Neste terceiro e último artigo, parece-nos importante e apropriado fazer uma referência à teoria da modernização ecológica e às contradições do capitalismo verde que lhe está associado (Covas e Covas, 2014, pp: 70-78).

A teoria da modernização ecológica (TME) está em linha com as grandes preocupações ambientais do último quartel do século XX. Na fase inicial, devido ao romantismo radical dos movimentos sociais ambientais, não surpreende que os grandes conceitos sociológicos ambientais tenham uma origem de inspiração neomarxista. Em causa, de facto, estava uma mudança de paradigma, a saber, dos impactos dos humanos no ambiente, visão antropocêntrica, para os impactos do ambiente nos humanos, visão ecocêntrica. Logo de seguida, os grandes acidentes da década de 80 deixam de respeitar países, sistemas e fronteiras e mudam, também, a natureza e a escala dos problemas ambientais. Ao mesmo tempo, entre os debates do Clube de Roma (Relatório Meadows 1972) sobre os limites biofísicos ao crescimento económico e os diversos Relatórios do IPCC sobre Alterações Climáticas ou a grande campanha ambiental de Al Gore denominada Uma Verdade Inconveniente, assistimos à internacionalização da questão ambiental e à emergência da grande noção de desenvolvimento sustentável, na sequência do Relatório Brundtland de 1987 e nas Conferências do Rio de 1992 sobre Ambiente e Desenvolvimento e de Joanesburgo de 2002. Neste percurso, o que acontece à teoria da modernização ecológica?

Julgamos poder descortinar vários ângulos e perspetivas de abordagem da teoria da modernização ecológica. Desde logo, uma ecologização da teoria social e da sociologia, uma sociologia ambiental (1), depois uma politização do ambiente, a reforma das políticas de ambiente e justiça ambiental (2), em terceiro lugar, uma juridificação dos direitos ambientais, depois dos direitos civis, políticos e humanos, a 4ª geração (3), em quarto, uma socialização dos riscos globais, uma sociologia do risco global (4), por último, uma nova ecologia humana, a qualidade dos ecossistemas vai a par com a qualidade do bem-estar humano (5).

Em termos simples, a TME está mais apta para lidar com os problemas de problem-solving, segundo uma visão pragmática e realista, razão pela qual prevalecem as questões da ecologia industrial e da ecologia urbana, então mais desenvolvidas no norte da Europa. Todavia, no quadro da global governance e da environmental politics, a TME está, claramente, limitada na sua capacidade para tratar de problem-saving e de risco sistémico. E é aqui que nos encontramos hoje.

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Aqui chegados, o essencial da TME, em termos simples, pode ser formulado sob a forma de dez teses:

A TME é uma tese acerca da modernização da modernidade, que não confunde industrialismo com capitalismo, e que se inscreve na grande corrente da modernização reflexiva de Anthony Giddens, na fase tardia do capitalismo quando este ainda acredita, apesar de tudo e dos riscos globais, que tem condições para renovar as disfunções do seu próprio industrialismo;

A TME é uma tese acerca da economia verde, o “greening” do sistema, isto é, é uma lógica técnico-instrumental ao serviço da reestruturação ecológica do capitalismo;

A TME é uma tese acerca da transição paradigmática entre o antropocentrismo da sociologia clássica e contemporânea e a emergência do paradigma ecológico onde a sociologia ambiental tem um papel de relevo na definição e delimitação dos problemas agroambientais e eco rurais;

A TME é uma tese acerca do compromisso entre crescimento económico e proteção da natureza, isto é, a proteção da natureza e a política ambiental como fonte de crescimento económico; desse ponto de vista, a TME é um compromisso histórico, um novo campo de forças ou coligação de grupos de interesse, acerca de um novo policy-style para o desenvolvimento económico e social;

A TME é uma tese acerca da crescente independência da racionalidade ecológica face à racionalidade económica que induz uma forte racionalização em duas direções principais: uma diferenciação estrutural e a emergência de novas áreas de interação entre a economia e a ecologia e a correlativa especialização funcional que daí decorre;

A TME é uma tese acerca de um capitalismo ecologicamente regulado, seja pela regulação pública ou a hétero-regulação, isto é, estamos a institucionalizar a ecologia nas práticas correntes como nas instituições;

A TME é uma tese acerca do papel central desempenhado pela ciência e a tecnologia, quer na definição e delimitação dos problemas ambientais como na regulação e gestão dos riscos;

A TME é uma tese acerca da distribuição do poder na formação e gestão das fileiras agroindustriais, em íntima ligação, de resto, com a carga regulatória dos governos, em especial, em redor dos complexos higiénico-burocráticos de regulação e inspeção;

A TME é uma tese acerca da atualização do poder entre corporações e profissões, muito ligado ao aparato higiénico-alimentar, ao mesmo tempo que revela a fragilidade da sua base político-sociológica para se ligar a uma política ecológica que não se limite a ser uma mera modernização agroindustrial conduzida sob a égide da própria indústria agroalimentar;

A TME é uma tese acerca da modernização de economias desenvolvidas, logo carece ou pressupõe uma diferenciação estrutural importante em relação a zonas desfavorecidas

Assim sendo, as principais críticas à TME podem ser formuladas do seguinte modo:

  • Para lá do sistema, a TME é uma construção social com todas as implicações político-sociológicas que contém e significa,
  • A modernização ecológica, devido à sua forte componente tecnológica, carrega um risco acrescido e, sobretudo, no domínio agroalimentar, alarga o campo dos objetos comestíveis não-identificados,
  • A modernização ecológica, ao eleger o imperativo tecnológico, não faz o balanço dos seus fluxos de energia e materiais, isto é, não é muito convincente que crescimento económico e ambiente caminhem de mãos dadas,
  • A modernização ecológica é, em boa medida, uma questão microeconómica, por um lado, e de política nacional, por outro, sendo certo que os grandes problemas ambientais são de “global governance”,
  • A modernização ecológica, por causa da sua fé verde e tecnológica menoriza ou secundariza dois problemas maiores: o papel da ciência e tecnologia e, sobretudo, do progresso científico, em primeiro lugar, e a resposta que dá aos riscos globais, em segundo lugar,
  • A modernização ecológica reconhece, porém, que o que é previsível hoje é a resistência das populações e não a satisfação com o progresso científico,
  • A modernização ecológica valoriza o admirável mundo verde das tecnologias limpas e da ecologia, mas não reconhece que produção e a qualidade alimentar são processos socialmente construídos e que os produtores e os consumidores podem construir circuitos curtos e diretos,

Notas Finais

Em síntese final, a TME é o resultado da conjugação de quatro escolas pensamento: uma escola de sociologia ambiental (1), que podemos identificar com os trabalhos académicos da escola alemã de Berlim de Joseph Huber e Martin Janicke e com os trabalhos da escola holandesa de Wageningen dos sociólogos Arthur Mol e Gert Spaargaren, uma politização da questão ambiental  segundo o princípio geral de que a economia e a ecologia são conciliáveis no quadro das economias capitalistas avançadas (2), a corrente gestionária da política industrial (3) segundo a qual a TME é percebida como gestão ambiental, ecologia industrial, ecologia agrária e ecologia urbana, finalmente, a globalização da questão ambiental, a emergência da sociedade do risco global e o greening do consumo (4) onde os problemas ambientais deixam de ser um problema de ecologia agrícola, industrial ou urbana para ser um problema de ecologia política e ecologia humana, isto é, de cidadania ambiental.

Nesta conjugação de escolas de pensamento a TME e o capitalismo verde concordam, genericamente, em que:

  • Se há problemas derivados do industrialismo então a solução está em mais e melhor industrialismo e não em menos, a digitalização de processos e procedimentos é a solução,
  • A ecoeficiência e a racionalização são instrumentos essenciais da reforma da política ambiental, por via do incrementalismo e não do radicalismo das reformas,
  • As reformas têm um efeito de aprendizagem social sobre os movimentos mais radicais moderando o seu ímpeto radical,
  • O ambiente caminha para uma área autónoma face à economia e à política, estamos perante uma racionalidade própria cada vez mais nítida e evidente,
  • A modernização ecológica e a modernização institucional interagem constantemente e contribuem para renovar a relação entre o Estado e a sociedade,
  • Através da emancipação da ecologia chegamos à emancipação do individuo, porque o bem-estar dos ecossistemas e o bem-estar humano são as duas faces da mesma moeda.

Hoje, como sabemos, não faltam as soluções inovadoras, pragmáticas e utilitárias do capitalismo verde, por exemplo: a agricultura de precisão, a produção de energias alternativas, a mobilidade urbana, a bioclimatização, a economia circular, as métricas de sustentabilidade, a prevenção e o combate aos incêndios, a previsão meteorológica, etc. Tudo o que o sistema comporta no interior das suas fronteiras e não altere substancialmente as relações de poder pré-existentes, mesmo que, para lá do sistema, reine o caos e a morte iminente. Estas são as grandes contradições do capitalismo verde, cada vez mais confinado e isolado, enquanto, à sua volta, tudo parece querer desmoronar-se: são os impactos devastadores das alterações climáticas, o crescimento do número de estados falhados e de refugiados, as desigualdades sociais obscenas, o desejo da morte no ciclo infernal de ganância, inércia, corrupção e loucura.

O Antropoceno deixou de ser um problema geoclimático para atormentar a vida quotidiana de cada um de nós, tal como, de resto, o capitalismo verde e as suas inúmeras novidades consumistas. É a economia que mata em plena laboração. Entre o luto e o medo temos de dar passos significativos, é o que nos diz a economia da esperança do Papa Francisco.

*Covas, António e Covas, Maria, Os territórios-rede, Edições Colibri, 2014.