Vamos em seis vezes que a Maternidade Alfredo da Costa anunciou e fechou as urgências do bloco de partos desde o início do Verão. Seis vezes. Desde o início do Verão, não é desde o início do mandato, nem sequer desde o início do ano. Falo apenas da Maternidade Alfredo da Costa, por acaso a maior do país, mesmo sabendo que o mesmo tem sucedido noutros hospitais. Diz o radio-couloir que ela pode voltar a fechar dentro de alguns dias ou semanas. Se fechar, será a sétima vez desde o início do Verão.

As explicações, mais coisa menos coisa, têm sido sempre as mesmas. Não há médicos em número suficiente para assegurar o serviço; os médicos que existem recusam-se a fazer mais horas extraordinárias do que aquelas a que são obrigados por lei, ou seja, dezoito horas por semana, mesmo depois de ter sido aumentado o valor da hora suplementar. Por seu lado, a administração da Maternidade aponta o dedo aos médicos. Com toda a naturalidade, acusa-os de “resistência” e de “falta de boa vontade”. É uma naturalidade que lhe chega do conforto da sinecura e do governo do dr. António Costa; as mesmas acusações, se declaradas durante o governo de Pedro Passos Coelho, dariam pretexto para muitas vigílias, cordões humanos, missas na Aula Magna e descidas ao flambó pelas avenidas da cidade inteira.

Já tínhamos notado – e, em certa parte, explicado – a devastação que vai no Serviço Nacional de Saúde, com problemas gravíssimos de Norte a Sul; conhecemos a falta de médicos em várias especialidades, isso é dito e escrito há meses escancaradamente, seja em pediatria, em ginecologia ou em obstetrícia, com as urgências a fechar nos grandes hospitais do país. Esta possibilidade de mais um fecho do bloco de partos ganha agora um relevo especial, pela conjugação das duas circunstâncias, combinadas no embrulho de “medidas” que o governo de Costa anunciou, há uma dúzia de dias, sob o falso pretexto de “ajuda” contra a inflação. Costa adora “medidas” com o fervor laborioso com que ignora ou esconde políticas. Aqui, a política mais importante que estas medidas escondiam era a alteração da fórmula de cálculo das pensões, para conseguir reduzir a despesa do Estado com carácter permanente e equilibrada (eles dizem “sustentável”).

Percebemos também que essa política respondia, ou pretendia responder, à debilidade da economia portuguesa, uma debilidade crónica e estrutural; e à preocupação com o problema demográfico, já identificado há muitos anos, cuja tendência se tem vindo a confirmar e a agravar, e que consiste na inversão da pirâmide etária. Com o envelhecimento marcado da população. A esperança de vida é muito mais longa, as pessoas vivem mais anos, e, ao mesmo tempo, as famílias têm menos filhos e bastante mais tarde. Ou seja, nascem poucos bebés. Significa que cada vez há menos gente em idade de trabalhar – e de contribuir com impostos para a receita do Estado; e cada vez há mais gente a receber pensões de reforma, e a necessitar de usar o Estado Social, designadamente os serviços de saúde. É aqui, neste desajuste, que reside o problema demográfico.

Quer isto dizer que o governo do dr. Costa, finalmente, resolveu tomar contacto com estas realidades, em boa parte porque se viu obrigado pela subida dramática da inflação e pelo fim dos empréstimos a custo zero do BCE, com a correspondente subida dos juros da dívida. A inflação, que o primeiro-ministro apresenta como um problema que ele quer solucionar aos portugueses, é um problema que, na verdade, o prejudicou a ele e à sua política desmazelada e preguiçosa. António Costa reagiu quando o fogo lhe chegou aos pés, como se percebe pela brutalidade com que chamou “ajudas” a uma fraude política que prejudicou toda a gente, e deixou toda a gente com menos rendimentos, e menos autonomia, e ainda menos dignidade, mesmo para os padrões socialistas. Costa resolveu o problema dele e não quis saber de mais ninguém.

A mudança, mais uma vez, veio de fora. E o governo do PS, que reconhece o envelhecimento aflitivo da sociedade portuguesa, é o mesmo governo que fecha blocos de partos nas maternidades. Paradoxos próprios da clássica duplicidade do Partido Socialista e da sua proverbial irresponsabilidade.

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