Nas últimas semanas, o governo conservador aprendeu uma grande lição sobre soberania. O Reino Unido abandonou a União Europeia para recuperar a sua independência, mas os mercados mostraram os limites da soberania. A desvalorização da libra e a queda da bolsa britânica mostraram que não há soberania que resista a excessos ideológicos e a decisões erradas. O erro do governo de Truss foi a tentativa de combinar a redução de impostos com o aumento da despesa. Os mercados não perdoaram.

Mas a deriva ideológica dos Tories também ajudou a cometer outro enorme erro, ou melhor a fazer uma combinação fatal. O caminho para uma economia de impostos baixos e um Estado pequeno é visto pelos conservadores como o resultado lógico do Brexit. A ligação entre o Brexit e uma política económica liberal foi o maior erro dos conservadores, e possivelmente o mais penalizador a prazo. Ligando um objectivo salutar – redução da carga fiscal – a uma má decisão – Brexit – pode afectar no futuro, de um modo grave, a política económica mais correcta para atingir a prosperidade. Os defensores de políticas liberais na Europa não mereciam a traição dos conservadores britânicos.

A ligação entre a política fiscal e a integração europeia resultou de uma deriva ideológica que levou os conservadores a deixarem de entender a União Europeia. Bruxelas não tem competências em políticas fiscais e os Estados membros são soberanos nessa matéria. Não se pode é baixar impostos sem atender à disciplina orçamental. Os compromissos do Estado social, as despesas e as dívidas públicas nas últimas décadas aumentaram em todos os países europeus (tal como nos Estados Unidos e no Japão), mas isso nada tem a ver com a integração europeia. A falácia dos conservadores foi oporem uma ‘União Europeia social democrata’ a uma suposta soberania liberal fora da União Europeia. Essa oposição só existe nas fantasias excêntricas dos conservadores, e nas páginas do Spectator.

A verdade é que a saída da União Europeia está a destruir o partido conservador. Antes de 2016, gozavam de uma maioria sólida no parlamento e um PM, David Cameron, há mais de seis anos. Desde 2016, e desde o referendo, os conservadores já tiveram três PMs – Theresa May, Boris Johnson e Liz Truss, e muito provavelmente terão um quarto chefe de governo antes do fim do ano. Durante todo este período, passaram por três eleições para a liderança, o que fatalmente acaba por dividir ainda mais o partido (já estava muito dividido por causa do referendo). Os Tories estão a atravessar um daqueles períodos terríveis em que há muitos candidatos à liderança, mas não encontram o líder certo.

Aparentemente, Boris Johnson é o preferido dos militantes conservadores para regressar à liderança do partido e do governo. Se isso acontecesse, seria absolutamente patético. O partido quis a demissão de Boris antes do Verão. O que mudou entretanto? Será Boris agora mais competente do que há uns meses? Obviamente que não. Ninguém muda em 4 meses. É o conservador em melhores condições para derrotar os trabalhistas na próxima eleição? Os conservadores quiseram a sua demissão porque já não acreditavam na sua capacidade de derrotar os trabalhistas. Só se fala em Boris porque de momento não há uma alternativa a Liz Truss. Mas irá aparecer. Será muito improvável que Boris regresse à liderança do partido. E, com estas trapalhadas todas, também é altamente improvável que os conservadores ganhem a próxima eleição.

Pelo meio, os conservadores prejudicaram gravemente o Reino Unido com o Brexit. O futuro da Irlanda do Norte está em aberto, entre um possível regresso dos conflitos entre Católicos e Protestantes ou até a unificação da Irlanda. A independência da Escócia é um cenário mais plausível. Entretanto, a economia britânica está pior. Em 2016, valia 90% da economia alemã. Hoje, vale 70% da economia alemã. A Alemanha também passou pelo Covid e a guerra na Ucrânia afectou igualmente os dois países. A grande diferença foi que o Reino Unido abandonou a UE.

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