Foi em meados de Novembro de 2016 que tive a sensação de que tinha aberto a caça ao Coelho dentro do PSD. Na altura, tinha a Comissão Europeia acabado de aceitar o projecto de Orçamento do Estado português para 2017 e Carlos Moedas declarou, numa visita ao nosso país, que este, em incumprimento desde 2009, estava finalmente a “ver uma luz ao fundo do túnel”. Sendo Moedas um destacado membro do governo anterior, não consegui deixar de ver nestas declarações uma facada em Passos Coelho.

Claro que se pode argumentar que apenas estava a comunicar as conclusões da Comissão Europeia (CE). No entanto, se formos ler o documento que a CE disponibilizou nesse mesmo dia, percebemos que nada disso está lá escrito. Pelo contrário, na conclusão do documento, podemos ler que, de acordo com as projecções da CE, o Orçamento do Estado para 2017 “desviar-se-á significativamente do ajustamento exigido pelas metas de médio prazo do saldo estrutural e não cumprirá a meta de redução da dívida”. É verdade, porém, que se acrescenta: “apesar de tudo, o desvio previsto excede o limite do desvio significativo por muito pouco”. Peço perdão pelo português arrevesado da minha tradução, mas só assim é possível fazer justiça ao inglês técnico com que foi escrito o documento oficial. Mas troco por miúdos. De acordo com a CE, Portugal não vai cumprir as metas. Mais do que isso, Portugal excede a margem de erro que a CE tem para quem não cumpre as metas. Todavia, excede-a por pouco. É como se estivéssemos dentro da margem de erro da margem de erro. É como se a leitora fosse apanhada a conduzir a 155km/h e pedisse clemência por exceder apenas por 5km/h a tolerância de 30km/h que usualmente é dada nas auto-estradas. Independentemente de se concordar ou não com o relatório, a verdade é que Carlos Moedas com as suas declarações fez bem mais do que dar voz à CE. A sensação que tive de que se estava a posicionar para uma eventual candidatura à liderança do PSD tem sido reforçada pelos encontros que vai promovendo com os caciques locais do PSD sempre que visita Portugal.

Moedas não é o único nesta caça. Há muito que Rui Rio é protocandidato e, ainda no mês de Novembro, Morais Sarmento, em entrevista à Rádio Renascença, não colocou de parte a hipótese de se candidatar, sugerindo ainda que parássemos de olhar para a “liga regional” e olhássemos para a “primeira liga”, onde pontuam Pedro Santana Lopes e Marques Mendes. E, de há umas semanas para cá, já ninguém sequer se dá ao trabalho de disfarçar as movimentações dentro do PSD. Parece que a grande dúvida é sobre se se deve substituir Passos Coelho antes ou depois das eleições autárquicas.

Tudo isto me parece prematuro. A verdade é que à direita continua a vingar o discurso que Passos Coelho ganhou as últimas eleições legislativas. Como sabem, não concordo de todo com essa ideia, mas a minha opinião é irrelevante. O que conta é que toda a direita pensa que ganhou as eleições. Mesmo pessoas inteligentes e descomprometidas, como Pedro Mexia, insistem que Passos Coelho ganhou as eleições. E, se assim pensam, não há nenhum motivo para trocar a liderança. Passos Coelho ganhou as eleições em 2011 e foi primeiro-ministro até 2015. Liderou o governo num dos períodos mais difíceis da curta história da nossa democracia. Goste-se ou não, foi um primeiro-ministro decente, que não esqueceu o essencial: conseguiu reduzir substancialmente o nosso défice, conseguiu fazer algumas reformas importantes (como as do mercado laboral) e, em determinados momentos, soube estar do lado certo, como quando recusou a ajuda a Ricardo Salgado para salvar o BES. E, como se vê pela forma como o actual governo gere e capitaliza a situação com os lesados do BES, não era fácil fazer o que devia ser feito neste dossier.

Não quero apagar as minhas discordâncias com uma série de políticas seguidas por esse governo, desde a (tentativa de) desvalorização fiscal à custa da TSU à insistência em medidas inconstitucionais, em vez de procurar alternativas válidas que exigiam um reformismo mais laborioso. Nem quero minimizar o papel do Banco Central Europeu na saída limpa do resgate. Apenas estou a dizer que, apesar de erros pelo caminho, Coelho conseguiu, no meio da tempestade, levar Portugal a um porto aceitável, o que, em dados momentos, poucos considerariam provável. E, apesar de governar num período tão difícil, Coelho “ganhou” as últimas eleições.

Dir-me-ão que é o momento de virar a página no PSD. Que o anúncio do Diabo em 2016 correu mal. Mas, infelizmente, basta ver como as taxas de juro da dívida portuguesa têm evoluído nos últimos tempos (actualmente, nos 3,9%), como o BCE tem vindo, paulatinamente, a recuar na sua política monetária (que foi um autêntico balão de oxigénio para Portugal) e como se discute com cada vez mais insistência uma reestruturação da dívida para perceber que nunca o Diabo esteve tão próximo. Na verdade, o grande defeito de Passos Coelho é, ao mesmo tempo, simples e difícil de superar: ninguém quer que ele tenha razão.

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