Para o pós-eleições de 2024, Pedro Nuno Santos (PNS) tem sido evasivo sobre alianças e coligações. Apenas esclareceu que nunca viabilizaria um governo PSD. E, sobre esta questão, a posição do novo líder do PS apresenta-se incondicional: os socialistas inviabilizarão um governo liderado pelo PSD, independentemente de o PS ter condições para constituir uma solução alternativa de governo. Por outras palavras, PNS declarou que, em última instância, prefere um quadro de ingovernabilidade (isto é, que nenhum governo seja possível de viabilizar no parlamento) à viabilização de um governo liderado pelo PSD. Não se imagina como tal posição de intransigência pudesse ser bem recebida na sociedade portuguesa e na arbitragem do Presidente da República. Aliás, nem dentro do próprio PS essa posição é consensual: José Luís Carneiro, nas eleições internas para secretário-geral dos socialistas, admitiu disponibilidade para viabilizar um governo PSD, se tal viesse a ser necessário para evitar um quadro de ingovernabilidade. Ou seja, colocando-se a situação de o PS ser indispensável para viabilizar um governo PSD, PNS arrisca-se a ficar debaixo de enorme pressão pública e política.

Convém perceber que a opção de PNS difere radicalmente da de António Costa. Quando, em 2015, o PS derrubou no parlamento o segundo governo PSD-CDS liderado por Passos Coelho, António Costa justificou a opção com a sua capacidade em formar um governo alternativo, apoiado por uma maioria parlamentar composta pelos partidos de esquerda (PS-BE-PCP-PEV). Essa condição tem importância e não deve ser desconsiderada: os partidos de esquerda derrubaram um governo PSD-CDS porque se sentiram politicamente legitimados pela viabilidade de constituírem uma solução de governo alternativa. Se, hipoteticamente, um dos partidos que compuseram a geringonça tivesse rejeitado apoiar um governo minoritário do PS, António Costa teria ficado encurralado e sem essa maioria parlamentar. Nessas circunstâncias, o líder socialista ter-se-ia visto forçado a viabilizar o segundo governo PSD-CDS, uma vez que fazê-lo cair sem ter ele próprio uma solução alternativa corresponderia a promover uma situação em que nenhum governo seria viabilizado no parlamento.

Ora, se a posição de PNS parece precipitada, ela assenta ainda num outro equívoco: a convicção de que o Chega (CH) é um problema exclusivo da direita. Não é — se se considerar que o CH representa ideias políticas que estão à margem de uma democracia cosmopolita, pluralista e europeia, então o CH será um problema de todos os que partilham esse ideal político. Mais: na própria aritmética parlamentar, o CH não é um problema exclusivo da direita. Como argumentou Luís Aguiar-Conraria no Expresso, se o CH tiver um grupo parlamentar de média dimensão (30 ou mais deputados), “uma cerca sanitária exige a colaboração de todos”. Isto porque, parafraseando o raciocínio de Aguiar-Conraria, se o CH enquanto partido anti-sistema decidir rejeitar qualquer solução governativa à esquerda ou à direita (que não os inclua no governo), como o seu líder assegurou que faria, a formação de um novo governo ficaria bloqueada. De resto, seria incoerente e incompreensível que o PS, que eleva sistematicamente o CH a ameaça ao regime democrático, deixasse a governabilidade ou a ingovernabilidade do país nas mãos de André Ventura.

Compreendo que os dirigentes socialistas se desdobrem em esforços para não discutir as implicações da posição de PNS quanto à não-viabilização de um governo PSD. Mas está longe de ser improvável um cenário pós-eleitoral que coloque PNS neste beco sem saída. Se a AD for a mais votada e o bloco de partidos à direita (PSD-IL-CH-CDS) tiver maioria parlamentar, o PS não terá condições para formar governo. E, nessa situação, o ónus recairá sobre PNS: ou o PS viabiliza um governo liderado pelo PSD (e, portanto, PNS recua no seu compromisso), ou coloca a decisão nas mãos do CH e arrisca uma situação de ingovernabilidade — da qual o PS seria co-responsável. Os socialistas passaram os últimos anos a promover o crescimento do CH e a fixar uma linha vermelha à sua volta. Em 2022, a estratégia valeu-lhes uma maioria absoluta. Em 2024, por ironia, poderá infligir-lhes um golpe profundo na sua nova liderança.

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