É impossível não falar acerca da guerra. Uma guerra que se prolonga há 50 dias. São 50 dias de violações a um país democrático, independente e com fronteiras definidas. É impossível não nos colocarmos no lugar dos ucranianos, percebendo a revolta, o medo, a determinação, a firmeza, ou a fúria, que por estes longos dias sentem. Parecia impossível vir a acontecer. As intenções imperialistas de alargamento de fronteiras e território por parte de Moscovo tomaram os ucranianos, a Europa e o resto do mundo de surpresa. Um ato vil e desprezível em muito semelhante ao que em 1939 iniciou o conflito mais sangrento da história da humanidade.

A tentativa mais recente de acabar com o futuro e aspirações ucranianas remonta a 2004, quando Viktor Yanukovych, candidato pró-Rússia, ganhou as eleições presidenciais com manipulação dos resultados. As pessoas saíram à rua na manifestação conhecida como Revolução Laranja e os resultados foram anulados. Nos seguintes anos a Ucrânia lutou para atingir a estabilidade económica. Em 2010, Yanukovych ganhou as eleições e embora prometendo a entrada na UE à população, secretamente negociou uma aliança com a Rússia. A população estava virada para Oeste, os governantes para Este. O futuro da nação estava novamente em jogo com o afastamento em relação às democracias liberais, e um retrocesso à época da antiga União Soviética.

Hoje, como em 2010, o medo de perder o seu mais fundamental direito: o direito à liberdade, à autodeterminação, ao mundo livre e ao futuro, leva os ucranianos a não ter medo de morrer. Se tivessem, já teriam abandonado a sua terra e deixado Putin, o carrasco de uma geração, instalar o seu regime autocrata que não fala a linguagem da liberdade nem do respeito pela vida humana. Enquanto pisam sangue, nada lhes dá mais orgulho que defender a liberdade e o mundo civilizado. O mundo, e em particular as vítimas desta guerra, precisam de ver Putin a ser julgado e condenado pelos crimes hediondos que está a cometer.

A guerra veio para ficar, vai trazer o melhor e, inevitavelmente, o pior do ser humano. O mar de destruição na cidade de Bucha, a par do rasto de corpos de civis deixados a morrer na rua e o ataque à estação de comboios de Kramatorsk, demonstram que os civis não são vítimas casuais de ataques de natureza militar, mas sim de ações deliberadas contra populações civis, deixando antever que muitas coisas horrendas irão ainda acontecer. As forças russas apertam cada vez mais o cerco a Mariupol onde mais de 10 000 civis perderam a vida, e a Ucrânia prepara-se para ter mais uma cidade aprisionada pelo inimigo.

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A Bielorrússia colocou todos os membros da UE, incluindo Portugal, na lista de países inimigos – leia-se defensores do mundo civilizado e da dignidade humana. A Hungria e a Sérvia mantêm-se pro-Rússia e André Ventura já felicitou Vítor Órban. O Partido Comunista Português teima em não se desmarcar de Moscovo, tendo votado contra o discurso de Zelensky no parlamento português, alegando que a iniciativa “não promove a paz”. Não será normal que um país violado e privado das suas aspirações queira apelar ao bom senso das nações? É incompreensível e foge à razão humana a posição de forças políticas como o CHEGA e o PCP. Conhecendo a história, e conhecendo todas as atrocidades que regimes totalitários cometeram, não condenar este crime tão perverso, tão evidente, é ficar do lado do agressor.

50 dias depois, está tudo em cima da mesa, mas o tempo corre contra nós no ocidente. Os governos serão penalizados, não pelas sanções, mas pelas consequências que daí decorrerão. O erro geoestratégico de dependência vai demorar anos a curar. Claro que a liberdade tem um preço. Nos próximos tempos, haverá provavelmente menos conforto, mais dúvidas, novas inquietações. É sempre assim quando se defende e protege algo tão precioso quanto a vida humana em liberdade.

Já é uma questão de dignidade humana. A Ucrânia é um grande território com grande coragem. As pessoas estão dispostas a morrer pelo seu futuro, pelo futuro dos seus filhos. Quem nasceu nos anos 90, cresceu numa Ucrânia independentemente, conhece as fronteiras do país, entende a palavra liberdade. É uma geração que cresceu independente. Cresceram como pessoas livres. E ninguém pode obrigar alguém livre a ajoelhar-se.