Sabemos que um país tem um problema quando o povo desconfia de todos os seus políticos. Sabemos que tem um problema gravíssimo quando são os políticos que desconfiam do seu povo. Passa-se isso com Portugal, como ficámos a saber no Sábado, quando o Primeiro-Ministro disse aos militantes do PS que têm de ser mais exigentes a escolher quem convidam para cargos públicos. Neste momento, a questão não é os portugueses padecerem de excesso de populismo, a questão é sofrerem de falta de popularidade. António Costa não vai muito à bola connosco. Parece que não somos de fiar.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o Primeiro-Ministro não estava a falar sobre os seus correligionários socialistas. Costa estava a falar de nós, portugueses em geral, que, volta e meia, são recrutados para alguns cargos públicos e, lá chegados, têm atitudes que embaraçam quem os convidou. Como se viu pela forma implacável como Costa se referiu às ex-secretárias de Estado do Tesouro e do Turismo, é óbvio que, para o PM, o problema só pode ser dos membros do Governo que não são compinchas lá no partido. Falta-lhes aquela educação que só tem quem passou pela JS, e isso fá-los comportarem-se de forma imprevisível. Costa não aprecia.

No Parlamento, confrontado com a indemnização que Alexandra Reis não devolveu ao ingressar na NAV, Costa foi peremptório: “Não comento. À justiça o que é da justiça”. E, quando lhe perguntaram sobre a passagem de Rita Marques do Governo para uma empresa que terá beneficiado, o PM não vacilou: “Deixemos trabalhar os tribunais”. Estou a brincar! Como é evidente, Costa não disse nada disso. Sobre a primeira, António Costa não tem dúvidas de que violou um estatuto qualquer. Sobre a segunda, tem 99,9% de certeza que ia cometer uma ilegalidade. Costa tem um faro muito apurado, mas só para marosca extra-partidária.

O respeito pela separação de poderes e pela acção da Justiça só se aplica quando o suspeito é do PS. Se for Sócrates, Cabrita ou Miguel Alves, António Costa não tem certezas nenhumas sobre alegadas ilegalidades, porque só os tribunais é que se devem pronunciar sobre esses temas, a presunção de inocência é muito linda e outras lengalengas legalistas do género. Entre os benefícios que tocam a militantes do PS, está incluído o da dúvida. Já quando se trata de duas civis, sem ligação ao partido, António Costa recorda o que leu nos canhenhos da Faculdade de Direito e volta a conseguir pronunciar-se sobre leis: é claro que são culpadas, não é preciso fazer mais nada.

A falta de confiança de António Costa nos portugueses acaba por me afectar sobremaneira. Moro em Lisboa, ao lado do Largo do Rato, e já estou a ver a vida a andar para trás. Quando toda a gente perceber que, para se safar, tem de ser militante do PS, o trânsito ao pé de minha casa vai-se tornar insuportável por causa das excursões de pessoas para se inscreverem. Mas o PS borrifa-se nos constrangimentos que causa na vida dos seus vizinhos. Os socialistas têm muita pachorra no trânsito, como se vê pela forma paciente e relaxada com que se dispõem a aguardar pelo trânsito em julgado.

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