Boris Johnson ganhou a primeira ronda das eleições para a liderança do Partido Conservador com mais votos do que os somados pelos segundo (Jeremy Hunt), terceiro (Michael Gove) e quarto (Dominic Raab) classificados. Tendo em conta que a maioria dos candidatos Tories são a favor do Brexit, grande parte desses votos será transferidos para Boris. Ou seja, o antigo Mayor de Londres tem o lugar praticamente garantido na eleição entre os dois mais votados, na última fase quando votam todos os filiados no partido. As sondagens indicam que nas diretas Boris ganha a qualquer outro conservador. Ou seja, só um acontecimento absolutamente inesperado é que poderá evitar a vitória de Boris Johnson. Até poderá acontecer, se a diferença entre Boris e os restantes candidatos aumentar bastante, que nem sequer haja diretas. Nesse caso, Boris Johnson seria líder e PM britânico antes do fim do mês (se houver diretas será antes do fim de Julho).

A possibilidade da vitória de Boris Johnson alarma toda a esquerda britânica (e europeia, incluindo a portuguesa) e, aparentemente, deixa Bruxelas e os líderes europeus inquietos. Com Boris a PM, a maioria dos observadores dá o “hard Brexit” como garantido. É uma possibilidade real, mas não estou certo que assim aconteça. Boris Johnson é um político oportunista, sem grandes princípios, mas muito pragmático (no nosso país seria considerado muito habilidoso). Desde muito jovem, Boris sonha com o lugar de PM (lembra alguém?), e aproveitou a realização do referendo para defender a posição que lhe garantisse chegar ao n.10. Calculou que a defesa do “Brexit” seria a melhor maneira, e pelos vistos não estava errado. [Deixo aqui uma pequena nota para as almas mais sensíveis, sendo contra a saída do Reino Unido da UE, fui muito crítico da posição de Boris Johnson e não tenho qualquer ilusão sobre a personagem; mas as minhas preferências são secundárias, prefiro a análise].

No dia que atravessar o n.10 de Downing Street, Boris terá uma prioridade: continuar o máximo de tempo possível como PM britânico. Não esperou tantos anos pelo lugar de sonho para o largar apenas passados uns meses. A sua posição em relação às negociações com a UE será sempre subordinada à sua ambição – como tem sido desde sempre. Isto significa duas coisas: não provocará eleições antes do Reino Unido sair da União, e tudo fará para impedir um segundo referendo. O ideal, para Boris, será fazer um novo acordo, sem o famoso “backstop”, sair da União e depois provocar eleições antecipadas. Se isso acontecer, será quase de certeza reeleito. Boris Johnson é oportunista, mas não é tonto. Sabe muito bem que uma saída sem acordo será sempre uma opção com muitos riscos. Poderá acabar numa situação em que não terá alternativa, mas tudo fará para o evitar.

O segredo será retirar o “backstop” do acordo de saída. De novo, a maioria dos analistas garante que Bruxelas e os líderes europeus nunca aceitarão mudanças no acordo com Londres. Também aqui tenho as minhas dúvidas. Tal como existe, o acordo está morto. O Parlamento britânico votou três vezes contra e nunca votará a favor sem alterações. Imaginem que o Parlamento Europeu teria votado três vezes contra o acordo, algum líder europeu diria que ainda estava vivo? Claro que não. Julgo que ninguém terá a coragem de afirmar que o Parlamento Europeu tem mais legitimidade democrática do que o Parlamento britânico. Por que carga da água deveriam os líderes britânicos defender um acordo chumbado três vezes pelos Comuns? Em Londres, só um louco ou um suicida é que defenderiam o acordo assinado com a União Europeia.

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Resta saber se os líderes europeus terão a lucidez de reconhecer o evidente: o acordo que existe morreu e será necessário negociar um novo acordo. Desconfio que Merkel já percebeu o que se passa e com o abrandamento da economia europeia e os conflitos comerciais globais, a Alemanha não quer uma saída britânica sem acordo. Aliás, já houve conversas entre dirigentes da CDU e colaboradores próximos de Boris Johnson para discutir as condições para um eventual acordo.

Por fim para aqueles que se espantam com a provável vitória de Boris Johnson, o espanto não deveria existir. A maioria dos deputados conservadores e dos membros do partido estão absolutamente convencidos que Boris é o melhor para ganhar eleições, e as sondagens confirmam. É o melhor para tirar votos a Nigel Farage, à direita, e para derrotar o líder trabalhista, Jeremy Corbyn. Como todos os partidos políticos, em qualquer país europeu, os conservadores também querem um líder que possa vencer eleições. Numa cidade maioritariamente de esquerda, como Londres, Boris Johnson foi eleito duas vezes contra os trabalhistas. Por isso, os conservadores votam nele para líder, e a esquerda detesta-o.

PS: Não estava em Portugal e não ouvi o discurso de João Miguel Tavares no dia 10 de Junho. Mas este fim de semana li os ataques ao discurso feitos por Pacheco Pereira, Francisco Louçã, Rui Tavares e Daniel Oliveira. Já tenho a certeza que foi um bom discurso.