A notícia surgiu no dia 26, logo a seguir ao Natal: chegaram só a 5 de Dezembro os boletins eleitorais enviados aos Portugueses emigrantes no México. São mais de dois meses de atraso, visto que as eleições legislativas tiveram lugar a 6 de Outubro e, para permitir o voto dos cidadãos portugueses a residir naquele país, era necessário que os boletins tivessem chegado ainda alguns dias antes. Imagine-se o que seria se, por exemplo, os cidadãos residentes na cidade de Portalegre fossem impedidos de votar por falta de boletins eleitorais – seria uma indignidade tão grande que não se concebe as autoridades públicas ignorarem tal incompetência castradora de cidadania democrática. Mas, tendo sido no México e mesmo não se apresentando como caso único (também tudo se atrasou na África do Sul e, por exemplo, houve movimentos cidadãos no Reino Unido a denunciar falhas), a única coisa que se ouviu foi silêncio. A menos que me tenha escapado, nestes últimos dias nenhum partido político emitiu uma comunicação a condenar o sucedido, a pedir explicações ou a exigir responsabilidades políticas. Já ninguém quer saber.

Sim, eu sei que estou a fazer chover no molhado. As semanas que sucederam às eleições de 6 de Outubro haviam sido esclarecedoras sobre a indiferença com que o regime desconsidera o voto dos portugueses emigrantes e, muito em particular, as próprias regras institucionais. Recorde-se que, no período pós-eleitoral, os procedimentos para a tomada de posse do novo governo foram iniciados sem se ter esperado pelos votos dos portugueses no estrangeiro. O Presidente da República ouviu todos os partidos com deputados eleitos (excluindo por sua iniciativa a possibilidade teórica de o partido Aliança eleger um deputado nos círculos da diáspora) e indigitou António Costa para formar governo antes (sublinhe-se: antes!) de todos os votos estarem contados (votaram 157 mil emigrantes) e de os 4 deputados da diáspora estarem eleitos. Isto, por si só, é completamente inaceitável. Como escrevi então: “se isto fosse futebol, seria como entregar a taça antes de soar o apito final — por mais golos de vantagem que se tenha, os jogos só acabam ao minuto 90. Ora, como isto é ainda menos sério do que futebol, o mínimo a reconhecer está na mensagem subjacente: para o regime, há votos que contam menos do que outros — o que equivale a dizer que há portugueses de primeira e portugueses de segunda”.

Passaram três meses desde as eleições legislativas e os relatos de uma incompetência incrível continuam a chegar. Mas não houve qualquer censura política da sociedade civil aos seus representantes: todos, a começar por Presidência da República e Governo, pisaram os trâmites formais de uma república sem gerar contestação proporcional. E também não houve apuramento de responsabilidades. A culpa, dizem-nos, foi dos correios dos outros países, como se os direitos de cidadania dependessem do carteiro e não, por exemplo, de embaixadas e consulados de porta aberta no dia eleitoral, para votos presenciais – no México, quem lá se deslocou bateu com o nariz numa porta fechada. Entretanto, o relato de insuficiências e incompetências é tão longo que custa aceitar que, no governo ou nas autoridades públicas que gerem logisticamente o acto eleitoral, nenhuma cabeça tenha rolado. Correu mal e milhares de portugueses não puderam votar? Paciência – ninguém no regime chorará por eles e, de resto, em Portugal, raras são as vezes em que, sem ruído político envolvido, alguém assume responsabilidades por algo que falhe.

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