica desta situação é a da pessoa que abandona crenças religiosas porque chegou à conclusão de que certas percepções correspondiam afinal a alucinações, certos sentimentos tinham sido causado por essas percepções, e as suas palavras entusiásticas tinham sido causadas por esses sentimentos. A indignação de uma pessoa que deixou de ter uma convicção é muitas vezes parecida com a de um cliente insatisfeito que percebe que adquiriu um produto por efeitos de uma publicidade enganosa: o que lhe parecia lebre era o holograma de um gato. Os sentimentos e as percepções em que tinha confiado eram injustificados. Nesse momento de indignação porém as convicções religiosas vão ralo abaixo com as sensações e os sentimentos. Eliminado o bébé, o agente passará a ir pregar as convicções seguintes para outra freguesia.