Por paradoxal e até incrível que pareça, as declarações de Vladimir Putin, Presidente da Rússia, e as “confissões” de Roman Protasevich, jornalista e activista bielorrusso, têm uma característica como: tanto umas como outras são falsidades evidentes, mas pronunciadas em situações muito diferentes.

No caso do opositor ao regime de Alexandre Lukachenko na Bielorrússia, só pessoas ideologicamente cegas e perversas podem acreditar que as suas declarações são feitas de boa vontade e livremente.

Os comunistas portugueses, que se encontram entre os mais fervorosos defensores da ditadura bielorrussa, deveriam compreender isso até muito mais rapidamente do que os outros, pois alguns dos seus mais conhecidos militantes conheceram situações idênticas nos calabouços da PIDE/DGS.

Porém não o fazem porque, além de este jornalista lutar contra um regime “progressista”, os comunistas apoiaram e apoiam métodos semelhantes que foram utilizados por ditadores como Estaline na União Soviética. Olhando atentamente para a “entrevista” transmitida pela televisão oficial bielorrussa, o “jornalista” que faz as perguntas parece mais um agente do NKVD (polícia política estalinista) nos famigerados interrogatórios, e Roman Protasevich faz lembrar aqueles réus dos tribunais soviéticos que reconheciam tudo e mais alguma coisa para proteger a vida dos seus parentes e amigos, ao ponto de afirmarem que tencionavam abrir túneis entre Londres e Moscovo para permitir aos imperialistas derrubarem o poder soviético.

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Como é sabido, a namorada de Protasevich encontra-se também num cárcere bielorrusso e, embora sendo cidadã russa, o Presidente Putin escusou-se a comentar a sua detenção.

(Faço aqui um parêntesis para informar que desde há algum tempo que deixei de ler o Avante, pois o acesso ao semanário comunista passou a ser pago, decisão que respeito. Mas basta ler os títulos para que a posição do PCP fique clara. Em relação ao tema abordado, o órgão comunista escreve o seguinte:  “A escalada contra a Bielorrússia. Os con­tornos do in­ci­dente com o voo da Rya­nair que aterrou na ca­pital bi­e­lor­russa, Minsk, per­ma­necem obs­curos, assim como os res­pon­sá­veis e sig­ni­fi­cado de todo o epi­sódio, acon­se­lhando pru­dência.”)

Como já não é possível negar o facto de Lukachenko ter mandado realizar um acto de pirataria aérea para prender o jornalista, a propaganda russa e os crentes putinistas utilizam os gastos argumentos de que o mesmo foi feito em relação a outros e ninguém protestou. Quanto ao segundo argumento, ele é claramente falso, pois, por exemplo, o incidente com o avião de Evo Morales foi bastante noticiado, para já não falar dos “casos Snowden e Assange”.

E há ainda uma outra coisa. Como é que dirigentes como Putin, Lukachenko, que se dizem “defensores do Direito Internacional”, podem repetir os erros do chamado Ocidente?

Aliás, no caso de Putin, as suas declarações estão cada vez mais longe da realidade e transformam-se em verdadeiras anedotas ou insultos ao bom senso. Enquanto não se cansa de repetir que na Rússia há mais liberdade do que nos Estados Unidos ou na União Europeia, aprova praticamente todos os dias leis que visam impedir a organização de qualquer oposição política.

Por exemplo, uma dessas leis proíbe a candidatura, em qualquer eleição, de pessoas que colaboraram ou colaboram com organizações consideradas como “extremistas ou terroristas” pelo Kremlin. Claro que Alexey Navalny e o seu Fundo de Combate à Corrupção não são os únicos nessa lista.

A isto deve-se acrescentar a decisão do Kremlin de instituir uma lista cada vez maior de órgãos de comunicação electrónicos que se tornaram “agentes estrangeiros”, transformando-os numa espécie de leprosos que afastam qualquer empresa ou organização de neles publicar publicidade.

O objectivo de Putin visa evitar o aparecimento que qualquer oposição nas eleições parlamentares de Setembro e, como a situação real lhe é cada vez mais desfavorável, toma medidas preventivas para evitar surpresas.

P.S.  Karin Kneissl, antiga ministra dos Negócios Estrangeiros da Áustria, foi nomeada membro do conselho de directores da Rosneft, a maior petrolífera pública russa e um dos principais ganha-pães da corte de Putin. Quando ocupava o cargo de chefe da diplomacia austríaca, esta política de extrema-direita convidou Putin para padrinho de casamento. Durante o banquete, o dirigente russo não perdeu a oportunidade de dar um passo de dança com a afilhada, trazendo à memória uma frase icónica do senhor do Kremlin: “Quem paga é quem dança a jovem!”.Mas este caso não é único, conhecemos muito mais…