Dia 08 de Janeiro de 2023, assisti atónito ao que se desenrolava em Brasília – a sede dos 3 Poderes – a ser tomada de assalto por uma horda de pessoas envergando camisolas amarelas e enroladas com bandeiras do Brasil (conjunto emblemático eleitoral de Jair Bolsonaro) – invadindo, destruindo e delapidando tudo o que encontrava no caminho à medida que penetravam nos Palácio do Planalto (sede executiva), Palácio do Congresso Nacional (sede legislativa) e Palácio do Supremo Tribunal Federal (sede judicial). Nas redondezas, elementos de Polícia Militar limitavam-se a uma presença complacente, ora filmando o ‘espetáculo’, ora em amena cavaqueira com alguns dos assaltantes.

A violência do contexto e do assalto “qua tale” tem a sua explicação (pese embora não justificada). Após a vitória eleitoral de Lula, no contexto do repúdio de Jair Bolsonaro em aceitar a derrota, seguiu-se uma onda de protestos dos adeptos tendo o seu ponto culminante no bloqueio das estradas brasileiras por camionistas simpatizantes deste. Face a toda esta situação, Bolsonaro quis obter um certo apoio junto do Supremo Tribunal Federal, sendo que o seu Presidente recusou recebê-lo enquanto as manifestações e protestos ilegais continuassem. Finalmente, sendo que os bolsonaristas pretendiam virar o contexto político para um estado militar, mediante um apelo às Forças Armadas para tomar conta do poder, impunha-se, na sua ótica, neutralizar a atividade do Congresso. Eis, pois, os três marcos a derrubar.

A razão próxima de toda esta trama residia afinal e simplesmente no facto de Bolsonaro não assumir a derrota eleitoral. Tudo teria sido resolvido, porém, se no dia 01 de janeiro 2023 assumisse o gesto democrático de transferir a faixa simbólica do Presidente ao Lula de Silva. Porém, não o fez, deixando em rédea solta a ideia de que não abandonava o poder político, abrindo caminho a todo o tipo de tropelia contestatária para que, cedo ou tarde, pudesse recuperar o estatuto de Presidente Salvador, nomeadamente contra a bandeira vermelha. Vai daí a ausência por altura da posse oficial do Presidente Lula de Silva, cuja eleição em termos democráticos foi reconhecida por países da América, entre os quais figuram os EUA; da Europa, com destaque para Portugal, e África. Esta ausência seria consubstanciada por uma fugida a Miami. Esta poderá ter sido uma falha para o seu futuro político.

Porém, como interpretar toda esta movimentação e o consequente assalto na Praça dos 3 Poderes? A preparação de toda esta trama, a movimentação de, pelo menos, 80 autocarros e a montagem de tendas por cidadãos identificados na sua grande maioria pela indumentária eleitoral bolsonarista frente às instalações do Quartel-General das Forças Armadas do Brasil não podiam passar seguramente despercebidas pelos serviços secretos, pelas polícias e agências de segurança brasileiras e da própria estrutura militar. Se a este dado acrescentarmos a passividade com que a autoridade policial lidou com os assaltantes, é suficientemente demostrativo como as forças de autoridade armada estavam coniventes com os assaltantes.

A destruição subsequente que se processou nas instalações dos 3 palácios tem pouco a ver com o regresso de Bolsonaro ao Palácio de Planalto. Porventura outros o farão. A sua fuga afastou a credibilidade dos seus seguidores. O ambiente de ruína e de destruição revela, porém, uma outra realidade gravosa, qual seja a de que o chamado bolsonarismo transcende o próprio Bolsonaro, inserindo-se num contexto mais vasto, fazendo parte de uma movimentação transnacional nacionalista, com bolsas que vão surgindo em diversos outros países espalhados por esse mundo fora, seja nas Américas, seja na Europa, seja no Médio ou Extremo Oriente. Sucede simplesmente que o Brasil, pelas características próprias da sua componente territorial, história, estruturação social, ordenamento económico e formação cultural continua a ser o pouso ideal para a proliferação dessa ideologia ultraconservadora. No caso concreto, a fuga de Bolsonaro, enquanto representante dessa ideologia teve relevância, não tanto no sentido de repudiar a posse do novo Presidente, mas como uma fuga à representatividade como político, de abandono dos seus adeptos, deixando-os numa roda livre sem ‘eira nem beira’, ficando de pé, como opção, o caos e a intervenção das Forças Armadas, como via para o afastamento do Lula. Era o sentido de orfandade e o canto do cisne moribundo. Esqueceram-se, porém, que o Brasil tinha já um Presidente eleito, capaz de fazer respeitar a autoridade de um Estado de Direito Democrático. Será este o passo decisivo.

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