Lê-se no site da TSF; Barrigas de aluguer e PMA vão hoje a votos. PCP ainda com reservas. E praticamente não se lê em qualquer outro lugar. Nem sequer a muito católica Rádio Renascença dá destaque à notícia.

O que está em questão é não só a possibilidade de mulheres lésbicas recorrerem à procriação medicamente assistida mas o aceitarmos que uma mulher fique grávida por encomenda e que no fim da gravidez entregue essa criança, sua filha, a outra mulher que passará a ser designada como mãe.

O recurso às barrigas de aluguer é uma das maiores manifestações de egoísmo que consigo conceber: uma mulher que não consegue ou não quer engravidar – sim, há quem, como a actriz Sofia Vergara, tendo já filhos, passe a optar pelo sistema barriga de aluguer porque tem uma carreira muito preenchida – considera que a sua vida só se realiza sendo mãe. Para tal estão estas mulheres dispostas a tudo mesmo a subestimarem o facto de a criança a que chamam filha ter sido encomendada. Por mais voltas que dê à minha imaginação não vejo possível que a realização de alguém como mãe passe por um acto como este.

As barrigas de aluguer têm ido no tropel das chamadas causas fracturantes relacionadas com os direitos dos homossexuais. E a partir do momento em que tal acontece não se discute mais nada porque se fica logo sob o espectro de se ser considerado reaccionário, atrasado e tudo o mais que as pessoas bonitas, com muitos likes, não são. O resultado dessa anomia da sociedade perante essa milícia dita progressista é que os assuntos já nem se discutem. É fatal como o destino que se o BE e a ala jacobina do PS colocam um assunto na agenda ele vai inundar os noticiários. Caso contrário não há assunto. E assim o Exército perdeu em Portugal as suas chefias por causa de umas declarações sobre a frequência por alunos homossexuais do Colégio Militar enquanto as agressões a uma professora, para mais doente oncológica, por duas das suas alunas nem sequer mereceram mais que umas breves notícias.

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Independentemente da opinião que tenhamos sobre o direitos dos homossexuais a verem reconhecidas pelos estados as suas uniões está mais que no momento de deixarmos de andar a tropel nestas matérias. Porque é a tropel que temos andado, fazendo literalmente figura de parvos. Por exemplo, quantos casais homossexuais celebraram o seu casamento em França? 17.500. Quantas famílias polígamas se estima existirem naquele país? 20 mil. Porque são os primeiros uma causa e as segundas um assunto escondido? Porque os herdeiros de Robespierre assim o determinaram. Mas se um dia, num qualquer colectivo, meia dúzia de activistas descobrir o potencial fracturante deste tema logo teremos o folclore da causa montado, com o direito a amar, o amor é plural, as famílias não são todas iguais… Termos aceite que as questões da procriação medicamente assistida, e muito particularmente o recurso às barrigas de aluguer, fossem incluídas no lote das causas fracturantes dá bem conta da doideira a que chegámos.

A proposta que está no parlamento sobre as barrigas de aluguer é da autoria do BE. Prevê que o recurso às barrigas de aluguer seja possível nos casos, por exemplo, de “mulheres sem útero, com uma doença que impeça a gravidez, mas também mulheres que tenham sofrido de cancro e que tenham ficado com sequelas irreversíveis.” Poderia dizer que na prática estes casos tenderão a ser mais, que é muito lata a interpretação sobre o que cabe em “que tenham sofrido de cancro” e que não tardará surgirão mulheres afectadas por outros doenças a denunciar a discriminação de que estão a ser vítimas. Poderia também levantar várias questões que não são teóricas pois já se colocaram noutros países: como se decide no caso de uma mulher que sofreu cancro (e como tal recorreu a uma barriga de aluguer), voltou de novo a ter cancro e, perante esse facto, não pode ou não quer que a gravidez que encomendou chegue ao fim?

Poderia também chamar a atenção para o paradoxo de estarmos a dar aos maridos das mulheres que encomendaram a criança, direitos que não reconhecemos aos homens quando as gravidezes não resultam de uma encomenda. Por exemplo, os homens não podem impedir uma mulher de abortar. De nada lhes serve que queiram ou não aquela criança. Que sejam casados ou solteiros. A vontade da mulher é soberana. No limite, um católico fervoroso ou alguém que deseje ardentemente ser pai assiste impotente ao aborto do seu filho. Do mesmo modo o distraído, católico ou não, que passou umas horas com uma mulher cujo nome e rosto até nem recorda pode ver-se confrontado a qualquer momento da sua vida com a notícia não só de que é pai mas também com as responsabilidades daí resultantes. Pelo contrário, no caso das barrigas de aluguer os maridos das mulheres que encomendaram a criança tornam-se parte do contrato, tanto mais que a mulher pode ter sido inseminada com o seu esperma.

Se vasculharem a imprensa internacional encontrarão casos ainda mais absurdos que estes. E todos nos conduzem à mesma evidência: ser mãe não é um direito nem um dever. Não pode valer tudo nesta matéria. A felicidade que algumas pessoas acreditam poder usufruir ao terem uma criança nos braços a que chamam filha não pode ser conseguida à custa do apagamento das emoções da mulher que esteve grávida e entregou a criança. Não temos duas classes de mulheres: as primeiras, aquelas para quem os filhos são importantíssimos, tão importantes que não concebem a vida sem eles. E as outras, aquelas para quem desfazerem-se de uma criança de que estiveram grávidas nove meses e que pariram é um acto que não deixa marca.

Um dia vão perguntar-nos como foi isto possível. Como achámos isto normal. Os que agora defendem estas causas dirão que estavam bem-intencionados. Os outros dirão que não sabiam. Não é verdade.