Agora que se aproxima o fim dos dois primeiros dias de 2024, é a altura ideal para efectuar o tradicional balanço do ano. Duas razões levam-me a optar por este exame precoce. Uma de índole pessoal, outra de natureza patriótica.

A primeira é uma questão de gosto. Sou grande apreciador do estilo balancístico que esmiúça em revista o período a comentar, expurgando-o dos detalhes insignificantes e reduzindo-o ao essencial. Uma depuração analítica que figurará nos anais da história. Sou um cronista das grandes tendências, dos fundamentos, dos traços gerais, mais macro que micro. Mas, acima de tudo, sou um cronista madraço: para fazer a retrospectiva basta abrir o arquivo no computador, consultar as crónicas relativas à época em questão, ver sobre que temas mais se falou e sumarizar. É a razão preguiçosa.

Depois há a razão patriótica, que tem que ver com o meu amor pelo país: faço o balanço hoje porque neste ano ainda não houve tempo para Portugal fazer merda. É inegável que 2024 está a correr bem à pátria. E não é só uma questão de opinião, ajudada pelo facto de a maioria dos portugueses ter estado ébria grande parte de 2024. É por ainda não ter ocorrido nenhuma daquelas situações embaraçosas que, sendo Portugal o que é, inevitavelmente se vão suceder em catadupa até Dezembro.

Em 2024, ainda nenhum Ministro foi indiciado pela prática de qualquer ilícito. Nem algum dos vários gabinetes ministeriais foi alvo de buscas judiciais. Que se saiba, não foram encontrados milhares de euros em dinheiro no gabinete adjacente ao do PM. Bem sei que ontem foi feriado e dia 2 ainda vai a meio, mas é refrescante.

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Também em 2024, o Presidente da República não teve oportunidade de lançar piropos brejeiros a meninas, nem de derrubar governos estáveis, nem de meter cunhas no SNS por causa de familiares de amigos do seu filho, nem de emitir opiniões exculpatórias sobre pedofilia na Igreja Católica.

Em comparação com anos anteriores, neste o SNS está a funcionar impecavelmente. Quantas grávidas já deram à luz em estações de serviço, entre o expositor de revistas e as garrafas de adblue? Quantos idosos bateram com o nariz na porta das urgências, tendo de se deslocar a outras urgências para serem tratados da maleita original e também do nariz partido? Quantas primeiras segundas-feiras do mês já levaram milhares de utentes a pernoitar à porta dos centros de saúde para conseguirem marcar consultas? As respostas são zero, zero e zero. São números de país civilizado.

Nestes primeiros momentos do ano, não foram publicados nenhuns resultados de exames ou estudos internacionais que indicam que os alunos portugueses têm pior aproveitamento do que os do Sudão do Sul. Até agora, os alunos portugueses estão ao nível dos geniozinhos de Singapura. Parabéns!

Este estupendo dado explica-se por outra estatística de 2024: nenhuma turma ficou sem aulas por faltarem professores. Enquanto durarem as férias, estamos safos. Aliás, quase ninguém faltou ao emprego por falhas nos transportes públicos!

Relativamente a 2023, o número de sem-abrigo parece ter diminuído. Mas só saberemos no fim da semana. Até amanhã é normal considerar-se que quem dorme na rua ainda está a ressacar do réveillon e eventualmente há-de voltar para casa.

Desde anteontem, não surgiram novas localizações para o aeroporto de Lisboa. Não foram autorizadas indemnizações a gestores públicos por WhatsApp. A PSP não foi chamada a intervir numa briga no Ministério da Economia. Os serviços secretos não foram accionados por um membro do Governo para recuperar material informático. Não foram ditas aldrabices em Comissões Parlamentares de Inquérito. Nenhum político com responsabilidades atacou a independência do Ministério Público. O Estado não contratou amigos ou familiares de governantes – o que, em rigor, também pode ser explicado por o Natal ter sido na semana passada e as pessoas não quererem voltar a ver primos tão depressa.

É inegável: estes cerca de 0,4% de 2024 foram fantásticos. Ao fim de 36 horas, divergirmos pouquíssimo das outras nações da Europa. E, desta vez, podemos garantir que a culpa do afastamento não é do país. Para já, a única causa do nosso atraso em 2024 é mesmo Portugal ter começado o ano uma hora mais tarde.